Por Daniel Marques Vieira e Claudia de Jesus*
Investigação exclusiva feita pelo Observatório da Mineração revela a extensão do poder político do dinheiro do garimpo e da mineração na bacia do rio Tapajós, sudoeste do Pará.
Em 2020, foram mais de R$ 400 mil doados por empresários do setor mineral para prefeitos e vereadores que disputaram cargos nas cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso.
Ao se cruzar os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os registros de CNPJs da Receita Federal e a lista de empresas que pagam impostos à União sobre a exploração mineral (CFEM), foi possível rastrear os sócios diretos de empresas mineradoras que doaram para candidatos nessas três cidades nas eleições municipais de 2020.
Em comparação, ainda que o prefeito eleito na capital do estado, Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), tenha recebido uma doação milionária do próprio partido, a maior doação de pessoa física à campanha do belenense em 2020 foi de R$ 25 mil.
Entre os cinco maiores doadores das eleições municipais de 2020 na Província Mineral do Tapajós, três são diretamente ligados a grandes empresas de mineração. A região, devastada pela atividade criminosa, é considerada o centro do garimpo ilegal no Brasil, que movimenta bilhões de reais por ano. Mais de 80% do ouro ilegal explorado no país, por exemplo, vem de Itaituba.
A relação de interesses entre prefeituras e mineradoras se dá por dois motivos. O primeiro é que, enquanto o licenciamento mineral é feito pelo governo federal, são os governos municipais os responsáveis pela liberação das licenças ambientais, na maioria dos casos. Além disso, a atividade de mineração se reverte em ganhos para o município.
O principal imposto sobre a exploração mineral, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), conhecido como “royalty da mineração”, fica em grande parte para os municípios. Enquanto a União fica com 12% da receita e os estados ficam com 23%, o governo da cidade onde foi feita a extração recebe 65% do tributo.
A atividade de mineração em Itaituba, Novo Progresso e Jacareacanga resultou na arrecadação de R$ 72 milhões em 2021, de acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). Portanto, juntos, os municípios receberam cerca de R$ 47 milhões.
“Nei Garimpeiro”, ex-sócio de Mauro Mendes, governador do Mato Grosso, lidera o ranking
O primeiro colocado no ranking de doações em campanhas eleitorais na região é Valdinei Mauro de Souza, o “Nei Garimpeiro”, que, entre diversos outros empreendimentos, é sócio da holding Fomentas Participações, controladora das mineradoras Salinas Gold e Mineração do Pará. Valdinei é ex-sócio do governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), na Maney Participações, holding que chegou a controlar outras três empresas mineradoras de ouro.
Nas bases de dados do TSE o CPF de Valdinei aparece como origem da nona maior doação eleitoral do estado do Pará (excetuados os repasses dos partidos políticos) e a primeira entre todas as doações da região aurífera do Tapajós.
Foi com a ajuda dos R$ 200 mil do Nei Garimpeiro que, em 2020, Valmir Clímaco de Aguiar (MDB) foi reeleito prefeito de Itaituba, conhecida como “cidade-pepita”, o mais importante município da província.
Outra investigação do Observatório da Mineração mostrou que Climaco, que assumidamente atua na mineração e tem longo histórico de negócios controversos, é um caso raro de político: seu patrimônio oficialmente diminuiu mais de 40%. Mas dados levantados pela reportagem revelam que o prefeito de Itaituba pode estar ocultando bens da justiça eleitoral.
O valor doado por Nei Garimpeiro a Valmir Climaco é mais que o dobro do que os R$ 70 mil que o próprio partido de Valmir Climaco apostou na reeleição do político, e quatro vezes os R$ 25 mil que o prefeito investiu na própria candidatura.
Também é mais do que o município de Itaituba planeja gastar em 2022 em Defesa Civil (R$ 155 mil) e Segurança Pública (R$ 105 mil). As comparações têm como base os recursos aprovados na Lei Orçamentária Anual.
O investimento é estratégico: o milionário do ramo da mineração de ouro tem grande interesse no município de Itaituba. Desde 2009, Nei Garimpeiro já apresentou 27 pedidos à Agência Nacional de Mineração (ANM) para pesquisar ou explorar jazidas de ouro no município.
Questionado pela reportagem, Nei Garimpeiro negou que a doação seria uma forma de garantir o apoio do prefeito aos projetos de mineração. “Tenho até uma licença ambiental naquela região, mas foi liberada em Belém, então não dependeu de Valmir Climaco”, disse.
Nei Garimpeiro é figura com projeção nacional. De acordo com reportagem da revista Crusoé, quando o ex-presidente Michel Temer saiu da prisão, em 2019, ele voltou para São Paulo em uma aeronave registrada em nome de uma empresa de Valdinei. Os advogados do garimpeiro disseram à revista que o avião havia sido vendido para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), mas o registro ainda estava em processo de transferência.
Outros três nomes ligados à mineração doaram valores menores, de no máximo 5 mil, para candidatos em Itaituba.
