Operação da Vale é interditada no Rio de Janeiro e prefeitura cobra mais de R$ 500 milhões em multas e impostos

A prefeitura de Mangaratiba, no Rio de Janeiro, interditou hoje as operações da Vale no terminal da Ilha da Guaíba (TIG), por onde a mineradora exporta cerca de 60 mil toneladas de minério de ferro por dia ou 40 milhões de toneladas por ano.

Essa foi a terceira interdição em menos de 2 anos. A prefeitura afirma que a Vale tem descumprido sistematicamente a legislação ambiental e que o terminal opera sem licença ambiental. A última licença obtida venceu em dezembro de 2011, fazendo com a mineradora esteja há quase 10 anos sem licença válida.

No entanto, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão ambiental do estado do RJ, já reverteu a decisão e desinterditou imediatamente o terminal. Procurado, o Inea não explicou como fundamenta essa desinterdição até a publicação dessa reportagem. Em nota enviada posteriormente (leia a íntegra no fim do texto), o Inea afirma que o terminal da Vale “foi interditado irregularmente pela Secretaria de Meio Ambiente de Mangaratiba, pois possui licença ambiental válida e em fase de renovação”.

“Para operar, a Vale se utiliza de uma Carta INEA de 31 de janeiro de 2019. Mas, não pode uma carta produzir mais efeitos que a licença, sob pena de abrir perigosíssimo precedente para a Vale S/A e permitir que daqui a mais uma década a empresa continue se valendo de uma simples carta declaratória. Isso é um meio de burlar a legislação ambiental que a obriga a ter licença e não carta”, disse o prefeito Alan Costa, do Progressistas, que foi reeleito em 2020 e está no segundo mandato.

A prefeitura de Mangaratiba afirma que a Vale responde a seis processos administrativos na cidade e cobra multas ambientais que, desde 2019, superam R$ 100 milhões, algumas delas suspensas na justiça. A interdição de hoje do terminal também gerou multa de R$ 1 milhão.

Além disso, a prefeitura também cobra outros R$ 408 milhões da Vale por sonegação de pagamento de ISS (Imposto Sobre Serviços) nas operações de transbordo de minério. Essa ação é mais antiga, desde 2013. Para chamar a atenção para essa sonegação, o prefeito chegou a bloquear a passagem de trem da Vale com o seu próprio carro em maio de 2020.

No total, são R$ 509 milhões cobrados em multas e impostos.

Não podemos aceitar que a Vale continue agindo de forma indiscriminada contra o Meio Ambiente. Queremos desenvolvimento, mas, que ele seja sustentável. Nossa ação pode ser dura, entretanto, faz parte da responsabilidade que todo gestor público precisa ter. Não é nada mais que nossa obrigação de fazer cumprir as leis”, diz o Secretário de Meio Ambiente de Mangaratiba, Antônio Marcos Barreto.

Diferentes versões

A prefeitura não informou ao Observatório da Mineração o que pretende fazer diante da imediata desinterdição feita pelo Inea e do histórico da Vale no município.

Porém, segundo a administração municipal, para voltar a operar a Vale precisaria apresentar uma carta do INEA emitida há menos de quinze dias dizendo que a licença de operação está válida, atestando o cumprimento das condicionantes. A prefeitura acusa a Vale de despejar efluentes de minério de ferro sem tratamento na Baía de Sepetiba, trazendo danos ambientais ao município e ao estado do RJ, além de não cumprir as condicionantes da licença de operação.

Em nota, a Vale afirmou que “possui as licenças necessárias para a regular operação do terminal, emitidas pelas autoridades competentes e, nesse sentido, irá adotar todas as medidas cabíveis para garantir a manutenção das suas atividades no TIG”.

Procurada pelo Observatório para detalhar a situação e responder às acusações da prefeitura, no entanto, a Vale não respondeu às perguntas e acrescentou somente que recebeu do Inea autorização para a manutenção de todas suas atividades portuárias no Terminal da Ilha Guaíba.

