No fim de setembro a Vale anunciou que estava registrando na Agência Nacional de Mineração (ANM) a desistência de todos os requerimentos que possui para minerar em terras indígenas na Amazônia.
Até aquele momento, a Vale possuía dezenas de requerimentos ativos, que incidiam sobretudo sobre a terra indígena Xikrin do Cateté, no Pará, onde vivem os Xikrin e os Kayapó.
Detalhei aqui no Observatório como esse anúncio significativa uma estratégia mais ampla da Vale, empenhada em limpar a sua imagem frente a investidores internacionais, parte de um contexto de pressão de financiadores.
Porém, ainda em outubro, o robô do projeto Amazônia Minada alertou sobre dois novos requerimentos da Vale para minerar justamente na TI Xicrin do Cateté. Eu fui apurar com a mineradora e com a Agência Nacional de Mineração o que estava acontecendo.
Ambos negaram que os requerimentos incidiam sobre a TI, mas apenas “na borda” e que essa pequena sobreposição estava sendo retirada pela ANM para autorizar que o processo siga.
“A Vale reafirma que abriu mão de todos os processos minerários interferentes com Terras Indígenas no Brasil junto à Agência Nacional de Mineração (ANM). Os requerimentos mencionados são de áreas que não interferem com a Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté e foram feitos a partir dos estudos da própria ANM, que retirou as áreas de interferência, gerando duas áreas remanescentes, ambas fora dos limites da TI Xikrin do Rio Cateté. Trata-se de uma atualização dos processos anteriores, devido à desistência da Vale em relação aos processos interferentes com Terras Indígenas”, respondeu a mineradora em 03 de novembro.
Via Lei de Acesso à Informação, perguntei a ANM se isto procedia. Tecnicamente, a ANM disse que:
“Antes de 16/10/2018 o procedimento era o seguinte: todo processo que incidia total ou parcialmente com uma TI, nós não analisávamos, isto é, o sobrestávamos. Depois da aprovação do Parecer 469/2016 pelo Diretor-Geral do então DNPM, em 16/10/2018, vem o novo procedimento: a ANM indefere o processo com interferência total e, quando a interferência é parcial, faculta ao titular a modificação do pedido para exclusão da área incidente sobre a TI (retirada de interferência) e damos andamento ao mesmo apenas com a área que está fora da TI. Também informo que os processos citados não se encontram em Terras Indígenas”.
Leia na íntegra o parecer mencionado pela ANM.
Veja o polígono dos dois novos requerimentos para entender a sobreposição:
Traduzindo: a Vale supostamente “desistiu” de minerar em terras indígenas, mas partiu para expandir seus projetos ao redor das áreas protegidas. Os impactos, graves, seguirão ocorrendo. E as comunidades precisam ser ouvidas.
A Portaria Interministerial 60/2015 afirma que todos os projetos de mineração na Amazônia Legal a 10 quilômetros dos territórios “presume-se intervenção”, com potencial impacto direto na terra indígena.
Matéria do InfoAmazônia lembra que a situação é grave e que a Vale oficialmente ainda mantém dezenas de requerimentos na ANM que incidem diretamente em terras indígenas na Amazônia.
Foto de destaque: indígenas pescando no rio Xikrin contaminado, por Souza Xikrin, Djudjê-Kô, Brasil, 10.11.2021
Acordo com os indígenas longe de acontecer
É nesta região do Pará que está a Mina de Onça Puma, de níquel, alvo de um processo judicial e de um acordo feito pela Vale com os indígenas Xikrin, que vence agora em novembro de 2021. A produção da Vale é exportada para a Europa.
O acordo prevê a remediação definitiva da poluição causada pela Vale nos rios da região. O Ministério Público Federal, mediador do acordo, diz que “as tratativas estão em andamento” e “propostas estão em discussão”. Em caso de não chegarem a uma solução final, a execução judicial pode ocorrer. Cenário mais provável no momento.
A Vale, no entanto, nega oficialmente que tenha contaminado os rios e coloca em xeque o laudo de pesquisadores. O caso se arrasta há anos. O níquel é considerado “essencial” para a “transição verde” da matriz energética mundial.
Yan Xicrin, jovem liderança do seu povo, me disse em entrevista que a despoluição do rio, que a Vale insiste em negar, é um ponto de divergência central. O que os Xicrin querem é que a Vale realmente ouça as demandas, ofereça soluções e concorde em diminuir os impactos ambientais do projeto Onça Puma e do S11D.
Hoje os Xicrin estão organizados em 13 aldeias dentro da TI. As comunidades mais próximas dos projetos extrativos são as mais afetadas. São estas comunidades justamente as mais vulneráveis a sentir o impacto dos empreendimentos da Vale no entorno da terra indígena.