O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) segue concedendo empréstimos com valores significativos para grandes conglomerados empresariais. Desta vez, foram financiados R$ 3,7 bilhões do Fundo da Marinha Mercante (FMM), vinculado ao Ministério de Portos e Aeroportos, para uma empresa criada há apenas 18 meses, a LHG Logística.
A agraciada opera como braço direto da xará LHG Mining, que até junho se chamava J&F Mineração. Esta, por sua vez, foi criada em março de 2022, a partir da compra da Mineração Corumbaense Reunida, que era de propriedade da Vale em Mato Grosso do Sul, especializada em minério de ferro de alto teor e minério de manganês. O negócio girou em torno de $ 1,2 bilhão de dólares.
A LHG é uma das dezenas de empresas que integram a holding J&F Investimentos, pertencente ao clã familiar de José Batista Sobrinho e seus filhos José Batista Júnior, Wesley e Joesley. Os dois últimos, investigados no âmbito da Operação Lava-Jato em 2017, retornaram ao conselho da JBS, empresa de proteína animal e a mais conhecida do império Batista, em março deste ano.
A movimentação vai ao encontro de uma relação estreita com os poderes Executivo e Judiciário, onde os irmãos obtiveram uma série de benesses e vitórias nos últimos meses. Para se ter uma ideia do poder da família, somente Wesley está vinculado a mais de 60 empresas, seja como presidente, sócio, administrador, diretor e/ou representante legal.
“No período do segundo governo Lula, o projeto era fazer os campeões multinacionais. A JBS foi uma campeã multinacional que foi escolhida a partir das articulações políticas, dentro do governo e em capitais regionais”, destacou Luis Fernando Novoa Garzon, doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). “Isso demonstra bem os limites que qualquer governo progressista vai enfrentar diante de uma estrutura de poder neoextrativista e financeirizada, que nós temos no Brasil. É um bloco muito coeso, que dá pouca margem para um governo de plantão”, completou Novoa, fazendo uma avaliação ampla das atividades do grupo.
É justamente essa estrutura que une o novo setor de mineração do grupo com o de pecuária, proteína animal e agronegócio, eixo mais antigo de atuação da J&F, como explica Ana Flávia Lima, doutora e pesquisadora do setor de mineração na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“As políticas macroeconômicas neoliberais adotadas por todos os governos desde a redemocratização (juros altos, câmbio apreciado) favorecem o setor agro/minero/exportador. As grandes empresas do agro e da mineração começaram a ficar gigantescas e a atrair investimentos financeiros tanto internos quanto externos. Então hoje no Brasil, se as gigantes do setor agropecuário e de mineração vão bem, o mercado de capitais também vai bem. Isso eleva sobremaneira o poder político que essas empresas exercem sobre o Estado”, ponderou.
Ao comprar a Mineração Corumbaense Reunida (MCR) da Vale, o clã dos Batista passou a operar as minas de Santa Cruz e Urucum, nas cidades de Corumbá e Ladário, ambas em Mato Grosso do Sul.
As empresas do grupo J&F costumam compartilhar executivos que ocupam cargos diversos em cada frente, como André Alcantara Ocampos, que era presidente da MCR, também é diretor da J&F Investimentos e membro suplente do conselho fiscal da JBS. Já o administrador da LHG Mining é Aguinaldo Gomes Ramos Filho, sobrinho dos irmãos Wesley e Joesley e presidente da holding J&F Investimentos desde 2021, entre outros cargos.
Conforme a estrutura organizacional, a LHG Mining controla 100% de outras oito empresas nos setores de mineração, logística e operações portuárias – espalhadas por sete países, são eles: Áustria, Brasil, China, Holanda, Panamá, Paraguai e Uruguai. No total, a holding J&F planeja investir R$ 38,5 bilhões no Brasil até 2026, sendo R$ 5,5 bilhões para a expansão das operações e da logística da LHG Mining.
Foto de destaque: Operação de embarque no porto Gregório Curvo – divulgação LHG Mining
Empréstimo para a LHG Logística representa 31% de fundo
Os R$ 3,7 bilhões destinados pelo BNDES à LHG Logística representam 31% dos R$ 11,97 bilhões liberados em setembro pelo Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante (CDFMM), enquanto outras 31 empresas vão dividir os 69% restantes.
