A pressão pela aprovação de projetos de leis que flexibilizam a extração de minerais críticos e estratégicos, encampada pelo discurso de colocar o Brasil como líder mundial da transição energética, deu a tônica nos dois primeiros dias da Exposibram 2024, realizada em Belo Horizonte, Minas Gerais.
O tema foi destaque nos discursos de políticos, entidades e empresas do setor – da mesa que antecedeu a abertura, passando pela solenidade, até o primeiro painel do segundo dia, quando membros da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMin) elencaram os projetos de leis que pretendem destravar no Congresso Nacional.
“Nosso desafio é que o Brasil não perca esse cavalo arriado que está passando na nossa porta”, declarou a deputada federal Greyce Elias (Avante-MG). Ela também pediu que o governo federal invista na mineração tanto quanto investe na indústria de petróleo e gás.
Como mostrou o Observatório da Mineração em agosto, um dos projetos é o 2780/2024, que propõe a criação de diretrizes para o setor e estende os subsídios das mineradoras.
O presidente da FPMin, deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG), aproveitou a mesa para revelar novos detalhes de como e quando planejam avançar com o PL na Câmara. “Queremos aprová-lo até a COP e estamos trabalhando para termos o Arnaldo (Jardim) como relator”, disse. Zé Silva foi claro ao afirmar que “o setor mineral saiu da retranca e agora passa a fazer parte das prioridades das discussões no Congresso Nacional” com apoio da FPMin.
Jardim, deputado paulista do Cidadania, participou da mesa intitulada “Atuação Legislativa pelo desenvolvimento sustentável: transição energética, segurança alimentar e política para minerais críticos e estratégicos”. O deputado foi enfático, mostrando o porquê de seus colegas o credenciarem para a relatoria. Segundo ele, a Frente Parlamentar se fortalece quanto mais estreita for a relação com o setor mineral.
“Quero destacar também duas propostas da FPMin, que é votar o projeto de licenciamento ambiental – uma barbaridade estar há dois anos esperando no Senado – e votar o Profert (Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes)”, declarou.
Os ataques coordenados da indústria para facilitar ainda mais o licenciamento ambiental para mineradoras têm sido uma tônica da atuação no Congresso nos últimos anos. O PL que está no Senado é considerado “o pior de todos os tempos” por ambientalistas. Entidades como a Federação de Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem defendido abertamente medidas como “reduzir burocracias, incluindo suprimir licenciamento ambiental como pré-requisito para outorga de portaria de lavra, e restringir análise do Plano de Aproveitamento Econômico”, que foi o que a CNI pediu no âmbito da discussão de um Novo Código de Mineração, como o Observatório mostrou em 2022.
Ainda em 2022, a Fiemg apresentou uma série de pedidos ao então candidato à reeleição Jair Bolsonaro, recebido com festa em Minas. Mesmo derrotado nas urnas, o documento revela qual é a pauta da Fiemg que está em curso, incluindo a aprovação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental como foi relatada pelo ruralista Neri Geller, o que é defendido agora por Arnaldo Jardim, da FPMin.
O texto de Geller, aprovado em maio de 2021, foi considerado repleto de inconstitucionalidades e um caminho aberto para mais desastres como o de Mariana e Brumadinho. A FIEMG defende uma alteração em um artigo da lei para que seja imediatamente aplicável às atividades minerárias, sem aceitar a previsão de uma futura lei específica para o setor, para além de todo o regramento em curso atualmente.
É possível, por exemplo, que as barragens de rejeitos possam passar por “autolicenciamento”, uma aprovação automática, declarada pela própria mineradora, sem análise prévia e controle dos órgãos ambientais. Suely Araújo, analista de políticas sênior do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, falou ao Observatório em 2022 que a lei na forma como está é o pior texto que já se produziu no debate sobre o licenciamento desde a década de 80.
“A lei do jeito que está é o caos, a implosão do licenciamento no país”, afirma Araújo, que acompanha o tema e atua no Congresso há décadas. A proposta defendida pela FIEMG é inconstitucional e vai gerar judicialização, avalia, já que a lei “destrói” o licenciamento ambiental no Brasil. “O licenciamento é a ferramenta preventiva mais importante da política ambiental, porque pega da fabriqueta a Belo Monte”, exemplificou Araújo.
