A vitória de Gabriel Boric no Chile representa uma significativa mudança nos rumos políticos da América Latina. O jovem esquerdista de 35 anos, destacado líder estudantil que combateu o governo de Sebastián Piñera, chega ao poder com uma vitória categórica sobre José Antônio Kast, representante da extrema-direita.
Após a convulsão social no país e os ventos de uma nova Constituição presidida por uma acadêmica indígena do povo mapuche, o governo de Boric completa um ciclo de ruptura com a herança de Pinochet para iniciar outro, mais complexo e difícil: transformar em realidade as promessas do plano de governo.
E a mineração, que dita em grande parte a história chilena, está no centro disso: o Chile é o maior produtor mundial de cobre (28% da produção global, 5,7 milhões de toneladas em 2019) e tem boas reservas de lítio e outros minerais.
50% das exportações chilenas provém do cobre, que, com o preço em alta no mercado internacional, se tornou ainda mais decisivo para a recuperação econômica de um país que vê o PIB registrar a maior queda em 40 anos.
A mineração representa impressionantes 10% do PIB do Chile. No Brasil, fica em torno de 2% (4% se incluirmos petróleo e gás na conta do setor extrativo). A Codelco, estatal, é a principal empresa que tem instalações em todo o Chile. Não por acaso, se apresenta como “motor de desenvolvimento do país”.
Para uma nação tão dependente da mineração, os planos de Gabriel Boric são mais do que ambiciosos.
A mineração, responsável por cerca de 7% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa via ação humana, tem um papel preponderante na crise climática.
Ao mesmo tempo, a extração de metais como o cobre chileno, o lítio, cobalto e outros, deve explodir nos próximos anos, já que são insumos fundamentais da cadeia econômica vendida como “mais verde”, caso dos carros elétricos.
“Superar o extrativismo” e caminhar para “um novo modelo de desenvolvimento”, promete Boric
Eu analisei o plano de governo de Gabriel Boric e as suas propostas para a mineração. O sucesso ou fracasso dessas metas podem influenciar diretamente nos rumos da mineração na América Latina e no mundo.
Caso consiga implementar pelo menos parte do que promete, Boric pode mostrar que é possível uma extração mineral menos danosa ao meio ambiente e às comunidades, com um papel em evitar o agravamento irreversível da crise climática para além do que foi alcançado na última COP.
Caso fracasse, a experiência chilena deve colocar interrogações ainda maiores sobre o futuro da mineração. A única certeza é que Boric está diante de metas de difícil execução – especialmente em apenas 4 anos – e terá muitos desafios pela frente, a começar pelo fortíssimo lobby mineral.
Para começar, um novo imposto – royalty – deverá ser criado. E o mecanismo será progressivo: quanto mais alto o preço do cobre no mercado internacional, maior o imposto. Boric também promete combater duramente a evasão, a elusão e a elisão fiscal, mecanismos que permitem às mineradoras pagar o mínimo possível em royalties e escapar de suas obrigações fiscais, gerando pouco ou nenhum retorno para a sociedade.
A estimativa é de uma provisão adicional de 1% do PIB com essa medida, acredita o novo governo. Boric promete ainda acabar com o uso do carvão no fim do seu mandato e “descarbonizar” a matriz energética chilena, caminhando para um modelo renovável.
Nos “desafios para o futuro” o plano de governo segue audacioso. “Queremos definir um novo papel econômico para os recursos naturais, indo da mera extração até o uso eficiente da receita de cada setor. Para isso, serão promovidas políticas que visem posicionar a mineração no Chile como exemplo, por sua capacidade de conciliar a redução dos impactos locais com o desafio de contribuir com minerais de baixa emissão para combater a crise climática, mantendo uma relação harmoniosa com as comunidades e territórios onde se insere”, diz o texto.
No caso do lítio, prevê, uma nova governança será implementada, incluindo a participação do meio acadêmico e das comunidades, com protagonismo do Estado e a criação de uma empresa estatal de lítio.
“Entendemos que o investimento em ciência aplicada e inovação na mineração é fundamental para a superação do extrativismo”, afirmam, com ênfase em pesquisa e desenvolvimento para uma “mineração de baixa emissão”.
Boric quer minimizar o impacto dos rejeitos de mineração, otimizar a exploração mineral, com destaque para os “minerais críticos” da transição energética”, aumentar a reciclagem de resíduos, resolver o problema de minas abandonadas que representam enorme risco às comunidades, modernizar e desenvolver a mineração de médio porte com “sustentabilidade” nas operações.
“Em linha com a redução do impacto ambiental associado à produção de cobre, serão promovidos investimentos em infraestruturas partilhadas de aproveitamento de água do mar na mineração e promovido o uso de energias limpas na mineração e processos industriais. Da mesma forma, promoveremos sua rastreabilidade no mercado”, finaliza o plano de governo.
No papel, as ideias são boas. Falta, porém, a indicação concreta de como chegarão a tanto em muitos casos.
Metas de Boric para a mineração enfrentam resistência
Mineradoras como a BHP, a Anglo American e a Kinross atuam fortemente no Chile – e também no Brasil – e costumam se opor a qualquer mudança de regras, além de colecionarem conflitos com indígenas, comunidades locais e violações ambientais.
A resistência vem inclusive da estatal Codelco, provando que os seus anúncios no caminho de uma “sustentabilidade” – como reduzir as emissões de carbono em 70%, reduzir o consumo de água no interior em 60% e reciclar 65% de seus resíduos industriais em 2030 – pouco se sustentam quando o interesse econômico é atingido.
Em maio, a Codelco enviou uma carta a congressistas chilenos afirmando que até 40% de sua produção de cobre estará em risco caso um projeto de lei que limita as operações de mineração perto de geleiras avance no Senado.
As novas regras afetariam três minas que constituem quase 40% da imensa produção de cobre da Codelco.
“O Senado está considerando o projeto de lei de proteção às geleiras ao começar a revisar um projeto de royalties que visa aumentar drasticamente os impostos cobrados dos mineradores de cobre do país, uma manobra que executivos da indústria alertam que poderia condenar muitas das minas do Chile”, diz o texto da Reuters.
É a velha e conhecida chantagem econômica que coloca em último plano questões socioambientais. Essa pressão vai justamente contra as propostas de Boric.
Em 2021, o Chile já exportou pouco mais de US$ 3,5 bilhões em cobre. O segundo produto mais exportado, o salmão, totaliza US$ 500 milhões, seguido por madeira, celulose e minério de ferro. Os principais destinos do cobre chileno são a China, os Estados Unidos, o Japão e o Brasil.
A dependência histórica do cobre, os gargalos que ser refém de uma commodity representa para a economia chilena e o que fazer com isso foram pautas importantes durante a eleição.
O Brasil, cabe lembrar, é um importante parceiro comercial do Chile. Em 2017, segundo análise da Firjan, o Brasil era o 3º maior fornecedor de produtos para o Chile, o 5º maior comprador dos produtos chilenos e o 5º maior parceiro comercial do Chile. A importação brasileira originada do Chile inclui principalmente sulfetos de minério de cobre e salmão.
As relações entre os dois países sem dúvida viverão novo momento a partir de 2022 e sobretudo 2023, com um – espera-se – novo presidente eleito no Brasil e o governo de Boric entrando em seu segundo ano.
Os rumos do setor mineral terão grande influência nesse processo.