Governador Valadares (MG): a lama da morte levou

Por Wagner Araújo

O DOCE DO RIO DOCE,
A LAMA DA MORTE LEVOU.

Ainda não passou e ninguém sabe quando desaguará essa dor.

A tragédia anunciada do rompimento da barragem de Mariana ficou cravada nas Gerais de Minas e no Vale do Rio Doce, agora transfigurado num imenso vale de lama tóxica, impregnada em seu leito, em suas águas, em sua vida, na memória e no coração dos 3 milhões de pessoas que vivem em suas margens.

Lentas e silenciosas suas águas continuam caudalosas, vermelhas e, mesmo depois de algumas chuvas, não correm mais: se arrastam sinistras e tristes, sangrando e morbidamente anunciam o pavor até mesmo na barra do mar, onde já não tinha mais foz, aonde chegava agonizando.
Agora, atingido e morto espalha o temor até o parque nacional de Abrolhos.
Agora, tingido de vermelho percorre 800 Km matando tudo a sua frente, peixes, sonhos e gente.

Agora, atinge nossa alma que busca respostas nos céus e na ciência dos homens ainda velada. O que escondem esses pobres homens? Por que não ‘abrolhos’ diante deste perigo?

Será que tudo acontece só para darmos valor à vida, vermos a graça da natureza, da beleza do rio? A grandeza da água doada de graça? Para corrigirmos a rota da nossa conduta egoísta de exploradores, de consumistas, de corruptos e hipócritas?
Nasci neste rio, aqui vivi numa ilha até os 15 anos. Bebi, nadei, pesquei, sonhei e naveguei com canoa e catuá por suas verdes, transparente e doces águas. Hoje choro.
Levaram os índios Botocudos, Aymorés, Krenak…depois a madeira, depois as árvores.
Meu pai dizia: “Os coronéis não deixam nem uma árvore pro vaqueiro não parar na sombra”. Levaram a sombra, trouxeram o gado… O que era mata atlântica e clima tropical virou deserto semi-árido! Pobre homem! Não sabia e nós ainda não sabemos o que estamos fazendo. Agora, levaram a água que dava vida a toda vida deste meu vale.

O que mais assombra nesta lama em seu leito?
O que quer esta lama de gente sem jeito?
O que faz essa lama no meu peito?

Já matou toda a fauna e ainda não sabemos sua composição química, só sabemos que é mortífera, pois sua primeira onda matou todos, todos os peixes do rio. Mercúrio, Cromo, Manganês, Ferro, Alumínio, Arsênio, Antimônio, Bário, Chumbo, Cobre, Níquel, Zinco até Urânio. Dizem a meia boca os laboratórios independentes, abafados e calados… será verdade? Aqui ninguém sabe de nada, feito cegos nadamos no escuro, falta claridade, falta transparência na água e nas respostas. Estamos abandonados, milhões de pessoas sem saber o que passa e se passa. Feito peixes fogem da lama do descaso. Muito triste, cegos guiando cegos.

Já se passaram mais de 30 dias do rompimento da barragem em Mariana e os venenos da desinformação são bebidos pela população, ignorantes e desorientados pelo gesto (suicida ?) da líder municipal que bebeu um copo da água ‘tratada’ e duvidosa diante das câmeras. Meu Deus, foi só desespero? Ou a estupidez humana se precipita novamente na guia deste povo marcado? Imaginem o caos, 280 mil pessoas sem respostas claras a respeito da água de sua cidade, se é potável ou não?

Milhares de pessoas, idosos, crianças, grávidas e aleijados fazem filas o dia inteiro no sol escaldante e até debaixo de chuva para não beber da água que a líder disse que bebeu. A distribuição de água mineral evidencia o clima de guerra, estamos no Haiti? Na África?

A outra lama deste país, talvez a pior, é esta falta de confiança nas pessoas que estão no lugar de autoridade. A presidenta demorou 7 dias para visitar o local da tragédia, chegando fez o gesto também precipitado de quantificar em 250 milhões a multa a Samarco (Vale e BHP Billiton). Pobre, ela não sabe o valor de quase nada, é uma indiferença, uma insensibilidade terrível que continua decepcionando o povo indignado.

O Rio Doce morreu asfixiado em plena piracema. Matrizes com mais de 30 anos de idade a lama levou. Agora os pescadores se debatem – só da Colônia Z19 na região de GV são mais de 550 que perderam seu único ofício. Se pegavam um peixe na piracema eram presos. E para quem matou todos, qual é a pena? Não vale quanto pesa, só vale o quanto se paga neste país?

Estamos confusos e preocupados, muita suposição e perigos circulam nosso imaginário, uns dormem outros não, uns correm mudando da cidade outros não sabem a quem recorrer.
O caos ecológico, social, político e ético predomina. Por tudo isso precisamos da presença constante da imprensa – isenta, para nossa defesa civil !

Ninguém sabe o tamanho da calamidade, mas ela não aconteceu, ela está acontecendo! Piedade e horror se misturam aos sentimentos de medo, temor e desolação.
O Vale não é mais do Rio Doce, pois se transbordou num Vale de lágrimas.

Veja o álbum de fotos no Facebook
Local distribuição de água – Bairro Figueira do Rio Doce dia 21/11/2015
Pescadores da Colônia Z19 –
Pedras, margem e peixes mortos próximo a Ilha dos Araújos em GV.


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