Atendendo a lobistas, Bolsonaro aprova subsídios bilionários para usinas a carvão

Pelo menos R$ 3,3 bilhões até 2025, em conta a ser paga diretamente por todos os consumidores de energia do Brasil. Isso é quanto custará os subsídios previstos no Projeto de Lei 712/2019 do senador Esperidião Amin (PP/SC), para financiar termelétricas a carvão em Santa Catarina, aprovado pelo Congresso e sancionado hoje por Jair Bolsonaro.

Amin, que cumpre o segundo mandato como senador – o primeiro foi nos anos 90 – é ex-governador de Santa Catarina, ex-deputado da Arena, que dava sustentação para a ditadura militar e é membro da Frente Parlamentar da Mineração, grupo de centenas de parlamentares que defende os interesses do setor mineral em Brasília.

O carvão, especialmente forte no sul do país, tem alta representatividade nesta frente parlamentar. 3 dos 7 senadores signatários da FPM são de SC. O senador Jorginho Mello (PP/SC), um dos membros da FPM, foi relator do PL do colega Amin e admitiu que o projeto tem o apoio do Ministério de Minas e Energia (MME).

O coordenador do GT responsável pelo Novo Código de Mineração, cuja definição ficou para 2022, o deputado Evandro Roman (Patriota-PR), é do Paraná e defendeu os investimentos em carvão em entrevista para o Observatório.

“É o combustível que nós temos, quando (a situação) aperta é ele que nos salva nas termelétricas. Enquanto tivermos a necessidade de uma energia mais barata, o carvão será muito bem-vindo. Quem critica que sugira uma situação que não seja essa e que venha baratear a geração de energia. Sou muito favorável à manutenção do carvão enquanto não tiver outra”, disse Roman.

O presidente do Instituto do Desenvolvimento da Mineração – IDM Brasil, Wagner Pinheiro, também é do Paraná. O IDM é o responsável por toda a assessoria técnica prestada para a Frente Parlamentar pela Mineração e por parte significativa do lobby feito em Brasília e ao redor do Brasil.

Nenhum desses movimentos, projetos, subsídios e investimentos acontecem por acaso.

O setor carbonífero teve forte influência na definição das metas do Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), como mostrei em dezembro de 2020. Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), observou que cerca de 60% das metas do PMD tem alguma relação com atividade de mineração de carvão.

Zancan defendeu os interesses do setor afirmando que o MME deveria “citar o carvão metalúrgico como mineral estratégico, para efeitos do Plano Pesquisa Geológica de bens minerais prioritários”.

A resposta positiva do MME não demorou. Em agosto de 2021 o Ministério de Minas e Energia lançou um “programa sustentável” para o carvão mineral nacional, com o objetivo de manter a indústria em funcionamento e substituir antigas termelétricas por novas.

Com isso, estão previstos R$ 20 bilhões em investimentos em carvão no Brasil nos próximos 10 anos, com apoio financeiro e fiscal direto da União. 

O foco do programa é justamente a continuidade da atividade de mineração de carvão na região Sul do Brasil, que concentra 99,97% da reserva de carvão mineral brasileira. Isso equivale, celebra o MME, a um potencial de abastecimento elétrico de 18.600 MW durante 100 anos de operação.

O PL 712/2019 sancionado por Jair Bolsonaro e transformado na Lei 14.299 para garantir a continuidade do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda faz parte desse contexto.

A associação dos grandes consumidores de energia (Abrace) estima um custo anual para os consumidores de R$ 840 milhões com a obrigação de contratar a energia gerada por carvão mineral das usinas catarinenses. Embora o subsídio direto acabe em 2025, a prorrogação dos contratos vai até 2040. O estrago, portanto, é ainda maior.

Aposta no carvão deixa o Brasil mais longe de alcançar as já frágeis metas climáticas

Um dos minerais mais poluentes do mundo e principal responsável pela estimativa de 7% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa via ação humana relativas à mineração, o carvão está no centro do debate mundial.

Os principais países produtores falharam em chegar a um acordo na COP 26 na Escócia. Mais de 40 países assumiram um acordo para eliminar a energia a carvão até 2040 e cortar os investimentos nos mercados interno e externo.

Brasil, Estados Unidos, Austrália, China e Índia, porém, ficaram de fora do pacto. Hoje, a tendência do consumo de carvão é de alta.

Relatório da Agência Internacional de Energia mostra que a recuperação econômica pós-Covid deve levar a demanda global por carvão a um potencial máximo histórico já em 2022, minando os esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. E continuar em alta nos próximos anos.

A geração global de energia a partir do carvão saltou 9% em 2021 para a máxima histórica de 10.350 terawatts-hora. A demanda por carvão em todo o mundo – incluindo usos além da geração de energia, como produção de cimento e aço – cresceu 6% no ano passado.

O governo de Jair Bolsonaro, a gestão de Bento Albuquerque no MME e a atuação de políticos ligados ao setor mostram que, na verdade, o Brasil está indo na contramão dos esforços para evitar o colapso climático e dos próprios compromissos assumidos pelo país.

O Brasil se comprometeu, na COP 26, de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa em 2050. Uma realidade muito distante e que carece de ações concretas. O que se constata é o oposto.

A Abrace afirma que o texto do PL 712/2019 “segue na contramão do movimento de transição energética, com impactos ambientais significativos, e prorroga custos ineficientes para todos os consumidores de energia”.


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