Extração de minerais críticos gera violações de direitos humanos e ações judiciais que colocam em risco a transição energética

De 2011 a 2024, povos indígenas e outras comunidades registraram 60 ações judiciais contra empresas de extração de minerais de transição e de energia renovável por abusos de direitos humanos. Destas, quatro ocorreram no Brasil.

Os dados foram reunidos e apresentados no relatório “A transição injusta no banco dos réus: comunidades e trabalhadores litigam para influenciar a prática das empresas”, publicado em julho pelo Business & Human Rights Resource Centre (BHRRC).

Segundo o levantamento, que usou uma ferramenta de rastreamento, mais de 70% das ações foram ajuizadas de 2018 para cá, indicando um aumento nesse tipo de litígio à medida que a transição energética ganhou espaço, sendo que 66% das ações estão concentradas em minerais críticos.

“Os casos foram identificados por meio de pesquisa documental. Analisamos materiais disponíveis publicamente em nosso site, como artigos de notícias de veículos de mídia locais e internacionais, relatórios da sociedade civil, nosso banco de dados de perfis de processos, o ‘Transition Minerals Tracker‘, o ‘Renewable Energy Benchmark’ e consultamos parceiros”, explicou a coordenadora do relatório e pesquisadora jurídica do BHRRC, Elodie Aba ao Observatório da Mineração.

As denúncias foram divididas em quatro setores: mineração (40), energia eólica (9), energia solar (2), e projetos de hidrelétricas e barragens (9).

Foto de destaque: Babawale, Friends of the Earth International

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América Latina lidera denúncias

A maioria das ações foi ajuizada na América Latina (35), seguida pela América do Norte (9) e as demais foram registradas entre África, Ásia-Pacífico, Europa e Caribe (16).

“O maior número de casos que identificamos em nossa pesquisa foi iniciado na América Latina porque há muitos projetos de transição sendo realizados na região. Esta região também abriga algumas das mais ferozes resistências comunitárias a abusos de direitos humanos associados à mineração de minerais de transição, em particular, e os casos são relatados em domínio público”, explicou Aba.

Os países da América Latina com processos são: Chile (9), Equador (5), Argentina (4), Brasil (4), México (4), Guatemala (3), Peru (3), Colômbia (1), Honduras (1) e Panamá (1).

“Estamos cientes de que há outros casos por aí e não afirmamos que nossa ferramenta de rastreamento é exaustiva”, ressaltou a pesquisadora. Segundo ela, o BHRRC continuará monitorando as decisões à medida que forem proferidas para incluí-las à ferramenta, registrando a evolução global dessa tendência.

Ações no Brasil

As quatros ações registradas no Brasil ocorreram no estado do Pará, sendo três contra a multinacional Norsk Hydro e uma contra a Vale – todas no setor de mineração.

A empresa norueguesa recebeu duas denúncias pela Mineração Paragominas e uma pela Hydro Alunorte. Esta última, com um processo transnacional, na Holanda. Em maio deste ano, a Justiça do país europeu disse que iria julgar a mineradora pelos impactos ambientais decorrentes de vazamentos de bauxita, ocorrido em 2018.

“Vários motivos podem levar às comunidades afetadas a litigar seus casos em outro país que não aquele onde o abuso ocorreu, como a confiança em seu sistema judicial doméstico e a influência do setor privado no governo”, ponderou Aba.

Já a Paragominasfoi denunciada por quilombolas e indígenas de 26 comunidades do Pará que são diretamente impactados pelo mineroduto mantido pela Hydro. Eles apontam uma série de irregularidades que ocorrem no local há mais de duas décadas, sendo que a última denúncia foi registrada em outubro do ano passado.

A ação contra a Vale ocorreu por danos causados na mina de Onça Puma aos indígenas Xikrin e Kayapó e ao meio ambiente. A mineradora chegou a ser condenada e teras atividades suspensas em mais de uma oportunidade, inclusive no primeiro semestre de 2024.