Dirceu Frederico Sobrinho, mega empresário do ouro, é o campeão de doações em Novo Progresso
O mesmo padrão da política sustentada pelo garimpo se repete na prefeitura de Novo Progresso, cidade a cerca de 300 km ao sul de Itaituba. Lá, duas empresas extratoras de minério exercem pressão sobre a política.
Entre os quatro candidatos que disputaram a prefeitura em 2020, o que mais recebeu doações para fazer campanha foi o então prefeito, Ubiraci Soares Silva (PL), o “Macarrão”, que perdeu a reeleição.
Apesar da derrota, Ubiraci foi o candidato que mais brilhou aos olhos das mineradoras, devido à proposta de “fortalecimento do setor minerário no município”. Recebeu R$ 90 mil de Dirceu Frederico Sobrinho, mais um garimpeiro que se tornou milionário nas minas da região do Tapajós.
Dono da FD Gold e de outras empresas no ramo da mineração, Dirceu é acusado pelo Ministério Público Federal de despejar no mercado nacional e internacional, via FD Gold, 1370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020.
A origem do ouro está justamente nas cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, no sudoeste do Pará.
Dirceu Sobrinho, figura frequente em Brasília, próximo de Hamilton Mourão e da cúpula do governo de Jair Bolsonaro, foi duas vezes secretário de Meio-Ambiente de Itaituba e formou chapa como suplente do ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB, agora PP), hoje novamente candidato ao Senado pelo Pará, em 2018.
A FD Gold foi procurada através da assessoria de imprensa, mas não retornou os contatos da reportagem.
Apesar do investimento de Dirceu, “Macarrão”, que também investiu R$ 27 mil do próprio bolso na campanha e tem uma empresa de mineração, acabou não sendo eleito. Procurado pela reportagem, Macarrão prometeu retornar o contato e depois não retornou mais.
O atual prefeito de Novo Progresso, porém, é Gelson Dill (MDB), o antigo vice de Macarrão, que, apesar de não ter recebido grande apoio do garimpo, contou com apoio do partido e recebeu R$ 63 mil do irmão Clairton José Dill.
Ainda que a campanha não tenha sido diretamente financiada pela atividade de mineração, Gelson Dill segue a tradição firmada pelo antecessor e defende a legalização do garimpo na região.
Já o empresário Márcio Macedo Sobrinho, da Gana Gold, optou por uma estratégia menos centralizadora dos recursos. Investiu R$ 31 mil na campanha do candidato Fabio Allan de Souza (Republicanos), mas também dispersou recursos entre os seis candidatos a vereador do mesmo partido de Fabio Allan. O investimento também acabou não dando certo, uma vez que nenhum deles foi eleito.
Procurado pela reportagem, Macedo declarou que a Gana Mineração atua dentro do município vizinho, Itaituba. Disse que fez as doações como morador de Novo Progresso, não como empresário.
“Moro nessa cidade, então quero que ela seja um lugar melhor. O acesso à minha casa é difícil, por falta de asfalto”.
Novata no ramo, a Gana Gold explorou 32 vezes mais ouro do que o previsto em área protegida e faturou R$ 1,1 bilhão em um ano de operação, como revelou o Intercept Brasil. O presidente do Ibama, Eduardo Bim, atuou diretamente para liberar o embargo da Gana Gold.
Ex-delegado da PF preso por vazar informações a donos de garimpos doou para candidato em Jacareacanga
A menor entre as três cidades é Jacareacanga, com menos de 7 mil habitantes. O prefeito, Sebastião Aurivaldo Pereira Silva, ou “Valdo do Posto”, foi eleito também com a proposta de atender os garimpeiros. Tem como vice Valmar Kaba Munduruku, preso em julho de 2021 suspeito de ajudar o garimpo ilegal nas terras indígenas da região. Antes de ser preso na operação da Polícia Federal e do Ibama, Valmar participou da organização de um protesto contra a ação.
Em 2020, Valdo do Posto não ganhou o apoio dos grandes CNPJs do garimpo, mas um nome curioso aparece na lista de doadores: Alexandro Cristian dos Santos Dutra, que doou R$ 6,5 mil para a campanha do político paraense.
Alexandro é o ex-delegado da PF preso pela própria corporação em dezembro de 2020, acusado de vender informações a donos de garimpos ilegais na região do rio Tapajós. Ele é suspeito de corrupção, violação de sigilo funcional e associação criminosa. As doações foram feitas cerca de dois meses antes da prisão.
Alexandro e seus advogados não foram localizados pela reportagem. O espaço está aberto para a manifestação.
AUTORES
*Daniel Marques Vieira é jornalista brasiliense formado pela Universidade de Brasília (UnB). Tem passagem como repórter pelo Correio Braziliense, Rádio CBN e Brasil61.com. Cobre política e economia.
*Claudia de Jesus é advogada desde 1993, especialista em Administração de Serviços e Direito Penal. Entrou no jornalismo através da pós-graduação em Jornalismo Investigativo pelo IDP/Brasília. É consultora de pesquisas de background check desde 2001 e membro da Comissão Anticorrupção e Compliance OAB/Pinheiros (SP). É colaboradora em matérias investigativas no portal Metrópoles.