Meta de neutralidade em carbono da Vale não privilegia 98% das emissões da empresa

As emissões globais de dióxido de carbono equivalente da Vale atingiram, em 2021, 505,3 milhões de toneladas de CO2e.

O valor altíssimo e que acompanha o peso da Vale no mercado mundial de mineração, coloca a mineradora brasileira entre as maiores emissoras do planeta.

De acordo com o relatório Corporate Climate Responsibility Monitor, por exemplo, a Vale é a maior emissora entre as 25 grandes empresas analisadas de diversos setores.

O grande gargalo do problema é que 98% dessas emissões estão no chamado Escopo 3, que resultam do uso de produtos da Vale em outras indústrias, como a siderurgia e do impacto gerado em toda a cadeia de valor, incluindo fornecedores e o transporte marítimo.

A Vale tem a meta de reduzir em até 15% as emissões do escopo 3 até 2035. E reduzir em 33% as emissões de escopo 1 (combustíveis e processos) e escopo 2 (compra de eletricidade) até 2030.

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No geral, a mineradora que ser “carbono neutra” até 2050, com foco nos escopos 1 e 2, que representam apenas 2% do total geral. E essas medidas ainda dependem do uso de créditos de compensação de carbono.

A questão é que, como destaca o Climate Monitor, 98% das emissões da Vale (495 milhões de toneladas de CO2), concentradas no Escopo 3, ainda não foram afetadas pelas ações adotadas e ficam de fora dessa meta.

“Não conseguimos identificar medidas significativas para abordar as principais fontes de emissão da empresa e seu objetivo pode ser enganoso”, diz o relatório do New Climate Institute e da Carbon Market Watch.

A pegadinha está embutida já nas metas e nos jargões utilizados mundialmente. Ser “carbono neutra” pode envolver a eliminação de emissões, a compensação delas ou uma combinação das duas.

Já ser “net zero” significa não adicionar novas emissões à atmosfera e é mais difícil justamente porque representa a eliminação das emissões indiretas da cadeia de valor, o Escopo 3 que reúne 98% das emissões da Vale.

Ou seja: uma empresa poluidora pode realmente se dizer “neutra em carbono” e continuar emitindo milhões de toneladas de CO2 por ano, desde que ela consiga “compensar” essas emissões por diversas formas. Um mecanismo de mercado bastante conveniente para toda mineradora e siderúrgica.

Falta clareza nas metas da Vale

Em sua defesa, a Vale reconhece que o setor minero-siderúrgico é intensivo em emissões e responsável por cerca de 15% das emissões mundiais de carbono. No Brasil, como revelei aqui no Observatório da Mineração, o setor responde por 5% das emissões brasileiras.

A meta de reduzir em 15% as emissões do escopo 3 até 2035 (comparado a 2018) representará, segundo a Vale, uma redução de 90 milhões de toneladas de CO2 por ano.

Deste total, diz a empresa, a Vale pretende “contribuir com até 25% por meio de um portfólio de produtos de qualidade e de soluções tecnológicas”. É o caso do “briquete verde”, um aglomerado de minério de ferro que reduz as emissões da produção do aço em até 10%.

“A Vale tem realizado parcerias com seus clientes siderúrgicos em busca de soluções para descarbonização da cadeia. Até agora, foram assinados 20 memorandos de entendimento com clientes que representam aproximadamente 30% da produção mundial de aço e cerca de 40% das emissões de carbono escopo 3 da Vale.

Na navegação, já estão em testes tecnologias inovadoras em navios de grande porte (Guaibamax, capacidade de 325 mil tons), como o Rotor Sails (velas rotativas) e Air Lubrication (compressores que produzem bolhas de ar no fundo navio, reduzindo o atrito da água com o casco). Ambas reduzem consumo de combustíveis e CO2”, acrescentou a empresa.

A Vale admite, porém, que “a mineração e a siderurgia são reconhecidamente setores hard-to-abate, cuja trajetória de descarbonização é pautada pelo alto grau de incerteza nas rotas tecnológicas e alto custo de descarbonização”.

Soluções baseadas na natureza expõe fragilidade

O New Climate Institute critica a dependência de soluções baseadas na natureza para que a Vale atinja as metas divulgadas e a falta de clareza sobre pontos críticos.

