“Negacionismo mineral”, autolicenciamento e mineração em terras indígenas são debatidos no Senado

Dando sequência no ciclo de audiências e debates sobre o relatório “Dinamite Pura”, que colocou em perspectiva os 4 anos da bomba climática e anti-indígena armada pelo governo de Jair Bolsonaro, estive ontem (10) no Senado Federal, a convite da senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente.

Também participaram da mesa Rebeca Lerer, do Sinal de Fumaça, parceiro do relatório, Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA) e André Elias Marques, ouvidor da Agência Nacional de Mineração.

Em minha fala inicial, destaquei o fato de que, apenas nos últimos 8 anos, a mineração brasileira foi responsável pelo maior desastre ambiental do Brasil, o rompimento da barragem de Mariana, o que é considerado o “maior acidente de trabalho”, Brumadinho, que matou 270 pessoas, o maior desastre em área urbana do mundo, causado pela Braskem em Maceió e por desastres humanitários e ambientais nas terras indígenas Yanomami, Kayapó e Munduruku, principalmente.

Destaquei ainda a falácia da “mineração sustentável”, algo que não pode ser observado e comprovado em lugar nenhum do mundo.

Assista:

Além dos desastres, a mineração representa pouco mais de 1% do PIB, chegando a 3% se somarmos a siderurgia, consome 11% da eletricidade e emprega diretamente apenas 200 mil pessoas, número baixíssimo que não diz sobre as péssimas condições oferecidas a esses trabalhadores, em grande parte terceirizados e em atividades insalubres e de alto risco.

Mesmo assim, o modelo mineral brasileiro não foi repensado, redesenhado e alterado a partir de um amplo debate público que privilegie não apenas as empresas mineradoras e os lobistas, mas a sociedade civil, os movimentos sociais, as lideranças indígenas e a academia.

Na Agência Brasil: Entidades denunciam desmanche de reguladores da área de minério

O Brasil insiste em erros do passado e, na configuração atual, corre sério risco de replicar o padrão que legou ao país desastres humanitários e socioambientais terríveis.

O licenciamento ambiental, por exemplo, não pode ficar na mão das mineradoras. O Senado sofre pressão do IBRAM e da indústria para incluir a mineração na Lei do Licenciamento (PL 3729), que tramita na casa e pode piorar o cenário, que já é ruim.

A enorme influência que mineradoras tem no processo de licenciamento, especialmente nos estados, ajuda a explicar o motivo pelo qual o Brasil ainda coleciona barragens em estado iminente de rompimento, mesmo depois de Mariana e Brumadinho. É o caso das barragens da ArcelorMittal e Vale em Itatiaiuçu, Barão de Cocais e Ouro Preto, todas em Minas Gerais.

“Pessoalmente, nas minhas três décadas de Câmara dos Deputados, sempre defendi que precisava de uma lei geral do licenciamento. Hoje em dia minha posição é que se for para aprovar o que tá aí eu prefiro lei nenhuma e é melhor continuar brigando na justiça porque pelo menos eu sei como o Supremo e o STJ tem se portado em licenciamento. A confusão é grande, demandaria ajustes em legislação, mas o texto que está no Senado privilegia a não-licença e o autolicenciamento”, afirmou Suely Araújo, do Observatório do Clima.

“Nos últimos 4 anos a gente viu uma tentativa imensa de desregulamentar e precarizar legislações que trazem garantias para que grandes desasatres não voltem a acontecer”, disse Juliana Batista, do ISA.

Para a senadora Leila Barros (PDT-DF), o governo, o Parlamento e a sociedade civil precisam definir em consenso um modelo de exploração mineral equilibrado, pois o quadro atual, de acordo com ela, é marcado por descontrole, crimes, violência e sucateamento de órgãos fiscalizadores, impactando negativamente os benefícios estruturais que a mineração pode trazer.

— A desregulação da atividade de garimpo, de mineração, se conecta com a exploração ilegal de madeira, garimpo e pesca ilegais, entre outras ilegalidades que já se conectam também com o tráfico internacional de drogas. Já virou uma “bomba-relógio” contra o país, atingindo especialmente o meio ambiente e os povos indígenas — afirmou.