O Observatório da Mineração pediu posicionamentos da Norsk Hydro e da Vale por e-mail. Em posicionamento disponível em seu site, atualizado periodicamente e encaminhado ao Observatório, a Vale afirma que “em relação às alegações de contaminação do rio Cateté, bem como de problemas de saúde causados ​​pelos impactos da operação da Mina Onça Puma, está evidenciado em laudos elaborados por peritos judiciais vinculados à Vara Federal Cível e Criminal de Redenção, que o referido empreendimento não é fonte de contaminação do mencionado curso d’água e emprega controles eficientes de monitoramento ambiental. A análise das questões científicas estudadas demonstrou a ausência de nexo de casualidade entre a operação de mineração de Onça Puma e a suposta contaminação do rio Cateté. Com relação ao Povo Xikrin do Cateté, a assinatura do acordo no âmbito da ACP de Onça Puma, que discute a questão ambiental do Cateté e demais questões socioeconômicas relacionadas a este empreendimento, ao Salobo, ao S11D, Ferro Carajás e ao Projeto Alemão, encerrou quase a totalidade das controvérsias judiciais”.

A Hydro não retornou até a publicação desta matéria. Caso o faça, seu posicionamento será incluído.

Protesto de indígenas Xikrin contra a Vale no Pará. Crédito: Inhobikwa

Povos Indígenas concentram mais de 50% das ações

O relatório mostra que mais de 50% das ações estão relacionadas a abusos dos direitos de Povos Indígenas e o desrespeito ao direito de Consulta Livre, Prévia e Informada, como estabelecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em lei pelo Brasil. Os casos se concentram principalmente na América Latina, mas também nos Estados Unidos, Noruega, Quênia e em Taiwan.

As ações movidas por eles são consequência de uma mobilização maior por parte das comunidades. Neste ano, 87 representantes de Povos Indígenas de 35 países se reuniram para redigir uma declaração estabelecendo princípios fundamentais.

Nela, eles “reconhecem e apoiam a necessidade de acabar com a dependência em relação aos combustíveis fósseis e mudar para energias renováveis ​​como fundamental no enfrentamento da crise climática”, mas também “defendem uma transição energética que garanta os direitos humanos, a equidade social, a integridade cultural, a inclusão e a participação plena e eficaz, e a prosperidade compartilhada dos Povos Indígenas”.

A maior parte das ações buscou interromper totalmente ou temporariamente as atividades das empresas, especialmente nos casos de desrespeito à Convenção 169, o que gera um entrave adicional para a transição e deveria mudar a forma de atuação das companhias desde a origem para evitar danos e transtornos futuros.

Segundo o relatório, “as comunidades estão começando a exigir mais do desenvolvimento de projetos de transição energética que sejam localizados em suas terras e tenham impacto em suas vidas, por meio de acordos de compartilhamento de benefícios que lhes deem poder de decisão, benefícios e ganhos financeiros”.

Abusos ambientais e poluição da água ou problemas relacionados ao acesso à água aparecem em cerca de 80% das ações movidas contra empresas ou Estados. “A prevalência desse tipo de ação deveria servir de alerta para empresas e investidores, não só porque representa uma ameaça ao objetivo de uma transição energética justa, mas também porque esses costumam ser os problemas ignorados com frequência à medida que os processos de licenciamento são acelerados em todo o mundo”, afirma o relatório.

Ilegalidades atrasam e colocam em risco a transição energética

O relatório revela que as empresas acusadas de violar os direitos dos povos indígenas, das comunidades e dos trabalhadores ao longo da cadeia de valor das energias renováveis enfrentam atrasos dispendiosos, danos à reputação e consequências jurídicas, tais como multas, indenizações e fundos de reserva para danos.

“Para além dos atrasos nos projetos e das implicações para o retorno pago aos acionistas, esses desfechos judiciais podem representar uma ameaça à velocidade da transição como um todo, à medida que as ações se acumulam”, ressalta o relatório do BHRRC.

O relatório destaca que os avanços em matéria de devida diligência obrigatória em todo o mundo estão exigindo que as empresas se apressem para fazer mais com relação a direitos ambientais e humanos, enquanto regulamentações setoriais que priorizam os direitos das comunidades de linha da frente na transição também estão se consolidando em diversos países, o que deveria ser levado em conta pelos executivos.

Entre as recomendações feitas pelo BHRRC consta a necessidade de as empresas garantirem que o envolvimento e as consultas de boa-fé com as partes afetadas contribuam para cada etapa do processo de devida diligência em direitos humanos, começando na fase mais inicial possível do projeto e que os Povos Indígenas possam definir a forma como a sua consulta livre prévia e informada será realizada.

Para Aba, qualquer transição energética justa será aquela que centraliza diretamente o comprometimento do setor privado com a prosperidade compartilhada, negociações e um dever de cuidado com os direitos humanos e ambientais daqueles diretamente impactados pela mudança.

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