Um vazamento de rejeitos de estruturas da mineradora Taboca, que opera em Presidente Figueiredo (AM), a 300km de Manaus, atingiu rios dentro da terra indígena Waimiri-Atroari que são essenciais para a vida da população.
A contaminação foi identificada pelos indígenas e confirmada em duas expedições com a participação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do coordenador ambiental da própria mineradora. Seguindo os traços dos rejeitos, a equipe chegou até as instalações da Taboca e comprovou que barragens dentro da mineradora estão com vazamentos, com verificação no local e fotos captadas por drones.
O relatório detalhado mostra que a contaminação já alterou a qualidade da água dos rios Tiaraju e Alalaú, de onde os indígenas pescam e retiram a água para consumo, higiene e preparo dos alimentos. 22 aldeias foram afetadas. A Taboca é a maior produtora de estanho do Brasil e tem um imenso projeto minerador ao lado da terra indígena.
A área ocupada pela mineradora, no entanto, é de ocupação tradicional dos Waimiri-Atroari e acabou sendo excluída do processo de demarcação, nos anos 80, já por pressão da mineradora e outras empresas.
Diante da situação, o Ministério Público Federal do Amazonas pediu a imediata suspensão do lançamento de qualquer resíduo em barragens da Taboca no Amazonas e a adoção de medidas urgentes de reparação. Os vazamentos foram identificados em 6 estruturas no total. Foi identificada a morte de peixes e tartarugas sem causa aparente na região. A água está com aspecto turvo e denso e cheiro desagradável.
A Frente de Proteção Etnoambiental Waimiri-Atroari da Funai enviou um relatório completo ao MPF em 17 de maio. Leia a íntegra do relatório.
Procurada pela reportagem, a Taboca negou, em nota, que as barragens estejam com vazamentos e que os rios foram contaminados por responsabilidade da mineradora. Segundo a Taboca, a alteração da qualidade da água se dá exclusivamente pelo excesso de chuvas registrado na região. Leia a íntegra da resposta da Taboca.
Não é o que diz o relatório. Harilson Araújo, advogado há 14 anos da Associação Comunidade Waimiri-Atroari, também questiona a afirmação.
“Se a chuva contribuiu, houve negligência em não tomar medidas prevendo essa quantidade de água. O problema dos vazamentos existe e foi comprovado. Nada foi feito até que foram notificados. Não dá para culpar a chuva. No mínimo pecaram por omissão”, cobra Araújo.
Segundo o advogado, os indígenas pararam de consumir os peixes, de caçar e usar a água com medo de contaminação. Crianças chegaram a passar mal e foram levadas para atendimento médico. O receio da população indígena é sobre a extensão do problema e quanto tempo pode levar para que tudo se resolva.
“Pela experiência que a gente tem a solução não será tão rápida quanto muita gente pensa. As consequências para o futuro podem durar. São 22 aldeias que dependem diretamente da água para a sua subsistência, o seu modo de vida, cultura. O rio é a vida deles. É uma agressão muito forte. Os indígenas estão extremamente preocupados”, relata Araújo.
Principal barragem da Taboca é 4 vezes maior que a de Brumadinho
A ANM lista 15 barragens e estruturas da Taboca em Presidente Figueiredo, 8 em operação e 7 desativadas, que sequer estão inseridas nos dados oficiais.
A principal em operação é a barragem 158 (A-1), com 53,3 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que não conta com manta impermeabilizante. Essa barragem é 4 vezes maior que a barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho.
O MPF pede que a Taboca adote medidas de contenção imediatas das barragens e garanta o abastecimento de água potável e complemento de alimentação aos indígenas das aldeias afetadas pelo problema.
A ANM diz que a última vistoria na barragem 158 foi realizada em 27 de abril. Essa barragem possui Plano de Ação Emergencial (PAE), que foi fornecido para as Prefeituras e Defesas Civis municipais e estaduais, como exige a lei. O seu “Dano Potencial” é considerado alto, com significativo impacto ambiental em áreas protegidas.
O MPF questiona por que a Mineração Taboca não tomou as providências necessárias, acionou o Plano de Emergência e as autoridades competentes ainda em março, quando a contaminação foi identificada. Todas as vistorias realizadas em maio mostram o agravamento da situação.
De acordo com Harilson Araújo, após duas reuniões, incluindo momentos de tensão e negação, a Taboca mudou o discurso e se comprometeu a realizar medidas emergenciais como a perfuração de poços artesianos alimentados com energia solar e o fornecimento de filtros de barro e animais para alimentação dos indígenas. Internamente, diz, os órgãos competentes estão cobrando que a Taboca tome as medidas necessárias para resolver os vazamentos.
O medo de que alguma barragem da Taboca se rompa é real, diz Araújo, que conversou com lideranças recentemente, após a contaminação ser identificada.
Em nota, a Taboca diz que “as barragens encontram-se estáveis e seguras, conforme atestado em relatórios técnicos já apresentados ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) e ao MPF-AM na última semana”.
