Foto: Stephanie Keith/Greenpeace

Intimidação judicial: ações de SLAPP e lawfare para silenciar vozes críticas crescem e ameaçam agenda climática

ANÁLISE

Por Bruno Teixeira Peixoto*

Ações judiciais estratégicas usadas para intimidar e silenciar vozes críticas (SLAPP) e “lawfare” com os sistemas judiciais crescem e atrasam a agenda climática global.

Se você nunca ouviu falar, ouvirá cada vez mais este termo: SLAPP. Trata-se de sigla em inglês para “Strategic Lawsuits Against Public Participation“, para ações judiciais estratégicas usadas por pessoas, empresas, inclusive autoridades públicas ou setoriais, para intimidar e silenciar vozes críticas, especialmente aquelas que se manifestam sobre questões de interesse público.

O objetivo principal de medidas de SLAPP não é vencer o caso ou o tema, mas sim intimidar e impedir a participação pública, como nos casos de obras, projetos ou empreendimentos com significativos e controversos riscos e impactos ao meio ambiente, clima e direitos humanos.

Um exemplo de SLAPP pode ser visto quando empresa ou indivíduo com influência e recursos financeiros move um processo judicial contra um jornalista, ativista ou organização não governamental (ONG) com o objetivo de silenciá-los e impedi-los que publiquem ou divulguem informações críticas sobre suas atividade ou então acerca de riscos em produtos ou serviços a direitos ambientais, sociais e humanos.

Junto das práticas de SLAPP convive o “lawfare“. São conceitos e práticas muito próximas, mas que se diferenciam na medida em que as táticas de “lawfare” podem não ocorrer por meio apenas do Poder Judiciário ou de uma ação judicial, como nos casos de represálias e perseguições na esfera política e legislativa, em um espectro complexo de articulação.

Muito adstrito ao uso estratégico do direito, do Judiciário e das leis para perseguir ou violar adversários, subvertendo regras do Estado de Direito,o termo do neologismo ‘lawfare’ é uma contração das palavras law (Direito) e warfare (guerra), a guerra com o direito e por meio dele.

E o que ambos os termos têm a ver com a agenda climática e ambiental?

Em diversas jurisdições mundiais, ações de SLAPP têm sido intensamente utilizadas com uma tática por parte de grandes petrolíferas ou conglomerados econômicos de setores detentores de grandes impactos socioambientais e climáticos, muitas delas manifestamente com o fito de impedir o direito de protesto e de expressão de indivíduos, jornalistas, defensores ambientais, povos indígenas, grupos sociais e ONGs.

Segundo relatório “SLAPPed but not silenced: Defending human rights in the face of legal risks” publicado em 2021 pelo Business & Human Rights Resource Center, houve 355 casos legais ao redor do mundo com as características de SLAPPs desde 2015.

Acerca das estratégias de “lawfare” no campo das mudanças climáticas e meio ambiente, há exemplos com diferentes perspectivas. A nova administração Trump tem se relacionado com práticas dessa natureza, a exemplo das investidas da Casa Branca neste ano, relativas ao setor energético dos EUA, em clara reação controversas contra regulações de estados norte-americanos em matéria de transição energética e mitigação das mudanças climáticas. Tal prática se junta a guinadas radicais do atual presidente dos EUA em intervir com alterações de cargos e orçamentos para atividades de cientistas climáticos norte-americanos.

Caso emblemático nestes temas ocorreu em março desse ano. O Greenpeace foi condenado pela Justiça dos EUA a pagar mais de US$ 660 milhões a operadora de oleoduto, por ter supostamente orquestrado campanha de violência e difamação durante a construção do empreendimento, indenização que, segundo a própria entidade, pode extinguir e obstar completamente a sua atuação. A organização ambientalista anunciou que irá recorrer da decisão. Não apenas quanto às questões que envolvem direito civis e individuais de protesto, manifestação, expressão e reunião, o fato é que, no mesmo sentido em que a litigância climática avança no mundo para cobrar ambição de ações de Estados e empresas, cresce também o chamado “backlash” ou retaliação e resposta dos atores públicos e privados em sentido contrário e com artifícios e poderes nada democráticos em total assimetria de forças.

