Ministério Público de Minas Gerais rejeita contas da Fundação Renova e aponta irregularidades

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O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acaba de divulgar que rejeitou as contas da Fundação Renova referentes a 2019 e destacou que a investigação conduzida indica a falta de autonomia da entidade, desvio de finalidade, salários exorbitantes de dirigentes e relações empregatícias espúrias, entre outras irregularidades.

A Renova é a entidade criada para conduzir a reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015. A Fundação é mantida com recursos da Vale, Samarco e BHP, mineradoras que eram donas da barragem que se rompeu.

A decisão do MPMG é referente ao inquérito aberto em janeiro de 2020 para apurar as irregularidades na gestão, no patrimônio e nas atividades-fim da Renova.

As conclusões do Ministério Público mineiro colocam a atuação da Renova em xeque. Desde a sua criação, a Fundação vem colecionando críticas de atingidos, promotores e prefeitos da bacia do Rio Doce, que chegaram a pedir o fim da instituição justamente por não conseguir cumprir com as suas obrigações.

Esta é a quarta vez seguida – 2016, 2017, 2018 e 2019 – que a Renova tem as suas contas rejeitadas pelo MPMG. Ou seja: a Fundação Renova nunca conseguiu ter as suas contas aprovadas desde a sua criação.

Em julho de 2020, revelei com exclusividade no Observatório que a Renova também passou a ser investigada pelo MPMG, Ministério Público Federal, Receita Federal e Comissão de Valores Mobiliários sobre suspeitas de ser usada pelas mineradoras para reembolsar parte do dinheiro gasto na reparação. Essa linha de investigação está em curso.

Na decisão divulgada ontem, o MPMG afirma que “a Fundação Renova não apresentou a solução para as irregularidades contábeis apontadas na análise feita” e não conseguiu justificar os altíssimos valores pagos aos seus funcionários.

A promotoria cita dois casos de dirigentes da Renova que receberam valores próximos ou superiores a R$ 1 milhão por ano. Além deles, a decisão destaca que o ex-presidente da Renova, Roberto Waack, denunciado por comércio ilegal de madeira na Amazônia, recebeu R$ 1,5 milhão em 2019.

Esses salários são “absurdamente desproporcionais ao rendimento médio de mercado para as respectivas profissões, o que gera perplexidade em se tratando de instituição sem fins lucrativos e com finalidade de reparar gravíssimos danos causados por suas instituidoras e mantenedoras à vida humana, à saúde, ao meio ambiente e à sociedade em geral”, diz o MPMG.

Renova não comprova que dinheiro de Vale, BHP e Samarco está sendo usado como deveria

A Renova não mostrou de forma clara e objetiva que os valores destinados por Vale, BHP e Samarco estão sendo “efetivamente utilizados na obtenção das finalidades a que são destinados”, diz o MPMG, o que mostra o descumprimento dos diversos acordos assinados pela Renova e comprova o desvio de finalidade da Fundação.

Em suma, a Fundação Renova estaria sendo usada para outras coisas que não a reparação efetiva dos danos causados pelo rompimento da barragem.

O MPMG afirma que a Renova não enviou o Livro Razão das contas relacionadas às Despesas e Receitas, que é necessário para comprovar a veracidade das informações prestadas nos demonstrativos financeiros.

Os promotores dizem ainda que a Renova não reservou valores para arcar com obrigações derivadas de ações cíveis em tramitação contra a Fundação, atualmente na casa de R$ 4,5 bilhões.

Propaganda enganosa e “relações espúrias”

A decisão cita uma recomendação conjunta do MPF, MPMG e defensorias públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo de outubro de 2020 que demostrou “grave desvio de finalidade na utilização dos recursos da Fundação”, como o uso de R$ 17,4 milhões para a “promoção publicitária enganosa e inverídica” em “contrato estranho” firmado com uma agência de publicidade.

O MPMG destaca que há atrasos na entrega e execução da maioria das obras e projetos, como a melhoria do abastecimento de água, o reassentamento das comunidades e a indenização das famílias moradoras das regiões atingidas.

Embora tenha sido utilizado 80% dos recursos destinados a esse fim, foi executada apenas “uma ínfima parte das obras”, o que demonstra “a ineficiência da Fundação no cumprimento de sua finalidade” diante dos graves danos causados, diz a decisão.

A decisão informa também sobre a existência de relações empregatícias espúrias na Fundação, já que, conforme apurado, pessoas que trabalham para as mineradoras mantenedoras migram, com altos salários, para a Renova, o que evidencia a falta de autonomia e independência da fundação para cumprir devidamente suas finalidades.

“É grave o fato de a Fundação Renova ter sido criada para funcionar como uma instância extrajudicial de acesso à justiça na reparação integral dos danos causados pelas instituidoras e mantenedoras e funcionar sem a autonomia devida e com sérios e graves desvios de finalidade”, ressaltam os promotores de Justiça Gregório Assagra de Almeida e Valma Leite da Cunha.

Regras ignoradas

Mostrei no Observatório que o próprio Estatuto da Fundação Renova prevê que Vale e BHP podem acabar com a entidade quando quiserem e pegar de volta o dinheiro que estiver no caixa, já que possuem a quantidade de assentos no Conselho Curador suficiente para isso.

A decisão afirma que a Renova “sempre teve dificuldades de gestão” até mesmo para “observar simples regras previstas em seu estatuto”, como o envio dentro do prazo de atas de reuniões de seus conselhos para análise e eventual aprovação pelo Ministério Público, incluindo reuniões que não contavam com o quórum mínimo, tendo em vista as “irregularidades na composição dos órgãos e irregularidade na convocação para as reuniões”.

Além de “reiterados atrasos na indicação de membros” e na realização de eleições para recompor a estrutura orgânica da Renova. As atas do Conselho Curador são enviadas muitas vezes depois de vários meses da realização da reunião, afirma o MPMG.

Isso tudo configura uma “flagrante violação” do Estatuto da Renova, afirmam os promotores. Em seu artigo 7º, o Estatuto diz que “no desenvolvimento de suas atividades, a Fundação observará os princípios da legalidade, transparência, razoabilidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência”.

Renova diz que não foi notificada

Procurada pela reportagem, a Fundação Renova disse que “não foi notificada da decisão do Ministério Público”. Questionada se iria se manifestar após a notificação, a Fundação se ateve à mesma resposta.

A assessoria também acrescentou que “a Fundação Renova esclarece que é uma entidade privada, sem fins lucrativos, baseada na transparência e no diálogo com a sociedade. Os processos da instituição são acompanhados e fiscalizados, permanentemente, por auditorias externas independentes. Além disso, os documentos relacionados à atuação da Fundação Renova e a prestação de contas de suas atividades são publicados em seu site”.

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