A mineradora voltou a dizer que “não existe nenhum transbordamento em quaisquer das barragens da Mineração Taboca”. Segundo a empresa, estão sendo feitas atividades de inspeção, monitoramento e vistoria regulares.
“Estamos também, como medidas preventivas, fazendo a construção de diques filtrantes e de canais dissipadores destinados a ampliar a filtragem de materiais em suspensão e reduzir a turbidez da água na área, que permanece sob monitoramento 24 horas por dia”, disse a Taboca, em nota.
Harilson Araújo, da Associação Waimiri-Atroari, afirma que os indígenas se preocupam constantemente com o risco de algum desastre ambiental de grande porte por conta das barragens de rejeito, a exemplo do que aconteceu em Mariana e Brumadinho.
“O temor é enorme. A Taboca tem um conjunto de barragens muito grande. Mesmo as que estão desativadas, se não tiver manutenção pode acontecer o que aconteceu em Mariana e Brumadinho. Se romper uma barragem dessa e atingir o Rio Alalaú, que é o rio da vida desses índios, será um desastre imenso”, avalia Araújo.
Além das ações emergenciais, um plano de trabalho está sendo definido para tentar solucionar o problema de maneira permanente. Somente análises em curso pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) poderão dar a dimensão exata da contaminação identificada.
Estanho do Amazonas é fundido em São Paulo e tem a China como destino principal
A Taboca se apresenta como “a maior produtora de estanho refinado do Brasil” e afirma ser “transparente e comprometida com o meio ambiente”. Em 2020, a Taboca, que também explora nióbio e tântalo, teve receita de R$ 753 milhões.
Fundada em 1969, a Taboca possui a Mina de Pitinga, que começou a operar nos anos 80 e tem vida útil para a produção de estanho estimada em 100 anos. O estanho extraído no Amazonas é fundido em uma metalurgia de São Paulo.
Criada pelo grupo brasileiro Paranapanema, a Taboca foi adquirida pelo grupo peruano Minsur em 2008, um negócio de R$ 850 milhões. A Minsur é um dos principais produtores de estanho do mundo, mineral que é consumido principalmente pela China, com cerca de 50% do total. O maior investidor da Minsur é o grupo Profuturo AFP, que é controlado pelo banco canadense Scotiabank.
Taboca levou 526 mil hectares da TI Waimiri-Atroari
Os conflitos causados por mineradoras dentro do território Waimiri-Atroari são antigos. O que inclui diretamente o caso da Taboca-Paranapanema-Minsur desde a descoberta da mina de estanho nos 80 e o início da operação.
Um relatório da Comissão Estadual da Verdade do Amazonas aponta que a Paranapanema contou com capital japonês e laranjas brasileiros, fazendo referências a reportagens publicadas pela imprensa na época que denunciavam possíveis casos de corrupção e o lucrativo negócio da mineração, que reergueu a Paranapanema. O relatório também cita cooptação de lideranças e perseguição a ativistas que denunciavam a situação.
Nos anos 80, diz os Waimiri-Atroari, quando as suas terras não estavam demarcadas nem delimitadas, mas “interditadas para fins de atração e pacificação”, a área foi reduzida em 526 mil hectares cedidos para a Paranapanema/Taboca.
“Um processo de dependência econômica à empresa mineradora” era tão grave que “os sistemas produtivos econômicos dos Waimiri Atroari estavam sendo destruídos”. Doenças como sarampo, malária, verminose, leishmaniose, atingiam toda a população Waimiri Atroari, incluindo pandemias mortíferas para o povo indígena.
99 requerimentos na ANM miram a Waimiri-Atroari. 37 do Grupo Minsur.
Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) consultados por mim mostram que, hoje, a TI Waimiri-Atroari tem 99 requerimentos pendentes, quase a totalidade de pesquisa e de processos sobretudo dos anos 80, seguido da década de 90.
A Mamoré Mineração e Metalurgia, que é da Taboca e a própria Taboca lideram com 37 requerimentos de pesquisa e lavra que datam dos anos 80, com apenas um de 1978 e outro de 2004, para explorar zircão, cassiterita e estanho.
Todos, porém, tiveram movimentação em 2019. A aprovação do PL 191/2020 de Jair Bolsonaro, que libera mineração em terras indígenas, é considerada prioridade pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
Em nota, a Taboca negou o interesse na aprovação do PL. “Nossa atuação é baseada em princípios de responsabilidade social e ambiental e temos maior respeito aos nossos vizinhos, portanto não operamos e nem vamos operar em terras indígenas”, afirmou a Taboca.
Waimiri-Atroari quase foram dizimados na ditadura
Mais de 2 mil indígenas vivem na TI Waimiri-Atroari, localizada entre os estados do Amazonas e de Roraima. A TI conta com indígenas isolados, ainda mais vulneráveis. Durante a ditadura militar brasileira, os indígenas foram quase totalmente dizimados, reduzidos de 3 mil a pouco mais de 300 pessoas.
O alvo dos militares era a rodovia BR-174. Relatos contam que a ditadura chegou a despejar napalm por helicópteros contra os indígenas, arma conhecida por seu uso na Guerra do Vietnã. O genocídio está impune até hoje.