A Vale se orgulha em ser “a maior investidora privada da cultura brasileira” e é figura onipresente em Belém durante a COP 30. Seja nos inúmeros anúncios que começam na recepção aos viajantes no aeroporto e se espalham por toda a cidade, seja no Parque da Cidade, onde acontece a COP, remodelado e preparado pela Vale para receber a maior conferência do clima global. O pequeno detalhe de que a Vale figura entre as maiores emissoras de gases de efeito estufa do mundo, fina contradição, não é mencionado. O slogan poderia ser trocado por “onde tem crise climática, a Vale está”.
Este Observatório da Mineração é aquele grande bode na sala, o imenso elefante na fragilíssima loja de cristais da máquina de propaganda e lavagem verde que a COP representa apenas uma parte. Não começamos agora. São 10 anos de trabalho cotidiano desafinando o coro dos contentes.
Em agosto de 2022, por exemplo, mais de três anos atrás e muito antes do feirão mercadológico da COP desembarcar no Brasil, denunciamos a enormidade de emissões da Vale e o fato de que, à época, nada menos que 98% das emissões da Vale – as do chamado escopo 3, da cadeia de ponta a ponta da mineração – não estavam no centro da meta de “carbono neutro” da Vale até 2050. Onde tem meta suspeita, a Vale está.
O gigantismo da Vale e a sua onipresença industrial, política, econômica, midiática, ambiental e cultural, entre outras, impõe essa necessidade de se afirmar como algo que não é e nem pode ser. Mariana e Brumadinho destruíram o véu de suposta invisibilidade estratégica da Vale e colocou a empresa, essa “joia brasileira” que não pode ser responsabilizada, diria um ex-presidente da mineradora, no centro das atenções, com todo o holofote e todo o escrutínio público, sempre amenizado por bilhões e bilhões na mesa.
O rebranding dos minerais críticos e da transição energética dá a deixa ideal para que a Vale – e todo o setor mineral – saia da defesa para o ataque. Nós não apenas não temos culpa sobre “isso que está aí” – o colapso da vida na Terra – como somos, aceitem, a solução. Onde tem contradição, a Vale está.

A cultura é outro gancho ideal. Com exceção de meia dúzia de bolsonaristas, nazistas, fascistas e indigentes mentais da extrema-direita em geral – desculpem o pleonasmo – que gostam de atacar a cultura (afinal, a cultura que presta e que importa passa longe deles), a cultura é o alvejante multicolorido da imagem corporativa manchada. Ser contra a cultura é como ser contra a alegria, a felicidade, o prazer, a criatividade, a história. É ser contra o que faz a vida valer a pena.
Acredite, não são as planilhas e o orgulho do trabalho precarizado, a imposição do “vício em trabalho” ostentado nas redes por um sistema que corrói a mente, o espírito, o sono, o caráter e…a capacidade de criar. É a cultura que faz a vida valer a pena. A mineração não perderia essa chance. Onde tem oportunismo, a Vale está.
A Vale, que deve dezenas de bilhões à torto, à direita e à esquerda, não paga, às vezes nega e faz de tudo para continuar não pagando, ainda embolsa generosos benefícios e subsídios fiscais dos governos que deveriam cobrá-la, mas preferem o bom, velho e sempre renovado acordo à boca miúda, uma tradição brasileira.
A Vale financia pesadamente a cultura no Pará, em Minas Gerais, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em São Paulo e onde preciso for. Shows, artistas grandes e pequenos, museus pomposos e acanhados, exposições, fotógrafos adorados (alguém falou Sebastião Salgado?) e desconhecidos, iniciativas mil que espelham a necessidade da Vale de se fragmentar e se comunicar com todo tipo de público. Não importa que o lucro da Vale em 10 anos seja mais de 330 vezes maior do que os valores que ela diz investir em cultura e outras ações. Onde tem holofote, a Vale está.
A Vale é literalmente o trem pagador do setor mineral brasileiro. A Vale é o símbolo, a referência, o farol que guia as ações da maioria dos seus pares. A Vale dita o ritmo, o fluxo, o tom. A estratégia pública da Vale hoje é ruidosa e a estratégia nos bastidores, nas coxias, nas salas de reunião, ainda mais importante.
A cultura, a arte e os artistas, sempre com o pires na mão, ajudam a mineração a se reposicionar perante a sociedade com o máximo de leveza possível. Sai os cenários apocalípticos e distópicos gerados pela vida real da mineração, entram os sons, cores e sabores produzidos por artistas patrocinados pela Vale. Seja qual for o saldo dessa COP (e da próxima e da próxima e da próxima), uma certeza é clara: terá sido influenciado pela Vale.
Onde tem negociações e decisões para mudar algo deixando tudo como sempre, a Vale está.
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