Na contramão dos esforços necessários para reduzir as emissões de poluentes da matriz energética, o Brasil continua investindo no aumento da demanda e uso de gás fóssil, especialmente no setor elétrico. Enquanto fontes como energia solar e eólica têm registrado um crescimento significativo – representando quase 30% da matriz elétrica em 2024 -, a dependência contínua do gás fóssil sabota a transição para fontes limpas e renováveis. Isso é o que mostra o relatório “Regressão Energética: Como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática“, lançado nesta quarta-feira (12), pela Coalizão Energia Limpa, a qual o Observatório da Mineração faz parte, em Brasília (DF), em parceria com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista, coordenada pelo deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), por meio do seu Grupo de Trabalho de Energias Renováveis, coordenado pelo deputado federal Pedro Campos (PSB/PE).
Segundo o levantamento, a expansão do uso do gás fóssil pode acarretar em um bloqueio de investimentos no setor elétrico por 15 a 30 anos, além de aumentar os custos da energia consumida no país. Essa tendência é preocupante no contexto atual de agravamento da crise climática, com a intensificação de eventos extremos, como secas, que tornam a geração de eletricidade mais vulnerável.
Desde a contaminação de recursos hídricos até o aumento das emissões de gases de efeito estufa, a cadeia produtiva da energia fóssil tem provocado graves consequências para o meio ambiente e comunidades locais. A fragilidade dos licenciamentos ambientais é apontada como um dos principais fatores desencadeadores desses problemas.
O evento realizado na Câmara dos Deputados contou as apresentações de: Célia Xakriabá, deputada federal (PSOL/MG); Bandeira de Mello, deputado federal (PSB/RJ); Ricardo Baitelo, da Coalizão Energia Limpa e do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA); Suely Araújo, Observatório do Clima; José Marangon, diretor da MC&E, Conselheiro da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD); Carolina Marçal, do ClimaInfo, na mediação. Além dos parlamentares, incluindo os deputados Nilto Tatto e Airton Faleiro (PT/PA), estiveram presentes 60 pessoas, entre elas, representantes de cerca de 20 organizações da sociedade civil e da indústria como Abrace Energia, Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel,) Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren).
“Temos todas as condições entre as grandes economias do mundo de ser carbono negativo, e defendemos que isso pode acontecer antes de 2045. Há todo o potencial no Brasil para isso, mas a área de energia tem falhado nas propostas nesse sentido. Como se a expansão de óleo e gás fosse a grande alternativa de geração de renda. É como defender ir à guerra para alcançar a paz”, ressaltou Suely Araújo.
O material foi elaborado pela Coalizão Energia Limpa – um conglomerado de organizações da sociedade civil empenhadas na defesa de uma transição energética justa e sustentável no Brasil. O principal alerta do documento é que a crescente dependência de fontes de energia fóssil, especialmente o gás, é o maior obstáculo para alcançar uma matriz 100% renovável e resiliente oscilações de preço e ao clima extremo.
Essa tendência é preocupante no contexto atual de agravamento da crise climática, com a intensificação de eventos extremos, como secas, que tornam a geração de eletricidade mais vulnerável. Desde a contaminação de recursos hídricos até o aumento das emissões de gases de efeito estufa, a cadeia produtiva da energia fóssil tem provocado graves consequências para o meio ambiente e comunidades locais. A fragilidade dos licenciamentos ambientais é apontada como um dos principais fatores desencadeadores desses problemas. “Quando falamos de transição energética precisamos pensar em transição política. A forma como o parlamento se posiciona com relação às mudanças climáticas é, sim, responsabilidade política”, disse Xakriabá. “A exploração de petróleo na Amazônia, segundo dados mais recentes, vai afetar 130 comunidades indígenas diretamente. É um projeto que parece civilizatório, mas um projeto de morte não pode ser considerado civilizatório, ele é primitivo”, alertou a deputada.
Para entender como o Brasil chegou a essa dependência, o estudo apresenta uma cronologia dos últimos 20 anos (2003-2023) de reformas, planos e programas de incentivo no âmbito das políticas energéticas nacionais. Essa recapitulação também traz um resumo das ações de resistência da sociedade civil, que conseguiu barrar e adiar dezenas de projetos fósseis nesse período.
“A transição pode ser uma oportunidade na reforma da nossa relação com outros países. Precisamos rever a lógica colonialista nas relações internacionais. A relação Norte-Sul global também precisa ser repensada, para não reproduzir a história que levou à desigualdade social. Sem isso, não vamos enfrentar a crise climática e proteger quem é mais afetado”, disse o deputado Tatto. Para Ricardo Baitelo, do IEMA, há mais de dez anos é discutido como seria a expansão do gás. “Agora é a hora que deveríamos pensar no descomissionamento de fósseis, e não cair no risco de ativos encalhados”, afirmou. “Falamos muito da transição energética, mas temos três componentes: a transição da matriz propriamente dita, nosso papel na escala global e a inclusão energética”, completa.
Foto de destaque: Agência Brasil
Entraves
O uso do gás fóssil deixou de ser um complemento emergencial e estratégico a ser acionado em momentos de crise hídrica para garantir uma fatia significativa dos investimentos na infraestrutura da geração elétrica brasileira, mostra o estudo. Justificativas econômicas questionáveis e um intenso marketing de sustentabilidade, leis e programas de incentivo ao uso do gás estariam comprometendo as metas climáticas nacionais e impedindo a expansão responsável e distribuída da eletricidade gerada por fontes renováveis.
Além de pontuar os custos econômicos, impactos socioambientais e retrocessos climáticos da expansão do gás fóssil na matriz elétrica, a publicação destaca casos emblemáticos de empreendimentos que já afetam diferentes regiões do país e aborda a tendência de avanço do setor petrolífero sobre a Amazônia.
A privatização da Eletrobras, instituída pela lei 14.182/2021, estabeleceu um acréscimo de 8 gigawatts de térmicas a gás por 15 anos, a serem instalados entre 2026 e 2030, em estados sem infraestrutura de gasodutos, as chamadas térmicas-jabuti.
Isso resultará na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente, cerca de 40% do total de emissões do setor elétrico nacional atualmente. Além disso, mais de 70 novas térmicas estão em fase de estudo e planejamento.
Brasil precisa rever seus planos
“Investir em gás agora é economicamente inviável, essa tarifa será rapidamente passada aos consumidores. Como essa compra é para ser instalada em três, cinco, dez anos, até lá teremos outras alternativas tecnológicas como as baterias, que irão baratear. Estamos, hoje, decidindo coisas para nossos filhos, mas lá na frente o mundo será totalmente diferente. Teremos uma demanda muito grande de data center, com eficiência e produção mais razoável e justa”, informou Marangon.
O debate sobre a transição energética justa ganha força à medida que a COP 30 se aproxima, em 2025. Para os organizadores do levantamento, é urgente que o Brasil revise seus planos de expansão do uso do gás. Entre as conclusões e recomendações apresentadas, destaca-se a necessidade de uma expansão urgente de fontes renováveis, aliada à regulação efetiva do setor elétrico.