1.197 dias depois do que era até então o maior crime socioambiental da história do país, que matou 19 pessoas e engoliu por 700 quilômetros toda a bacia hidrográfica do Rio Doce até o Oceano Atlântico, a vida tem sido generosa para Murilo Ferreira, presidente da Vale durante o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, em 2015.
Enquanto a ação civil pública do MPF que pede R$ 155 bilhões em reparação foi suspensa até agosto de 2020 e a ação criminal segue sem prazo para ser julgada, Ferreira embolsou R$ 60 milhões de reais somente no seu desligamento em 2017.
Multimilionário e fora da cadeia, Ferreira, que tem responsabilidade direta pelo crime de Brumadinho, já que foi quem encabeçou todas as ações da empresa pós-Mariana, assumiu a diretoria da gestora canadense Brookfield. Enquanto brinca de administrar um fundo de investimentos com mais de 330 bilhões de dólares, as famílias que esperam o resgate dos funcionários assassinados pela Vale não tem a mesma sorte.
Ferreira se esquivou de responder diretamente por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) e outros 12 crimes ambientais ao lado de 21 réus, entre eles Ricardo Vescovi, presidente da Samarco na época do rompimento da barragem e que hoje é assessor da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo. A Vale, no entanto, é ré na ação, ao lado da Samarco e BHP. Até hoje as empresas tentam se livrar de ações judiciais no Brasil e no Reino Unido em função do crime. A última tática foi tentar subornar prefeitos de cidades atingidas. Desde Mariana, a Vale acumula R$ 390 milhões em multas não pagas. Pescadores atingidos lutam para sobreviver por não receberem indenização.
Murilo Ferreira ficou por 6 anos na presidência da Vale, de 2011 a 2017 e chegou a acumular os cargos de presidente da mineradora e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás de abril até novembro de 2015, abandonando o posto na petrolífera assim que a barragem se rompeu. Durante seus mais de 30 anos no setor de mineração, Ferreira foi diretor da Vale Alumínio e da Vale Inco, no Canadá, de 1998 a 2008. Passou também por Alunorte (que foi pega despejando rejeitos em rios de Barcarena, no Pará, em 2017), Usiminas, Mineração Rio do Norte e outras.
Além da bolada que Ferreira recebeu, a remuneração média anual dos diretores da Vale foi de R$ 12,4 milhões em 2017, mais que o dobro da registrada em 2016, de R$ 5,2 milhões. A divulgação detalhada dos valores encerrou uma longa disputada da empresa com a CVM – Comissão de Valores Mobiliários. Com isso, Ferreira entregou o cargo cumprindo sua promessa de, após “uma série de ajustes na operação”, com redução de custos, desinvestimentos e vendas de ativos, tornar a Vale ”uma das maiores pagadoras de dividendos do país”. A Vale lucrou R$ 13,3 bilhões em 2016 e R$ 17,6 bilhões em 2017. Com isso, os acionistas levaram em dividendos R$ 7,7 bilhões em 2018 e R$ 4,7 bilhões em 2017.
Dona da Samarco em parceria com a BHP Billiton, as duas maiores mineradoras do mundo, a Vale durante a gestão de Ferreira tentou se desvencilhar sistematicamente da responsabilidade pelo rompimento da barragem em Mariana, se colocando como “mera acionista”. Um relatório da Polícia Federal mostrou que a cúpula de diretores da Samarco, que tem o dever de comunicar ao alto escalão da Vale, sabia muito bem sobre o risco iminente de rompimento da barragem.
Em maio de 2017, Ferreira entregou o bastão para Fabio Schvartsman, ex-presidente da gigante de celulose Klabin, que chegou a anunciar o lema de “Mariana Nunca Mais” para a política de segurança da empresa e afirmou que as condições das barragens da Vale eram “impecáveis” antes do rompimento em Brumadinho. Hoje, outras 8 barragens críticas da empresa estão em risco iminente de rompimento. Há vários projetos, porém, que carecem de estudo detalhado sobre o risco que oferecem em função de licenciamentos apressados e o lobby permanente da Vale frente os órgãos de controle e fiscalização.
Pressionada pela magnitude dos fatos, a Vale suspendeu também o pagamento de bônus aos executivos. Em dezembro, a empresa tinha estimado em US$ 4 bilhões (cerca de R$ 15 bilhões) a média anual da remuneração mínima aos acionistas para o período entre 2019 a 2021. Enquanto isso, atingidos tanto de Mariana, que já completaram “aniversário” de 3 anos e 3 meses do rompimento da barragem quanto de Brumadinho, esperam reparação.
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