“Embora as soluções baseadas na natureza precisem ser ampliadas, esses projetos são inadequados para reivindicar a neutralização de emissões inabaláveis. As remoções sequestradas em árvores ou solos apresentam alto risco de perturbação futura, o que anularia quaisquer benefícios do armazenamento de carbono”, diz o relatório.

Para os pesquisadores, a estratégia de redução de emissões da Vale carece de uma visão abrangente, o impacto das medidas propostas é nebuloso e é preciso implementar em escala algumas das soluções para uma mudança real.

A Vale reconhece, em nota, que “o uso de Soluções Baseadas na Natureza para compensar eventuais emissões residuais que não poderão ser abatidas por meio de soluções tecnológicas está condicionado aos avanços nas discussões da implementação de um mercado global de carbono, com regras previsíveis e confiáveis, a partir das discussões já iniciadas com a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, durante a COP 26, em Glasgow”.

Pesquisadores do Grupo Carta de Belém, especialista na questão, fazem duras críticas aos Artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris.

Nota divulgada em junho destaca que “os mecanismos de mercado já falharam” e que “apesar de não serem capazes de produzir reduções reais de emissões em todo o mundo”, eles “continuam sendo impulsionados como a grande aposta para descarbonizar as economias e alcançar o objetivo final da neutralidade climática”.

A consequência do instrumento 6.2, diz o texto, é que, se as florestas não funcionarem rapidamente, elas serão utilizadas para compensar as emissões líquidas zero dos países ricos.

“Na prática, isso leva ao funeral do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, e reduz as ambições reais para as Contribuições Nacionais Determinadas”, afirmam.

No caso do 6.4, “as empresas privadas, os investidores e os grandes poluidores são os vencedores” porque há vários problemas na transparência dos mecanismos de desenvolvimento limpo.

O apoio financeiro exigido seria “apenas uma plataforma para manter os negócios como de costume e financiar projetos”.

Enquanto isso, os países do chamado Sul Global têm dificuldade em implementar as suas metas porque passam por um forte processo de destruição ambiental, violação de direitos humanos e desregulamentação.

“Sem sistemas nacionais funcionais, nenhuma estrutura internacional será capaz de cumprir o que promete”, cravam os pesquisadores.

Vale alega transparência

Em resposta ao Observatório, a Vale destacou que “a estratégia de descarbonização da Vale é pública e pautada em uma política global” e que “publica há quase 20 anos, de forma voluntária, seu inventário de emissões e avanços na agenda de mudanças climáticas”.

Segundo a Vale, a companhia foi uma das primeiras a estabelecer uma meta quantitativa de redução das emissões de escopo 3, baseada nos requisitos da Science Based Targets Initiative (SBTi), “com apenas uma diferença de permitir utilização marginal de offsets para a meta de escopo 3 devido ao elevado desafio de redução de emissão em clientes siderúrgicos”.

A meta de carbono da Vale, porém, ainda não foi validada pela própria SBTi.

Entre outras iniciativas que envolve energia e redução de emissões, a Vale elencou medidas como o uso de gás natural e não de óleo em todas as suas plantas de pelotização; testes para o uso de biocarbono e com locomotivas elétricas; utilização de caminhões a bateria no Brasil e na Indonésia; redução do consumo de diesel em Carajás e utilização de carros elétricos em 5% da frota de veículos subterrâneos nas operações do Canadá.

Matéria do Observatório da Mineração publicada em julho mostrou que a Vale, sozinha, é responsável por consumir 2% de toda a energia elétrica produzida no Brasil.

A demanda de energia contratada pela Vale é equivalente à demanda de todo o estado do Espírito Santo.

Embora 54% do consumo de energia da Vale seja com geração própria, com destaque para as fontes hidrelétrica e eólica, a base de consumo da mineradora engloba 24% a diesel, 17% a carvão e 12% outros óleos, o que dá mais de 50% de consumo de fontes poluentes.

Para melhorar isso, a Vale cita que pretende colocar em implantação até o fim de 2022 o projeto “Sol do Cerrado”, que seria “a maior planta solar em construção no país”, com capacidade instalada de 766 megawatts.

Segundo a Vale, o projeto produzirá, em média, 193 megawatts de energia por ano para as operações da mineradora, o que corresponde a 13% da demanda para 2025.

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