Leia na íntegra a nota do Inea:

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informa que o Terminal da Vale foi interditado irregularmente pela Secretaria de Meio Ambiente de Mangaratiba na manhã  desta quinta-feira  (22/4), pois a mesma possui licença ambiental válida (LO Nº IN001318 // AVB001151) e, em fase de renovação. Cabe ressaltar que o pedido de renovação da licença foi apresentado pela empresa dentro dos prazos legais, o que assegura a validade da mesma. Por essa razão, o instituto desinterditou o referido empreendimento.

O órgão ambiental estadual considerou arbitrária e irresponsável  a decisão da Secretaria de Meio Ambiente de Mangaratiba, uma vez que, conforme preconiza a legislação ambiental, o Inea é o órgão competente para licenciar e fiscalizar a operação do Terminal da Vale. Além disso, a interdição aplicada pelo ente municipal não apresenta respaldo em iminência ou flagrante degradação ambiental, mas tão somente em suposta inexistência de licença válida, que também não encontra qualquer fundamento com o processo administrativo conduzido pelo Inea. Cabe ressaltar que, em nenhuma das vistorias realizadas pelo Inea, especialmente nas recentes (última vistoria realizada em setembro de 2020) foi constatado cenário de dano ambiental que ensejasse medidas extremas de interdição sancionatórias ou de natureza cautelar.

É importante esclarecer que, em 2011, foi aprovada a Lei Complementar nº140, que define a cooperação entre os Governos Federal, Estadual e Municipal. De acordo com esta Lei, os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas.

O Inea é o órgão competente para licenciar, fiscalizar e acompanhar a operação da empresa. Assim, caso constatada infração, o instituto também é o órgão ambiental com atribuição para instaurar processo administrativo de apuração da infração constatada, conforme art. 17 da referida lei complementar. A Lei foi criada de forma a delimitar competências e evitar que a atividade de empreendimentos sejam alvo de diferentes fiscalizações, e ter que responderem a diversos órgãos ambientais ao mesmo tempo.

Excepcionalmente, a referida lei prevê a competência dos demais entes no caso de iminência ou ocorrência de flagrante degradação ambiental, caso em que o município poderia agir cautelarmente para evitá-la, fazê-la cessar ou mitigar seus efeitos, comunicando o fato imediatamente ao Inea, fato que não ocorreu: o processo administrativo realizado pelo município de Mangaratiba demonstra que não se tratou de interdição cautelar.

O Inea informa ainda que exerce sua competência originária de órgão de controle ambiental promovendo o acompanhamento contínuo e vistorias programadas, visando ao acompanhamento do desempenho ambiental da atividade.

Às 19:01h, a prefeitura de Mangaratiba respondeu novamente ao Observatório questionando a decisão do Inea. Leia a nota da prefeitura também na íntegra:

A Secretaria de Meio Ambiente de Mangaratiba, em face às controversas informações esclarece que:

– Não houve irregularidade no ato da Secretaria Municipal de Meio Ambiente ao interditar o Terminal da Vale na Ilha da Guaíba.

– A Licença de Operação do Terminal (LO 001318), emitida pelo INEA, está vencida há dez anos e em um infindável processo de renovação.

– Em 22 de abril de 2021, após atos administrativos que vêm se desdobrando desde 2019,  a Secretaria de Meio Ambiente de Mangaratiba, no uso de suas atribuições fiscalizatórias, conferidas pelo art. 17, parágrafo 3°, da Lei Complementar 140/2011, e pautada no dever de cooperação entre os entes federativos em matéria ambiental, conforme artigo 1° da mesma lei, realizou a interdição do Terminal Ilha Guaíba, polo de operação da Vale S/A.

– De modo diverso do que afirma o órgão estadual (INEA), a Secretaria Municipal pode, e deve, fiscalizar quaisquer empreendimentos, ainda que não seja o órgão licenciador, como também pode infracionar desde que não haja notícia de infração emitida pelo órgão originário e, no caso concreto, não há.