O deputado federal Pedro Aihara (PRD-MG), que também participou da mesa na Exposibram, disse que o Brasil poderá ter um diferencial se conciliar um eventual “avanço na legislação” com as grandes reservas de exploração que têm. O ex-porta voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMMG) afirmou ainda que é preciso investir em pesquisa e desenvolvimento, o que, segundo ele, teve redução em todos os governos.
Os parlamentares também usaram algumas conhecidas expressões para pressionar a aprovação dos projetos de lei, tais como “segurança jurídica para atrair investidores estrangeiros” e “precisamos de políticas de estado e não de governo”.
Crédito das fotos: Divulgação/IBRAM
Energias renováveis
O discurso de “avançar agora para liderar depois” esteve presente desde a mesa inaugural do evento, denominada “Transição Energética no Brasil”, com representantes da energia eólica, biogás e hidrogênio verde. O debate foi liderado por cinco mulheres, com mediação da presidente do Conselho Diretor do Ibram e presidente da Anglo American no Brasil, Ana Sanches.
Para a diretora Brasil da Global Wind Energy Council (GWEC), Roberta Mota Cox, a parceria entre mineração e transição energética é essencial, principalmente pelo processo de descarbonização.
“O Brasil é um possível protagonista na transição energética, um país que tem tudo para ser líder pela abundância de recursos renováveis. Então, a gente tem até dificuldade de saber quais que vamos usar, como vai compor essa matriz”, ponderou.
Para defender a necessidade de se investir na transição energética neste momento, Fernanda Delgado, diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (ABIHV), fez uma analogia com o pedido do ex-presidente dos Estados Unidos John Kennedy, que em 1962 foi ao Congresso pedir recursos para levar o homem à Lua naquela década “porque ele entendia que o arrasto industrial, tecnológico, educacional, modernizador e desenvolvimentista seria sem precedentes”.
Delgado também afirmou que para fazer uma transição energética justa é preciso trazer a sociedade para o debate e para o conhecimento. “O cidadão comum tem três grandes problemas: criar filho, pagar boleto e se manter empregado. Hoje, ele tem uma nova preocupação que é a mudança climática”, disse a presidente da ABIHV, mencionando o desastre no Rio Grande do Sul e as quedas de linhas de transmissão nos últimos anos.
Também participaram da mesa a presidente-executiva da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), Renata Isfer; e a presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum.
Ausências e afagos em solenidade
A cerimônia de abertura da Exposibram 2024 foi marcada pela ausência do ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira (PSD), na primeira edição do evento realizada em sua cidade natal, Belo Horizonte, desde que tomou posse na pasta. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também não compareceu.
O vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões, que representou Zema, disse que a mineração é “parte da essência de Minas Gerais. Uma mineração que precisa ser sempre responsável e sustentável, mas que jamais deve ser combatida por representar algum tipo de mal”. Ana Sanches, CEO da Anglo American no Brasil e presidente do Conselho Diretor do IBRAM, disse que o “futuro do país depende da mineração. Ela e a transição energética andam de mãos dadas”.
Já o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, fez, em seu discurso, um comparativo do crescimento entre as edições de 2022 e 2024, ambas realizadas em Belo Horizonte, mencionando também a criação da FPMin neste intervalo.
“Hoje, a mineração brasileira conta com deputados, com senadores, que estão ligados à nossa causa, à mineração sustentável, às suas causas, mas também a nos defender, muitas vezes de ataques que não fazem jus àquilo que nós representamos, por assim dizer”, afirmou. Jungmann também considerou que a mineração é “artífice do futuro”. Para o presidente do Ibram, “os minerais críticos e estratégicos são decisivos para a transição energética e não haverá saída para a humanidade, em razão do agravamento da emergência climática, sem considerarmos o crescimento da oferta desses minerais”, afirmou.
No fim da solenidade, o Ibram ainda entregou uma série de homenagens a parlamentares, técnicos e representantes do setor.