OCDE defende simplificação do licenciamento e concessão automática para o setor mineral em relatório

Mais de um ano e meio depois do início do projeto, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) finalmente entregou para a Agência Nacional de Mineração (ANM) o relatório final da previsão de passar uma “guilhotina regulatória” no setor mineral, conforme revelou o Observatório da Mineração em junho de 2020.

E a entrega, que prevê uma série de eventos e debates para colocar em prática as recomendações da OCDE, vem logo após o sinal do clube dos países ricos de que estão dispostos a aceitar o ingresso do Brasil.

O processo para confirmar esse casamento, porém, pode durar de 2 a 5 anos. O Brasil já atendeu a mais de 100 das 250 medidas regulatórias requeridas pela OCDE. O meio ambiente é um dos “entraves” para a conclusão da parceria.

O desmonte ambiental do governo de Jair Bolsonaro e a subida recorde do desmatamento na Amazônia, por exemplo, se somam ao fato de que o Brasil atendeu a menos de 10% dos requisitos ambientais da OCDE.

A teoria parece ignorar que a mineração é parte essencial do meio ambiente brasileiro, do equilíbrio climático mundial e do mercado global de commodities. O convite da OCDE foi encarado com entusiasmo por analistas.

Entre as principais recomendações da OCDE para o setor mineral brasileiro está a simplificação do licenciamento.

“Desenvolver e implementar uma política detalhada de simplificação administrativa e redução de entraves para todas as formalidades e burocracias governamentais no setor de mineração, com ênfase no licenciamento”, diz, letra a letra, a recomendação.

No meio do palavrório técnico e após várias formalidades sobre “sustentabilidade” e “segurança”, é ao destacar o licenciamento que a OCDE mostra que a “guilhotina regulatória” pedida em 2020 não é mera figura de linguagem.

A ANM, como destacamos aqui em matéria recente, já começou na prática a modificar todo o arcabouço infralegal da mineração brasileira. Processos automatizados, fiscalização remota, autorização instantânea para alguns requerimentos após o fim de prazos curtos, redução de burocracia.

A requisição de pesquisa mineral passou a ser feita online e de forma autodeclaratória. Em poucos minutos a solicitação é gerada e em até um mês é aprovada. O empresário define a área que quer pesquisar e garante que não haverá interferência em áreas indígenas, por exemplo. Se, no futuro, a frágil fiscalização encontrar irregularidades, o empreendedor pode sofrer alguma sanção.

Desde 2021, ainda, a ANM passou a conceder a Guia de Utilização para o minerador em fase de pesquisa sem a necessidade de uma vistoria presencial e antes mesmo do licenciamento ambiental.

Agora a vistoria não é mais condicionante e o pedido de licenciamento acontece ao mesmo tempo. Isso garante “mais agilidade”, diz a ANM e faz com que o empresário não precise aguardar numa fila. A liberação é praticamente automática e tem prazo máximo de 34 dias.

A OCDE não só elogia essas mudanças, como afirma que existem planos para expandir essa regra até a fase de concessão e que “esses esforços devem ser intensificados”.

Foto de destaque: Carlos França, Ciro Nogueira e Paulo Guedes festejam o convite para a entrada do Brasil na OCDE

Silêncio é consentimento

O relatório da OCDE aplaude a Lei de Liberdade Econômica publicada em setembro de 2019 pelo governo Bolsonaro e defende a agilidade de processos, trâmites, “pressões e outros custos” que a regulamentação cria.

Nesse contexto, atividades econômicas de “baixo risco” estariam “livres de qualquer tipo de licença ou autorização governamental para iniciar ou continuar as operações, e a instituição da regra do “silêncio é consentimento” nos trâmites do governo, com ressalvas e exceções específicas” é bem-vinda para a mineração, diz a OCDE.

A “flexibilização” do licenciamento ambiental, em geral, é uma das prioridades listadas pelo governo Bolsonaro para 2022.

O princípio do “silêncio é consentimento” significa que os pedidos de licenças e autorizações obtêm uma aprovação automática caso a agência governamental não forneça uma resposta oficial no prazo definido.

De acordo com a legislação, os órgãos do Poder Executivo deverão emitir a classificação das atividades de baixo risco, que serão dispensadas de licenças e alvarás.

“A ANM já começou a trabalhar nessa lista, mas ela não foi concluída nem divulgada publicamente. A ANM poderia aproveitar esses elementos para impulsionar sua estratégia de simplificação. A agência poderia considerar propor novas reformas na estrutura jurídica das atividades de mineração para permitir casos específicos em que se aplicaria a regra do “silêncio é consentimento”, seguindo um critério de ponderação do risco representado por esses casos”, recomenda a OCDE.

Essas atividades de baixo risco incluem a pesquisa. No entanto, lamentam os observadores internacionais, “as ações de fiscalização pré-autorizativa ainda são realizadas para conceder concessões de exploração”.