Segundo o relatório recente “Global trends in climate change litigation: 2025 snapshot“, publicado pelo Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, em 2024 houve diversos casos de litígios climáticos como reação mais ampla e crescente contra iniciativas ambientais, sociais e de governança (ESG) e de leis de pautas climáticas, particularmente nos EUA. Esses casos estão desafiando a legitimidade de políticas e práticas focadas clima e sustentabilidade, sejam de atores privados ou reguladores governamentais.

Estes casos se juntam a litígios de SLAPP, como o ocorrido com o Greenpeace, incluindo ainda caso com a petrolífera ExxonMobil, que ajuizou ação no Tribunal do Quinto Circuito em Dallas, Texas/EUA, processando dois acionistas, a Arjuna Capital e a holandesa FollowThis, que “ousaram” apresentar uma proposta solicitando que a empresa fizesse mais para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) para ajudar a combater a crescente crise climática.

No Brasil, o cenário não é diferente em casos neste assunto. Um episódio recente ocorreu com a mineradora Sigma Lithium, empresa sediada no Canadá, e sua notificação ao Observatório da Mineração em 30 de abril deste ano, após um pedido de posicionamento do veículo sobre uma nota técnica produzida por pesquisadores de universidades brasileiras e da Inglaterra. O caso foi levado para verificação por autoridades públicas como o MPF, MPMG e DPU, além de ter repercutido em entidades e órgãos de defesa de direitos humanos, pesquisa e comunicação internacionais.

Trata-se de contexto litigioso, estratégico e de exposição a abusos contra o rule of law e ataques aativistas do clima, defensores ambientais e de direitos humanos, causando graves prejuízos à agenda climática global e regional. Há movimentos de resposta. Um deles veio pela União Europeia e a Diretiva nº 1.069/2024, publicada com o escopo em definir regras de proteção das pessoas que participam em iniciativas públicas contra reclamações manifestamente infundadas ou processos judiciais abusivos e de perseguição(SLAPP).

Conforme a Diretiva europeia, os processos judiciais abusivos contra a participação pública “SLAPP” foram definidos como processos judiciais que não são instaurados para genuinamente fazer valer ou exercer um direito, mas sim com o objetivo principal de impedir, restringir ou de penalizar a participação pública, frequentemente explorando um desequilíbrio de poder entre as partes, e que perseguem reivindicações infundadas. A normativa passou a prever medidas e salvaguardas processuais e de segurança a pessoas e grupos sociais envolvidos ou perseguidos por intermédio dessas práticas no judiciário.

No contexto do Brasil, importante instrumento é o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe de Escazú ou “Acordo de Escazú“. Refere-se a um tratado ambiental internacional assinado pelo Estado brasileiro e que visa garantir o acesso à informação, a participação pública e o acesso à justiça em questões ambientais na América Latina e no Caribe. Ele também inclui disposições para a proteção de defensores do meio ambiente.

A medida foi enviada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo Federal em maio 2023 e ainda permanece sem avanços, impedindo que no Brasil sejam empregadas respostas estruturais do Estado para contenção de centenas de violências e assassinatos de líderes, grupos e defensores ambientais e de direitos humanos.

Há em vigor o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas – PPDDH, previsto pelo Decreto nº 9.937/2019, atualizado pelo Decreto nº 11.867/2023, fundamental para se avançar no tema no Brasil, mas que exige uma articulação sistêmica de autoridades públicas em todos os níveis federativos no país.

Em tempos de SLAPPs, Lawfares e litigâncias estruturais estratégicas, “pró e contra” a ambição climática, socioambiental e de direitos humanos, a sociedade, grupos sociais vulneráveis, ativistas e defensores climáticos e ambientais necessitam ser especialmente considerados neste contexto em que a regra parece ser a subversão do Estado de Direito e da Justiça.

*Bruno Peixoto é advogado e sócio das áreas Ambiental, Litigância Climática e Integridade Corporativa & ESG, do Cabanellos Advocacia. Doutorando em Direito Ambiental na FD-USP. Mestre em Direito Ambiental (UFSC). Especialista em Compliance e Governança ESG. Autor da obra “Compliance no Direito Ambiental: licenciamento, ESG e regulação”, da Editora Fórum. Professor convidado de Direito Ambiental e de Avaliação de Impactos Socioambientais nos cursos de MBA ESG da FGV Educação Executiva. É assessor jurídico do Observatório da Mineração.


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