– O órgão licenciador (INEA), que procedeu a desinterdição sem qualquer comunicação formal a esta Secretaria, está ciente de todo o dano ambiental provocado pela Vale desde, pelo menos, 29 de julho de 2020, quando a Secretaria Municipal de Mangaratiba enviou denúncia de todos os ilícitos ambientais que a Vale S/A vem comentando no Município de Mangaratiba, através do Ofício 179/SMMA/2020, o qual gerou um processo administrativo no INEA SEI 070026/000852/2020, inclusive o fato de a Licença de Operação do Terminal (LO 001318), emitida pelo INEA, estar vencida há dez anos e em um infindável processo de renovação.

– Importante destacar que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Mangaratiba condicionou a desinterdição à emissão de uma certidão de regularidade das atividades, que deveria ser concedida pelo INEA, com base no art. 18, parágrafo primeiro do Decreto Estadual 44.820/2014. Portanto, o INEA poderia ter fornecido tal certidão em vez de, unilateralmente, desfazer ato administrativo Municipal.

– Contudo, mesmo ciente de inúmeros descumprimentos à Licença que o próprio emitiu, o INEA não respondeu a nenhuma  das denúncias constatada pelo município. Com isso o órgão ambiental municipal, que detém a competência comum para fiscalizar, além do Poder de Polícia Ambiental, por ser integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente, teve que agir para resguardar o direito fundamental previsto no art. 225 da Constituição Federal.

– A Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Mangaratiba considera que a declaração do INEA de que a decisão tomada foi “irresponsável e arbitrária” é descabida, fora de contexto e fere o princípio claro da cordialidade entre entes que só deveriam ter um objetivo: evitar o descarte flagrante de minério nas águas da Baía da Ilha Grande, dentro do território de Mangaratiba, local de bioma raríssimo, bem como a constante emissão de partículas que afetam a saúde de seus trabalhadores, praias do município e residências de moradores.

– Ao invés de atacar o ato legal da SMMA,  o INEA poderia ter aproveitado a ocasião e se unir aos esforços do município de Mangaratiba, que sofre o impacto local, para ser uma terra sem tantas degradações ambientais.

Terceira ação no RJ em poucos dias

O prefeito Alan Costa, conhecido como Alan Bombeiro, assumiu o governo de Mangaratiba em 2018 após o prefeito eleito em 2016 ser barrado pela Lei da Ficha Limpa e o ex-presidente da Câmara de Vereadores, que segue foragido da justiça, ser acusado de desviar R$ 17 milhões da cidade.

Curiosamente, essa é a terceira ação feita por prefeituras do estado do Rio de Janeiro em operações de mineradoras e terminais de exportação de minério em poucos dias. Na sexta passada (16), a CSN Mineração foi interditada em Itaguaí, na Baía de Sepetiba. A decisão foi revertida no sábado (17).

Na terça (20), também em Itaguaí, a prefeitura multou o Porto Sudeste –controlado pelas multinacionais Mubadala e Trafigura–, em quase 3 milhões de reais por descumprimento de normas ambientais, o que foi negado pelas empresas.

AJUDE A MANTER O OBSERVATÓRIO

O Observatório da Mineração precisa do apoio dos nossos leitores com o objetivo de seguir atuando para que o neoextrativismo em curso não comprometa uma transição energética justa.

É possível apoiar de duas formas. No PayPal, faça uma assinatura recorrente: você contribui todo mês com um valor definido no seu cartão de crédito ou débito. É a melhor forma de apoiar o Observatório da Mineração. Aceitamos ainda uma contribuição no valor que desejar via PIX, para o email: apoie@observatoriodamineracao.com.br (conta da Associação Reverbera).

Siga o site nas redes sociais (Twitter, Youtube, Instagram, Facebook e LinkedIn) e compartilhe o conteúdo com os seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores, desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil. Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Sobre o autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *