O órgão regulador do mercado de capitais americano (SEC, na sigla em inglês) está processando a Vale nos Estados Unidos por prestar informações mentirosas sobre a segurança de suas barragens antes do rompimento de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019, que matou 270 pessoas.
A Vale enganou governos locais, comunidades e investidores, manipulando auditorias de segurança de barragens e obtendo certificados de estabilidade fraudulentos por meio de suas divulgações ambientais, sociais e de governança (o tal ESG), a partir de 2016, disse a U.S. Securities and Exchange Commission em comunicado nesta quinta-feira.
A Vale mentiu sobre ter aderido às “mais rígidas práticas internacionais”, apesar de saber que a barragem de Brumadinho não atendia a padrões globais de segurança, segundo a SEC.
“Enquanto supostamente ocultava os riscos ambientais e econômicos representados por sua barragem, a Vale enganou os investidores e levantou mais de US$ 1 bilhão em nossos mercados de dívida enquanto seus títulos eram negociados ativamente na NYSE”, disse Melissa Hodgman, diretora associada da divisão de fiscalização da SEC, no comunicado.
A companhia “intencionalmente escondeu os riscos de colapso de uma de suas barragens mais antigas e perigosas”, afirma a acusação da SEC, em referência a Brumadinho.
A SEC entrou com seu processo de fraude civil no tribunal federal de Brooklyn, buscando como soluções multas e reembolso no que a autarquia considera ‘ganhos ilícitos’. A agência já havia sinalizado que as empresas deveriam divulgar os riscos relacionados ao clima se fossem relevantes para os investidores.
O caso contra a Vale se assemelha a processos anteriores movidos pela SEC. A montadora alemã Volkswagen, por exemplo, teve que pagar US$ 25 bilhões em multas e acordos por esconder informações sobre um sistema em seus carros que burlava os limites de emissões de CO2 estabelecidos pelo governo americano.
“Mariana Nunca Mais”
O processo da SEC contra a Vale reforça o escárnio do fato de que a mineradora brasileira adotou o lema de “Mariana Nunca Mais” após o rompimento da barragem em Mariana de novembro de 2015, maior crime ambiental da história do Brasil.
Fabio Schvartsman, presidente da Vale na época, afirmou em abril de 2018 que o estado das barragens da Vale era “impecável” e que havia pedido “uma revisão das condições das estruturas” com um “resultado foi bastante positivo”. As barragens estavam em “estado impressionante” para Schvartsman.
Em janeiro de 2019, a barragem de Brumadinho rompeu matando 270 pessoas. Schvartsman, afastado do cargo após o rompimento, também ficou marcado por afirmar na CPI que a Vale era “uma joia brasileira” que não poderia ser punida pelo caso.
Internamente, Vale considerava a barragem de Brumadinho com risco iminente de ruptura
Denúncia apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais em janeiro de 2020 afirmou que a Vale operava uma “caixa-preta” com o objetivo de manter uma falsa imagem de segurança que buscava a qualquer custo evitar impactos a sua reputação e alcançar a liderança mundial em valor de mercado.
Para isso, contava com o apoio direto e indireto da empresa de auditoria alemã TÜV SÜD, também denunciada. Segundo o MPMG, existia “uma promíscua relação entre as duas corporações denunciadas, no sentido de esconder do Poder Público, sociedade, acionistas e investidores a inaceitável situação de segurança de várias das barragens de mineração mantidas pela Vale”.
A Vale tinha um “Ranking de 10 Barragens em Situação Inaceitável” em que a Barragem I – de Brumadinho – ocupava a oitava posição. As barragens listadas eram consideradas com probabilidade de falha acima do limite aceitável a partir de resultados de estudos da própria Vale.
“A situação inaceitável de segurança geotécnica da Barragem I da Mina Córrego do Feijão era plena e profundamente conhecida pelos denunciados, os quais concorreram para a omissão na adoção de medidas conhecidas e disponíveis de transparência, segurança e emergência, assumindo, desta forma, o risco de produzir os resultados decorrentes do rompimento”, disseram os promotores.
Até o momento, mais de 3 anos após o rompimento em Brumadinho, ninguém foi punido criminalmente e famílias de trabalhadores terceirizados que morreram ainda aguardam indenização. A Vale possui dezenas de outras barragens em Minas Gerais em nível crítico neste momento.
Nota da Vale
Em nota enviada para a reportagem, a Vale confirma que a Securities and Exchange Commission dos Estados Unidos (“SEC”) iniciou ação judicial contra a Companhia no Tribunal Distrital para o Distrito Leste de Nova York, nos Estados Undios, alegando que certas divulgações da Vale violaram as leis de valores mobiliários dos Estados Unidos.
“O processo foca em divulgações relacionadas à gestão de segurança de barragens da Vale anteriormente ao trágico rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil, em janeiro de 2019. A Vale nega as alegações da SEC, incluindo a alegação de que suas divulgações violaram a lei dos Estados Unidos, e defenderá vigorosamente este caso. A Companhia reitera o compromisso que assumiu logo após o rompimento da barragem, e que a tem guiado desde então, para a remediação e a reparação dos danos causados pelo evento”, diz a mineradora.