Segundo o banco, o recurso será utilizado na construção de 400 balsas e 15 empurradores destinados ao transporte hidroviário de minérios de ferro e manganês pelos rios Paraná e Paraguai, com foco em estaleiros das regiões Norte e Nordeste. O negócio foi celebrado como um marco competitivo frente a países como a China, climático em seu viés de “descarbonização”, capaz de “adicionar R$ 4 bilhões às exportações brasileiras” e gerar milhares de empregos.
“O projeto possibilita um aumento da capacidade do transporte de minérios por meio de um modal eficiente e de baixa emissão relativa de gases do efeito estufa. Além disso, a logística eficiente para o escoamento é fundamental para manter os custos competitivos e garantir a entrega em grandes volumes”, afirmou Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES.
Há análises distintas sobre as formas de atuação do BNDES e as mudanças de prioridades pelas quais o banco passou nos últimos anos, de acordo com os especialistas ouvidos pelo Observatório.
“Acho que há muito desconhecimento sobre o que é um banco de desenvolvimento. Até o nome banco acho que atrapalha porque banco tem que ter lucro, dar empréstimo e ter o retorno dele. O BNDES trabalha muito mais como uma agência de fomento, com ênfase em desenvolvimento”, disse André Portella, doutor em Direito Financeiro e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Salvador (Unifacs).
Já Luis Novoa Garzon, da UNIR, relembrou que a instituição está em processo de descapitalização há alguns anos, limitando a sua atuação. “O que ele pode fazer ativamente é financiar privatização, que é o modelo que o Temer encaixou o BNDES e o Bolsonaro manteve. O Aloizio (Mercadante, presidente do BNDES) assume e não pode mexer muito nesta trajetória. Ele abre para o futuro, questões climáticas e ambientais porque não fere nada e acrescenta”, declarou.
LHG Mining afirma estar comprometida com a sustentabilidade
O Observatório da Mineração pediu um posicionamento do grupo J&F sobre as operações das empresas de logística e mineração. A resposta foi o envio do link da publicação do relatório de sustentabilidade da empresa.
No relatório, a mineradora afirma que mais do que dobrou a produção de 2022 para 2023, atingindo 8,1 milhões de toneladas/ano com faturamento de R$ 3,3 bilhões. A expectativa para este ano é chegar já a 14 milhões de toneladas/ano. No médio prazo, a projeção da empresa é aumentar exponencialmente esse número, chegando a 50 milhões de toneladas/ano. O principal destino da produção da LHG são países da Ásia, a Argentina e o mercado interno brasileiro.
O texto afirma que a sustentabilidade é um dos “pilares fundamentais” do negócio da LHG Mining, que teria o compromisso de implantar filtragem de rejeitos para “eliminar a necessidade de barragem” e que a empresa opera com uma taxa de recirculação de água de 65%, com a expectativa de chegar a 90% de recirculação em 2024. Além disso, a mineradora quer fazer todo o processamento do minério a seco, sendo que atualmente a água é utilizada na lavagem de 20% da produção.
A principal barragem herdada da MCR pela LHG é a Gregório, com capacidade para 9,3 milhões de metros cúbicos de rejeitos (atualmente com 5,1 milhões armazenados), 34,8 metros de altura atual e dano potencial associado alto, com pessoas vivendo nas imediações da barragem e impacto ambiental e socioeconômico alto em caso de rompimento, de acordo com dados da Agência Nacional de Mineração. O método de construção da barragem, porém, foi por linha de centro, mais seguro que o método a montante usado em Mariana e Brumadinho, os dois maiores rompimentos registrados pelo Brasil.
Operações do BNDES com a JBS no passado causaram polêmica
Operações do BNDES com outra empresa do grupo J&F, a já citada JBS, causaram polêmica no passado. O Tribunal de Contas da União chegou a julgar, em abril deste ano, três processos envolvendo operações de crédito e de mercado de capitais entre 2005 e 2014 feitas pelo BNDES com a JBS que permitiram à JBS comprar a Swift, a Bertin e ainda adquirir ações da Pilgrim’s.
No fim, por maioria, o TCU decidiu que as operações não causaram dano e não envolveu atos irregulares. As operações, pelo contrário, teriam gerado resultado positivo de R$ 16,5 bilhões para o BNDES.
No total, o Grupo J&F – que inclui as empresas JBS e Eldorado Celulose, entre outras – recebeu, apenas no período entre 2003 e 2017, desembolsos do BNDES no valor total de R$ 17,6 bilhões, equivalente a R$ 31,2 bilhões em valores atualizados, ficando atrás de Petrobrás, Embraer, grupo Odebrecht e Oi.
O BNDES mantém participação acionária na JBS e pode fazer nova oferta ao mercado em breve.