Estive, como diretor do Observatório da Mineração, no evento World Press Freedom Day, organizado pela UNESCO este ano em Santiago no Chile. A comemoração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa teve como tema o jornalismo diante da crise ambiental.
Moderei um painel sobre mineração de carvão e minerais críticos, escassez hídrica e ataques aos jornalistas no Brasil, na América Latina e na Rússia.
Organizada pelo Journalism Fund Europe e a Justice for Journalists, conduzi a mesa que contou com o jornalista colombiano Omar Vera, do El Turbión, responsável por uma série de matérias investigativas sobre os impactos da mineração de carvão da trader suíça Glencore na Colômbia e Paloma Dupont, jornalista franco-chilena que realizou matérias especiais sobre a morte de três ambientalistas que defendiam o direito à água em três países diferentes, incluindo o Brasil.
É a mesma Glencore que virou dona da Mineração Rio do Norte (MRN) e agora controla a cadeia da bauxita e do alumínio, herdando um complexo de barragens extremamente problemático que se soma ao histórico de corrupção e violações de direitos em vários países, como mostrei recentemente no Observatório da Mineração.
A mesa ainda exibiu um trecho do documentário “Black Snow”, feito por Alina Simone sobre a jornalista russa Natalia Zubkova, que enfrenta perseguição e diversas ameaças por denunciar a mineração de carvão em seu país.
Na introdução, fiz um breve apanhado sobre o cenário que inclui a América Latina como o centro de centenas de mortes de ambientalistas e jornalistas nas últimas duas décadas, com a mineração e o agronegócio liderando como os principais setores envolvidos, de acordo com relatório anual da Global Witness.
Levantamentos da própria ONU, do Comitê de Proteção a Jornalistas e da Repórteres Sem Fronteiras confirmam o grave cenário que comunicadores enfrentam para contar a história de líderes comunitários, indígenas, quilombolas e ativistas que buscam defender seus territórios do avanço de grandes mineradoras, grileiros e latifundiários, entre outros criminosos.
A expansão de minerais críticos, fundamentais para energias renováveis, carros elétricos, alta tecnologia e toda uma gama de setores, já coloca ainda mais pressão sobre os países do Sul Global e o incremento da extração mineral em diversas regiões costuma ser encarado de modo acrítico pela indústria, ignorando as violações de direitos humanos, destruição de mananciais, poluição da água, do ar, conflitos por terra e aumento substancial da violência, entre outros.
Os quase 10 anos de atuação desse Observatório da Mineração e as centenas de matérias e relatórios que produzimos até o momento ilustram como o atual modelo mineral não pode simplesmente ser replicado de modo ainda mais veloz sem mudanças significativas para que o marketing “verde e sustentável” da indústria não vire apenas mais um capítulo orquestrado de cooptação, lucro e destruição.
O World Press Freedom Day em Santiago contou com diversos painéis e importantes sessões que colocaram em perspectiva a crise climática, a liberdade de imprensa e a necessidade de irmos além do que fazemos no momento, já que os eventos extremos estão ocorrendo muito mais rápido do que o previsto pela ciência – vide a situação do Rio Grande do Sul neste momento – e as metas acordadas na COP de Paris em 2015 seguem apenas uma miragem. O consumo de carvão, por exemplo, ao invés de diminuir drasticamente, bateu recorde nos últimos anos. No Brasil, os lobistas do carvão agora se apresentam como “sustentáveis”.
Comemorando 30 anos da Declaração de Santiago, o World Press Freedom Day recebeu, entre outros, a jornalista Maria Ressa, fundadora da Rappler e Nobel da Paz, o ator e ambientalista Gael García Bernal, representantes da ONU, jornalistas e políticos da América Latina e do mundo.
Jornalistas palestinos cobrindo a guerra em Gaza foram homenageados com o prêmio Guillermo Cano, honrando a vida dos 27 jornalistas que morreram até o momento na cobertura.
De acordo com a declaração conjunta do evento, inspirado na Década Internacional das Ciências para o Desenvolvimento Sustentável (2024-2033), proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, destacaram o papel fundamental da liberdade de expressão ao permitir que jornalistas, trabalhadores da mídia, ativistas ambientais, cientistas e cidadãos possam aumentar a conscientização sobre as mudanças climáticas.
“Enfatizamos que os Estados têm a obrigação de respeitar, proteger e promover os direitos humanos”, afirma a carta, que completa reforçando que o “acesso a informações precisas e oportunas, possibilitado por um ambiente livre, independente e pluralista de comunicação, constitui uma pedra angular para a sensibilização do público, promovendo o debate informado e a tomada de decisões, combatendo a desinformação e construindo a ação coletiva para atingirmos a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”.