Minerais críticos e seus impactos na biodiversidade receberam abordagem superficial na COP16

ANÁLISE

Por Gabriela Sarmet e Maurício Angelo*

Na COP16, a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Biodiversidade, realizada em Cali, Colômbia, encerrada na semana passada, os debates sobre mineração e sua relação com a perda de biodiversidade estiveram relegados a eventos paralelos e breves menções nos espaços de negociação.

Embora o setor mineral seja um dos principais vetores de destruição de ecossistemas, a abordagem foi superficial, revelando uma evidente dissonância entre as discussões sobre transição energética e as práticas predatórias associadas à extração de minerais críticos.

Durante a abertura oficial, o presidente Gustavo Petro fez um apelo para uma “revolução mundial da humanidade” em defesa da vida, responsabilizando as nações do Norte Global pelos maiores níveis de emissões e destacando a necessidade de uma ruptura com o neoliberalismo.

Petro denunciou a acumulação de capital e o consumo desmedido de carbono como os principais fatores da tripla crise planetária, mencionando a “obrigação do capital em descarbonizar” e defendendo a necessidade de uma regulação robusta dos mercados por meio de um Estado atuante e com apoio da sociedade.

O discurso do presidente colombiano destacou a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos, que, em busca de minerais críticos para suas tecnologias “verdes”, colocam em risco as regiões mais biodiversas do planeta.

Apesar da retórica sobre descarbonização e responsabilidade, a COP16 não propôs um compromisso efetivo para proteger esses ecossistemas das atividades extrativas

Ao contrário, o texto final das negociações foi atenuado devido à pressão de países com grande dependência do agronegócio, em especial da criação de gado. Esse bloco, com intensa atuação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) junto à delegação brasileira, buscou remover trechos que mencionavam diretamente os fatores humanos como causadores prováveis de doenças zoonóticas. As referências a “fatores mediados por humanos” foram rapidamente criticadas, pois incluíam fatores como “a crescente demanda humana por proteína animal”, “intensificação agrícola insustentável” e “mudança no uso da terra e indústrias extrativas”.

Após muitas discussões e controvérsias, o texto foi reformulado para uma versão suavizada: “Doenças infecciosas emergentes em animais silvestres, domésticos, plantas ou humanos podem ser exacerbadas por atividades humanas, como práticas insustentáveis de mudança no uso da terra e fragmentação de habitat.” Essa alteração dilui a conexão entre o agronegócio, práticas extrativas a escala industrial e o aumento de zoonoses, além de omitir fatores específicos que contribuem para a proliferação de doenças.

De maneira geral, pouco foi discutido sobre políticas de regulamentação e compensação para os países do Sul Global que, ao serem transformados em “celeiros de minerais críticos,” enfrentam ameaças ecológicas e socioeconômicas sem qualquer garantia de proteção.

Foto de destaque: Divulgação COP 16

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Riscos ecológicos em Áreas Críticas para a Biodiversidade, propostas tímidas e o risco Trump/Musk

Em um dos eventos paralelos, “Blindspots of the Energy Transition,” houve uma clara exposição dos impactos devastadores do setor mineral nas florestas e áreas ecologicamente sensíveis. Em países como Indonésia, Congo e Brasil, milhões de hectares de floresta tropical estão sobrepostos por concessões minerais, ameaçando não apenas a biodiversidade, mas também comunidades locais e a segurança climática.

Representantes de instituições como a Universidade de Exeter e Earth Insight apresentaram dados alarmantes: 29% das minas a nível global ligadas à transição energética estão localizadas em áreas de biodiversidade crítica, e a mineração industrial no fundo do mar (deep sea mining) em locais essenciais para a segurança planetária já está sendo autorizada por alguns países, como na Noruega.

Os debates sugeriram a criação de “Zonas de Exclusão” (No Go Zones) para áreas ecologicamente críticas, onde a exploração de minerais seria totalmente proibida. A proposta levanta a urgência de definir limites claros para a expansão extrativa, especialmente em regiões de extrema relevância para a estabilidade e segurança climática planetária.

Contudo, como apontam os pesquisadores, a falta de padronização e a fragmentação dos dados globais sobre cadeias de suprimentos de minerais críticos tornam difícil o monitoramento e a implementação de uma política internacional eficaz de proteção.

A Colômbia propôs um novo tratado global vinculativo sobre a rastreabilidade para os minerais necessários para a transição de energia limpa ao longo de toda a sua cadeia de suprimentos — da mineração à reciclagem. A iniciativa segue uma das recomendações feitas por um relatório da ONU sobre minerais críticos publicado em setembro, que sugeriu uma plataforma de transparência para ajudar a garantir uma transição justa na cadeia de minerais críticos que poderia ser lançada por países produtores de tais minerais, como a Colômbia. A iniciativa, porém, deve ser estruturada, ganhar corpo e novas adesões além do país proponente somente na COP 30 prevista para Belém em 2025.

Propostas como essa, porém, podem ser sabotadas pelo recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um histórico negacionista climático que teve em Elon Musk o maior apoiador da sua campanha. Além de doar mais de $ 100 milhões de dólares, Musk foi uma das vozes mais ativas da campanha republicana e deverá assumir como chefe do novo “Departamento de Eficiência Governamental”, colocando em prática todos os planos ultraliberais que defende e favorecendo diretamente as suas empresas, o que inclui a Tesla, fabricante de veículos elétricos que depende dos minerais de transição, setor chave para os negócios de Musk.

A política protecionista deverá impactar em concorrentes chinesas da Tesla, por exemplo, como a BYD e GWM, com reflexos no mercado de carros elétricos – e minerais críticos – do Brasil. Musk, vale lembrar, tem um contrato com a Vale para o fornecimento de níquel para a Tesla. O empresário que agora será membro do governo dos Estados Unidos e um dos homens mais próximos de Donald Trump também coleciona ataques contra o Supremo Tribunal Federal brasileiro e é um notório aliado da família Bolsonaro, que tentará voltar ao poder em 2026.

Plenária final da COP16 / Divulgação

Mineração e transição energética precisa avançar em futuras COP’s

Foi notável na COP16 a crescente presença de consultorias do setor mineral que tentam alinhar-se ao discurso da transição energética, promovendo seus serviços de assessoria e modelos de diligência devida para cadeias de suprimentos de minerais críticos. Entidades como a Aliança pela Mineração Responsável (ARM) e a Initiative for Responsible Mining Assurance (IRMA) estiveram ativamente presentes, promovendo suas diretrizes de “mineração responsável” como respostas para os desafios ecológicos da transição energética.

Embora apresentadas como iniciativas de “devida diligência”, essas diretrizes parecem funcionar mais como ferramentas de marketing do setor mineral, pois desviam o foco das questões estruturais e buscam legitimar a continuidade da extração sem questionar a. Ao invés de questionarem a expansão dos projetos de mineração e seus impactos cumulativos.

A COP16 evidenciou, mais uma vez, as contradições e insuficiências das discussões sobre transição energética e biodiversidade. Em um momento em que a crise ecológica se intensifica, a dependência de minerais críticos para tecnologias “verdes” sem medidas de proteção adequadas coloca ecossistemas e comunidades do Sul Global em risco.

É fundamental avançar em regulamentações mais rígidas e em uma revisão crítica das práticas extrativas, indo além da maquiagem verde proposta por algumas consultorias e entidades do setor.

É possível dizer que a COP16 foi uma oportunidade perdida para estabelecer limites claros para o setor mineral e para reconhecer o papel das comunidades locais na preservação da biodiversidade – apesar do feito histórico de reconhecer as comunidades indígenas e quilombolas com a criação de um órgão subsidiário permanente com poder de influência em futuras COP’s. A decisão foi celebrada pelo governo Lula.

Sobretudo, no tema mineral, vimos um fortalecimento de iniciativas corporativas que, ao promover a “responsabilidade”, continuam a justificar a exploração. O verdadeiro desafio para futuras Conferências das Partes, incluindo a COP 29 que começa na próxima segunda no Azerbaijão, será adotar uma abordagem que priorize a preservação ambiental e o respeito aos direitos humanos sobre os interesses do mercado.

*Gabriela Sarmet é consultora do Observatório da Mineração e acompanhou in loco as discussões da COP 16 na Colômbia.

* Maurício Angelo é Diretor Executivo do Observatório da Mineração.

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