Por Guilherme de Sá Meneghin, no jornal A Sirene
Promotor de Justiça da Comarca de Mariana
A Fundação Renova foi constituída pelas empresas Samarco, Vale e BHP, em razão de um acordo formulado entre a União e os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Seu objetivo é executar programas de recuperação ambiental e socioeconômica na região, ações de obrigação primordial da Samarco, mineradora responsável pelo maior desastre da história do Brasil, com o colapso da barragem de Fundão no dia 5 novembro de 2015.
No entanto, como a homologação do acordo que previu a sua criação foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça, há um natural questionamento sobre a legitimidade da atuação da Fundação Renova no território de Mariana. É importante esclarecer que a criação da Fundação Renova não depende do acordo firmado pela União, estados e empresas. Sendo assim, mesmo que não houvesse o “acordão”, as empresas poderiam compor a Fundação para cumprir as atividades de recuperação dos danos causados pela tragédia.
Mas isso não quer dizer que a criação da Fundação extingue ou mesmo reduz a responsabilidade das empresas. Tanto é que a Samarco, a Vale, a BHP e a própria Fundação Renova figuram como rés em todas as ações ajuizadas pelo Ministério Público para tutela dos direitos dos atingidos de Mariana.
Falta de legitimidade
No entanto, a Fundação é rejeitada pela comunidade atingida e não conta com o respaldo do Ministério Público Federal nem do Ministério Público de Minas Gerais – que contestam veementemente o acordo celebrado sem o consentimento dos atingidos.
Para compreender essa conjuntura lastimável, precisamos entender a noção de legitimidade ou legitimação, que significa uma aceitação ampla, por uma comunidade, a respeito de uma entidade, órgão ou ato.
Esta aceitação somente é concretizada com a base na transparência das atividades e na participação dos membros da comunidade – dois requisitos essenciais que não estão presentes nesta relação e que são a fonte de toda ilegitimidade da Fundação Renova.
Transparência é o acesso a informações corretas, compreensíveis e claras. Os atingidos que acompanham a reformulação do cadastro e a aquisição dos terrenos para os reassentamentos, por exemplo, perceberam que muitas informações prestadas pela Renova eram equivocadas, provocavam atrasos nos processos ou mesmo errôneas. Por outro lado, a publicidade da Fundação procura transmitir uma sensação de que “está tudo certo”. Isso, definitivamente, não é transparência.
Já a carência de participação é, categoricamente, o maior problema da Fundação Renova. Analisando seu estatuto, nota-se a ausência de participação efetiva das vítimas do desastre na elaboração, fiscalização e execução de suas ações.
Todo poder está concentrado em seus órgãos internos e no Comitê Interfederativo – composto em sua maioria por pessoas indicadas pelas empresas e pelos governos que pouco ou nada fizeram pelos atingidos. Esse problema é tão relevante que foi o principal fundamento para a anulação da homologação do “acordão”.
Por isso, o Ministério Público, através da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana, contesta judicialmente a Fundação Renova e demanda formalmente medidas concretas para reparação integral dos direitos dos atingidos, sempre exigindo a sua participação em todas as providências que devem ser adotadas.
Ou seja, a Fundação Renova possui legalidade, pois sua criação está de acordo com a lei, mas não possui legitimidade, porque sua forma de administração, fiscalização e atuação não contempla de maneira adequada a participação dos atingidos, nem a transparência em suas ações.