Aprovado na madrugada do último sábado no Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), o licenciamento do projeto de mineração da Tamisa na Serra do Curral, empresa que é da construtora Cowan, não teria seguido adiante sem o aval prévio da prefeitura de Nova Lima.
O prefeito de Nova Lima, João Marcelo Dieguez Pereira (Cidadania), ocupou por dois anos, de julho de 2013 a junho de 2015, cargo na equipe de Gestão Econômica na diretoria de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos da mineradora Vale.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) entrou com uma ação contra a prefeitura de Nova Lima por considerar que o aval dado pelo prefeito e sua equipe para a Tamisa Mineração vai contra o Plano Diretor do próprio município, jamais poderia ter sido concedido e beira a improbidade administrativa, afirmam os promotores, que pedem na justiça a nulidade da declaração de conformidade municipal.
João Marcelo Pereira, 30 anos, foi vice-prefeito na gestão passada, e seguirá no mandato até 2024. Em 2009, por 3 meses, Pereira também foi estagiário da mineradora sul-africana AngloGold Ashanti, que atua em Nova Lima explorando ouro há quase 200 anos.
O MPMG detalha tecnicamente, na ação, como o aval dado pela prefeitura de Nova Lima para o empreendimento da Tamisa (Taquaril Mineração), vai contra a legislação municipal, em especial as normas de uso e ocupação do solo.
Mesmo assim, a prefeitura da cidade na região metropolitana de Belo Horizonte, historicamente repleta de projetos minerários, concedeu a aprovação para a Tamisa seguir com o licenciamento, aprovado pelo CMI/COPAM no sábado, 30 de abril.
A Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte e presente no brasão da cidade, já sofre há anos com a mineração, como a imagem em destaque mostra.
Projeto da Tamisa atinge mosaico de áreas protegidas
Ao elencar as ilegalidades da Declaração de Conformidade emitida pela prefeitura de Nova Lima, o MPMG destaca que a Tamisa pretende instalar o empreendimento na Serra do Curral, entre Nova Lima, Belo Horizonte e Sabará, em zonas de uso especial (incluindo a Zona Especial de Proteção Ambiental e a Zona Especial de Uso sustentável).
Isso viola o zoneamento estabelecido no Plano Diretor de Nova Lima, que veda projetos minerários nestes locais.
A região que será afetada pela Tamisa é “dotada de inestimável valor ambiental e cultural, composta por um emaranhado de espaços territoriais protegidos”, destaca os promotores (veja o mapa das áreas que serão atingidas pela mineração na Serra do Curral).
A área requerida pela Tamisa para extrair minério de ferro está inserida na Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço, na APA Sul RMBH, nas imediações das áreas de Tombamento Municipal e Federal da Serra do Curral, nas proximidades de duas unidades de conservação (Parque Estadual da Baleia e Parque Estadual da Serra do Rola Moça).
Tanto para a biodiversidade de Minas Gerais e do Brasil, a área que será devastada pela mineração é considerada de altíssima relevância e prioritária para a conservação.
O MPMG destaca ainda que o Plano Diretor de Nova Lima, publicado em 28 de agosto de 2007, permite mineração em qualquer área da cidade apenas onde houvesse direito de pesquisa e lavra outorgados até aquele ano, o que não é o caso da Tamisa Mineração. Essa seria a única exceção às regras previstas.
Não existe, portanto, qualquer possibilidade que justifique a concessão da declaração de conformidade pela prefeitura para a mineradora do Grupo Cowan.
Além do projeto da Tamisa, Nova Lima concentra diversos projetos minerários de alto impacto, como é o caso da AngloGold Ashanti, já mencionada e de projetos da Vale, que mantém uma das barragens mais críticas do Brasil, com risco iminente de rompimento, em Macacos, parte de Nova Lima e da mineradora francesa Vallourec, responsável pela estrutura que cedeu e causou transbordamento que atingiu uma rodovia e arrastou carros no início do ano.
Sem resposta
Procurada para comentar o histórico como funcionário de mineradoras do atual prefeito de Nova Lima, o potencial conflito de interesses e os fatos apresentados pelo MPMG na ação civil pública, a prefeitura de Nova Lima não se manifestou até a publicação dessa reportagem.
Caso o faça, o texto será atualizado.
A prefeitura de Nova Lima também não respondeu ao Ministério Público de Minas Gerais. A ação destacada nessa matéria afirma que, procurada para se posicionar em 20 de março de 2022, os promotores requisitaram que o prefeito de Nova Lima respondesse quais as razões que justificavam a concessão da declaração de conformidade para a Tamisa.
O que se seguiu foi um jogo de empurra da responsabilidade entre a Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria de Planejamento e Gestão.
“Trata-se claramente de postergamento ante a ausência de resposta adequada de mérito”, concluiu o MPMG, reforçando que a ausência de qualquer resposta técnica e detalhada apontava ainda mais para a nulidade do aval dado pela prefeitura.
A ação do MPMG, de 11 de abril, está pendente de decisão pela justiça. O caso pode ganhar a companhia de outras ações. A prefeitura de Belo Horizonte, por exemplo, estuda entrar na justiça contra o projeto de mineração na Serra do Curral.
A Tamisa Mineração também não retornou ao pedido de comentário da reportagem do Observatório da Mineração.
“Reforçamos o compromisso de buscarmos o licenciamento do nosso projeto seguindo rigorosamente a legislação ambiental vigente, e de utilizar as melhores práticas, nacionais e internacionais, para mitigar os impactos ambientais, desde a concepção, execução, até o encerramento do empreendimento Complexo Minerário Serra do Taquaril”, diz a mineradora em seu site.