Após todas essas recomendações, a OCDE adverte protocolarmente que “dados os riscos e complexidades inerentes ao setor de mineração, é necessário prestar atenção especial às atividades de simplificação, incluindo o uso da regra do “silêncio é consentimento”. Embora a eliminação de barreiras regulatórias seja bem-vinda, quando adequada, ela deve ser acompanhada por uma avaliação de risco dos regulamentos que estão sendo modificados ou anulados”.

Para a OCDE, “percepção negativa” da mineração no Brasil deve ser combatida com mais investimentos pelo governo

O relatório da OCDE para a ANM é claro. “A existência de uma percepção negativa do público em relação às atividades de mineração no Brasil”, que “parece permear toda a sociedade brasileira”, tem explicação em eventos históricos desde a época colonial e nos recentes rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, diz a OCDE.

Para a OCDE, isso não se sustenta quando consideramos o peso econômico da mineração no Brasil, de (meros, diga-se) 2,4% do PIB. A questão a ser enfrentada, acreditam os avaliadores internacionais, “é como conciliar um setor de tamanha relevância econômica com a percepção que este setor passa para o público em geral”.

Segundo a OCDE, “há uma necessidade clara de mostrar os efeitos positivos das atividades de mineração para a população”. Além disso, acreditam, contra todos os exemplos recentes e históricos no Brasil e na América Latina, “é necessário estabelecer a confiança da comunidade por meio da transparência e do envolvimento contínuo para demonstrar que o regime regulatório é eficaz para equilibrar os objetivos comerciais e sociais”.

Um dos destaques da OCDE para colocar isso em prática é o Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD). O mesmo PMD que, como revelamos em dezembro de 2020, teve as suas metas literalmente ditadas pelo setor mineral, ignorando completamente a sociedade civil.

O mesmo PMD que prevê abrir terras indígenas para mineração e que foi apresentado a embaixadores estrangeiros, que está por trás do decreto de Bolsonaro (suspenso pelo STF) que permite a destruição de cavernas, que influencia diretamente nos subsídios bilionários para a indústria do carvão e que baliza o lobby mineral em Brasília, incluindo a reforma do Novo Código de Mineração.

Segundo a recomendação da OCDE, é preciso “assegurar a implementação das disposições do PMD que visam melhorar a percepção do público em relação ao setor de mineração e realizar avaliações periódicas de seu impacto para complementar e aprimorar a estratégia”.

Sobre o Novo Código, porém, a OCDE reconhece que é necessário “regulamentos específicos para garantir uma gestão adequada dos processos de fechamento e recuperação” de minas, ponto crítico hoje com tantas barragens em nível de emergência e que “uma avaliação mais detalhada sobre a segurança e proteção dos trabalhadores no setor de mineração é necessária para determinar a necessidade de adotar medidas ou alterar as disposições existentes para reduzir o risco de acidentes de mineração e melhorar o bem-estar dos trabalhadores”.

Acidentes e mortes são constantes na mineração, setor entre os mais letais para os trabalhadores no Brasil e no mundo. Ontem, um funcionário da Vale de 33 anos morreu ao cair em um tanque com minério em Itabira (MG).

Garimpo

O relatório da OCDE afirma ainda, em capítulo dedicado ao garimpo ou “mineração artesanal”, que “as estratégias de fiscalização dos padrões de segurança nas operações de mineração artesanal não são adequadas para garantir a conformidade regulatória”.

Isso afeta diretamente a situação dos trabalhadores, empurrados para a informalidade e, não raro, para o trabalho escravo, a degradação ambiental causada pelos garimpos, em especial na Amazônia e a falta de políticas públicas claras para um setor fortemente ilegal.

“O Ministério de Minas e Energia e a ANM estão trabalhando juntos para formalizar o trabalho dos garimpeiros em atividades de mineração de ouro e em geral. O PMD também inclui disposições para promover a formalização e incentivar o cooperativismo na atividade de mineração, bem como para promover a adoção de boas práticas na mineração de ouro”, diz a OCDE.

Como são medidas recentes, “o desafio é garantir a sua implementação, realizar a avaliação de seu impacto e complementá-las com os incentivos adequados para promover o cumprimento das normas legais, de modo a proteger a segurança dos profissionais de mineração e das comunidades locais, bem como para proteger o meio ambiente dos danos gerados pelas atividades de extração informais”, acreditam.

Embora depositem esperanças no Conselho da Amazônia presidido por Hamilton Mourão, que é próximo de líderes garimpeiros, a OCDE termina recomendando que é preciso “desenvolver uma estratégia articulada entre diferentes setores e instituições para combater a mineração ilegal, que deverá reunir as iniciativas recentes a este respeito. O uso e intercâmbio de dados e inteligência, e o forte uso de ferramentas de Tecnologia da Informação e Comunicação, devem estar no centro desta política”.

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