A coordenadora do Sinal de Fumaça, Rebeca Lerer, disse que a exploração sempre foi “descontrolada” no Brasil. Para ela, a situação piorou a partir de 2017, devido ao desmonte de estruturas fiscalizadoras. A ativista entende que o modelo predatório é um dos fatores do empobrecimento na região amazônica, pois concentra muita riqueza na mão de poucos, não raro envolvidos em atividades criminosas. “Numa região que tem tudo para adotar um modelo inclusivo e de desenvolvimento sustentável”, disse.

André Marques, da ANM, reforçou a impossibilidade de a agência reguladora cumprir as suas funções em um setor tão complexo com um déficit enorme de orçamento, servidores e estrutura.

Foto de destaque: Edilson Rodrigues / Agência Senado

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Omar Aziz e Jaime Bagattoli apostam em “negacionismo mineral”

Presentes na audiência, os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Jaime Bagattoli (PL-RO) fizeram discursos que se enquadram no que eu chamo de “negacionismo mineral”. O conceito de “negacionismo mineral” que estabeleço aqui esbarra no negacionismo climático, mas tem histórico e vida própria: revela a tentativa sistemática de ignorar os impactos socioambientais irreversíveis da mineração em troca de um suposto desenvolvimento que nunca chega.

Reverberando a narrativa bolsonarista que ajuda a explicar o quadro crítico da mineração brasileira, os dois disseram que a atuação do poder público tem andado em “zigue-zague”, alternando períodos de liberalidade ou excesso de repressão, de acordo com a tendência política que esteja no controle da máquina estatal.

 Ambos afirmaram que são favoráveis à preservação ambiental e contrários à exploração ilegal em terras indígenas, por exemplo. Mas avaliaram que um modelo de desenvolvimento sustentável não pode ser “8 ou 80”, pois a Amazônia é complexa e ainda enfrenta enormes desafios estruturais de inclusão social.

— A maior mina de potássio do mundo está no meu estado, a 80 quilômetros de Manaus, em terra indígena. (…) O Canadá faz exploração sustentável, existe tecnologia e podíamos fazer também. Se não fizermos de forma sustentável, essa exploração será feita de forma criminosa. É questão de escolha, vamos fazer legal ou ilegalmente? A ilegalidade vai continuar, não tem governo que dê conta — alertou Aziz.

A mina em questão é de propriedade da canadense Potássio do Brasil, que insiste em minerar dentro de terras indígenas no Amazonas, contou com o apoio do governo de Jair Bolsonaro e conta com o apoio do governo Lula, especialmente do vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin.

Como explicamos em matéria especial, o projeto da Potássio do Brasil, controlada pela firma Forbes & Manhattan, abre precedente para questionar o que é terra indígena no Brasil em favor de mineradoras.

Além disso, estudos do próprio governo federal indicam que a maior parte das reservas de fertilizantes do Brasil estão fora de terras indígenas, os problemas centrais do setor são outros e é possível expandir a produção sem violar direitos constitucionais, como contei em março de 2022, época em que Bolsonaro tentou usar a guerra na Ucrânia para forçar a aprovação do PL 191.

Bagattoli reclamou que “o viés ambientalista exagerado” é disfuncional.

— Isso só empurra garimpeiros e trabalhadores para a ilegalidade. Vocês acham que o indígena não vai garimpar? Vocês estão errados. Os não indígenas já estão lá, e os indígenas querem manejo sustentável. Mas a questão ambiental trava tudo: o potássio, a exploração de diamantes. Temos jazidas, mas não podemos explorar, porque nada é legalizado. Temos que legalizar as reservas indígenas e os pequenos garimpeiros, isso inclusive vai incrementar a arrecadação estatal — disse Bagattoli.

Esse discurso bolsonarista é antigo e remete à época da ditadura militar.

Aziz também alegou que o Canadá seria “exemplo de mineração sustentável”. Algo desmentido pelos fatos, que incluem um rompimento de barragem de grande proporção (duas vezes o tamanho de Brumadinho) ocorrido em 2014 que afetou terra indígena, como detalhei em 2021.

No pouco tempo disponível, respondi os senadores elencando pontos centrais, como o fato de que o Brasil não precisa explorar terra indígena para aumentar a produção de fertilizantes, que todas as principais organizações indígenas são contra a mineração e o garimpo, que o Canadá não é exemplo de mineração sustentável e nunca foi, que não dá para relativizar o garimpo em terra indígena e que o parlamento e a sociedade brasileira precisam ouvir as lideranças indígenas, algo que o Observatório da Mineração tem feito sistematicamente desde a sua fundação, em 2015.

A íntegra da audiência está disponível no site do Senado.

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