COP 27 termina sem garantir o abandono do carvão e reforça dependência de combustíveis fósseis

Chegou ao fim a COP 27, conferência climática organizada pela ONU no Egito, com patrocínio da Coca Cola e participação recorde de lobistas da indústria fóssil.

E o resultado, mais uma vez, é decepcionante: nenhum compromisso para eliminar o uso do carvão foi firmado e o gás natural foi legitimado como “energia de transição”. As consequências da guerra na Ucrânia servem aos interesses da vez para manter quase tudo como está e adiar decisões inadiáveis.

Mesmo o compromisso de “reduzir” e não “acabar” com o uso do carvão, firmado na COP 26 na Escócia, surge como discurso vazio diante dos fatos: a demanda de carvão não caiu na última década, mas se manteve estável em níveis recordes, de acordo com estudo da Agência Internacional de Energia lançado semana passada.

Se nada for feito, as emissões dos ativos de carvão existentes, por si só, colocarão o mundo além do limite de 1,5°C até o fim do século, alerta a IEA.

“Mais de 95% do consumo mundial de carvão ocorre em países que se comprometeram a reduzir suas emissões a zero líquido”, disse o diretor executivo da agência, Fatih Birol. Ou seja: entre a teoria e a prática há um abismo.

Para piorar, os 60 maiores bancos do mundo investiram nada menos que US$ 4,6 trilhões de dólares em projetos de petróleo, gás e carvão desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015.

A dependência da mineração e de combustíveis fósseis é a grande responsável por essa relutância em endereçar a crise climática com a gravidade que a situação, já quase irreversível diante das metas assumidas e que não serão cumpridas, pede.

Uma das formas de energia mais poluentes do mundo, o carvão também tem sido fartamente financiado tanto em projetos de mineração quanto em projetos de geração de energia, em todas as fases da cadeia.

Grandes bancos investiram US$ 17,4 bilhões em projetos de mineração de carvão apenas em 2021. Na forma de usinas, foram US$ 44 bilhões. Bancos chineses lideram os investimentos no setor.

E o ritmo de financiamento para projetos de carvão mais do que dobrou no primeiro semestre de 2022 em comparação com o mesmo período de 2021. Já foram quase US$ 10 bilhões de dólares em 3 meses deste ano contra US$ 4,4 bilhões no primeiro trimestre de 2021.

O aguardado fundo de “Perdas e Danos”, finalmente acordado nesta COP depois de décadas, é uma sinalização positiva de que os países ricos, responsáveis pela crise climática, não ficarão sem pagar pelos danos causados – já existe uma dívida de US$ 100 bilhões em compromissos assumidos e não pagos até o momento, algo que foi cobrado pelo presidente Lula na visita ao Egito.

Mas o texto prevê ainda uma longa rodada de negociação para definir quem paga, como paga, em que prazo e para quem.

Enquanto o planeta se afunda na catástrofe gerado por combustíveis fósseis, os passos são muito mais lentos do que o necessário. Avaliação do Observatório do Clima, rede brasileira de ONG’s e pesquisadores no tema, critica os resultados finais da COP 27.

A avaliação do ClimaInfo segue a mesma linha, destacando a “timidez dos resultados obtidos”. O Climate Home não esqueceu que os setores de óleo e gás saíram fortalecidos.

Como sempre, porém, há os otimistas que destacam os avanços conquistados nessa COP e algumas boas notícias, sem esquecer, no entanto, que a pressão feita por lobistas da indústria fóssil mais uma vez sequestrou as discussões em favor das empresas.

Foram 600 lobistas presentes na COP 27, aumento de 25% em comparação à edição anterior.

Os lobistas dos empreendimentos de gás, petróleo e carvão correspondem ao dobro do eleitorado oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os povos indígenas, por exemplo.

Também foi constatado que há mais lobistas de combustíveis fósseis cadastrados do que as delegações nacionais do continente africano, ainda que o evento tenha sido no Egito. O mesmo acontece com as delegações dos dez países mais afetados pelas mudanças climáticas.

Sem superarmos esse gargalo será difícil que as metas acordadas saiam do papel e o mundo precisa desesperadamente de ambições climáticas concretas, destacou António Guterres, secretário-geral da ONU, que já acionou há algum tempo o “modo emergência”.

O mundo precisará fechar quase 3 mil usinas movidas a carvão antes de 2030 se quiser ter uma chance de manter os aumentos de temperatura dentro de 1,5 graus Celsius. Mais de 2.000 GW de energia é gerado via carvão em todo o mundo hoje, e isso precisa ser cortado pela metade, o que significaria o fechamento de quase uma unidade por dia de agora até o final da década. 

A mineração é responsável por cerca de 7% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa via ação humana. O principal culpado é o carvão, tanto no seu uso como energia quanto da extração e exportação como commodity. Se considerarmos as emissões indiretas, afirma a consultoria McKinsey, a estimativa sobe para 28% envolvendo a mineração.

Outro estudo das Nações Unidas afirma que a mineração causa cerca de 10% das emissões antropogênicas, que aumentam o risco de calor extremoFalta transparência, no entanto, para que as estimativas se aproximem da realidade.

Governo Bolsonaro agravou uso do carvão no Brasil

No Brasil, Jair Bolsonaro sancionou em janeiro pelo menos R$ 3,3 bilhões de subsídios para usinas a carvão até 2025, em conta a ser paga diretamente por todos os consumidores de energia do Brasil.

Em agosto de 2021 o Ministério de Minas e Energia lançou um “programa sustentável” para o carvão mineral nacional, com o objetivo de manter a indústria em funcionamento e substituir antigas termelétricas por novas.

Com isso, estão previstos R$ 20 bilhões em investimentos em carvão no Brasil nos próximos 10 anos, com apoio financeiro e fiscal direto da União. 

O foco do programa é justamente a continuidade da atividade de mineração de carvão na região Sul do Brasil, que concentra 99,97% da reserva de carvão mineral brasileira. Isso equivale, celebra o MME, a um potencial de abastecimento elétrico de 18.600 MW durante 100 anos de operação.

É o caso de cidades como Candiota, no Rio Grande do Sul, sede das termelétricas mais poluentes do país. O Observatório da Mineração esteve na cidade em setembro e contou, em matéria especial, como a ciência tem sido ignorada diante da dependência econômica.

O setor carbonífero teve forte influência na definição das metas do Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), como mostrei em dezembro de 2020

No total, o Brasil deixou de arrecadar R$ 118 bilhões em 2021 para subsidiar o consumo e a produção de combustíveis fósseis, e a expectativa é que esse valor aumente neste ano, diante de novas desonerações anunciadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

O dado é resultado do estudo “Subsídios aos combustíveis fósseis: conhecer, avaliar, reformar”, divulgado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) semana passada.

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