Palco frequente do desfile de inúmeros lobistas da mineração e parlamentares alinhados ao setor mineral, muitos deles financiados por grandes mineradoras e donos de garimpo, a Câmara dos Deputados recebeu uma audiência pública diferente na tarde da última quinta-feira, 27 de abril.
O Observatório da Mineração e o Sinal de Fumaça levaram para o Congresso o debate sobre o modelo mineral brasileiro, colocado em xeque, questionando qual o padrão de desenvolvimento que o Brasil deseja seguir em um momento crucial para combater a crise climática causada em boa parte pela mineração.
É preciso ter memória, defendi. Memória sobre o histórico da mineração e sobre o que o governo de Jair Bolsonaro deixou como legado, uma “bomba climática e anti-indígena”, como afirma o relatório “Dinamite Pura”, lançado recentemente.
O modelo econômico voltado para a mera exportação de commodities que replica violações socioambientais e coleciona desastres não pode se repetir agora que a mineração é tida como essencial para a transição energética.
Assista a primeira fala:
“Discutir mineração é também discutir o uso da terra. Nós vivemos praticamente uma doutrina de choque durante o governo Bolsonaro. Vemos a total conivência e omissão das autoridades com ações ilegais dentro de terras indígenas e o apoio para grandes empresas acessarem minerais estratégicos para o Brasil”, afirmou Rebeca Lerer, do Sinal de Fumaça.
O Superintendente de Arrecadação da Agência Nacional da Mineração (ANM), Daniel Pollack, fez uma apresentação detalhada com o estado de penúria e sucateamento vivido pela ANM, que torna impossível a fiscalização efetiva dos recursos que deveriam ser arrecadados, a garantia da segurança de barragens e a devida regulação das mineradoras. Pollack também comentou as contribuições do relatório sob a ótica da ANM.
“Os compromissos da agenda climática assumidos pelo governo Lula não poderão ser cumpridos sem a revisão da política mineral”, lembrou o deputado Nilto Tatto (PT-SP), que presidiu a sessão.
Em seguida, eu apresentei as 20 sugestões do relatório para mudar e aperfeiçoar a política mineral em curso no Brasil neste momento de retomada da governança. Veja:
Na plateia, Ana Alfinito, assessora jurídica da Amazon Watch, afirmou, citando o caso da mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu, no Pará, que mineradoras costumam operar no Brasil “como se não houvesse Estado de Direito” e “violando todas as normas”, em vários níveis.
Os participantes da audiência contribuíram com perguntas sobre a situação dos trabalhadores em garimpo, a destinação adequada dos recursos da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral) nos municípios e a impossibilidade de se apontar um exemplo de “mineração sustentável”, apesar das tentativas de políticos e empresas em vender essa ideia, uma contradição pela própria natureza da atividade mineral.
Comentei estes e outros pontos:
Vivemos um momento crucial para começarmos a mudar a realidade histórica da mineração brasileira, que contribui muito pouco para o desenvolvimento nacional e deixa um legado de gigantes passivos socioambientais nos lugares em que atua.
Mais de 1 bilhão de toneladas de minerais são extraídos da terra todos os anos no Brasil, abastecendo o mercado global de commodities. As empresas transnacionais contam com inúmeros subsídios e incentivos fiscais, isenções de impostos e uma regulação totalmente comprometida e corrompida pelo lobby mineral.
Os inúmeros erros do passado não podem continuar se repetindo em um terceiro governo Lula que almeja deixar um legado climático e ambiental diferente das gestões anteriores do PT.
A íntegra da audiência pode ser assistida abaixo.
Foto de destaque: Vinícius Loures / Câmara dos Deputados