Menos de 10% dos garimpos de ouro estão dentro da legalidade

Apenas 185 das 1943 permissões de lavra garimpeira de ouro validadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) estão em conformidade com todos os critérios legais avaliados pelo Portal da Transparência do Ouro (PTO), ou 9,5% do total.

A plataforma foi desenvolvida pela ONG WWF Brasil com o apoio do Núcleo de Pesquisa para a Mineração Responsável da Universidade de São Paulo e do Instituto Igarapé. O PTO utiliza informações disponíveis em bases de dados públicos de diferentes órgãos do governo federal – como ANM, Receita Federal, MMA, Funai e Ibama – para permitir uma análise automatizada das Permissões de Lavra Garimpeira.

Além disso, permite consultas a imagens de satélite mensais para verificar a efetiva utilização das áreas para extração mineral. Os critérios de análise do PTO são divididos em pacotes, a partir dos quais são gerados relatórios que apontam a conformidade do processo mineral em relação aos atributos observados.

Chama a atenção o caso do Pará, maior estado garimpeiro do Brasil, que possui apenas 21 PLG’s regulares de acordo com os critérios da ferramenta. O WWF afirma que o potencial nas análises que o PTO oferece permitem analisar diferentes informações e cenários de maneira mais ágil. Além desse olhar mais detalhado sobre a situação do Pará, que é emblemática, considerando o protagonismo do Estado na produção de ouro no país, outras informações importantes, como é o caso da apresentação de licenças ambientais, relatórios anuais de lavra e pagamento de CFEM, podem ajudar numa compreensão mais precisa da cadeia do ouro em si, seus desafios e gargalos e assim, otimizar a implementação de ações de comando e controle e outras políticas públicas para o setor, acredita a ONG. 

“Em relação aos baixos números de conformidade, várias são as possíveis razões para esse cenário… Desde o estímulo a atividade pelo governo anterior, a fragilidade da legislação (questionada inclusive no STF) e à falta de estrutura (financeira e de pessoal) não apenas da ANM, que é responsável pela análise das PLGs, mas dos demais órgãos que atuam em conjunto no processo de concessão de títulos minerários e acompanhamento da comercialização dos minérios. Sem dúvidas é importante dar suporte para que estes órgãos possam reorientar suas atuações, incrementando respostas rápidas às falhas e potenciais desvios no sistema”, afirma Marcelo Oliveira – Especialista de Conservação do WWF-Brasil e um dos criadores da ferramenta. 

Foto de destaque: Araquém Alcântara/WWF-Brasil

Problemas na ANM estimulam explosão do garimpo ilegal

Os problemas na ANM, como a falta de infraestrutura, recursos humanos insuficientes e orçamento subdimensionado, são reconhecidos pela agência e por órgãos de controle, como o TCU e a Controladoria Geral da União, há muito tempo.

Relatório de auditoria de 2022 da Controladoria-Geral da União (CGU) reforça a análise do WWF e apontou, na época, que as autorizações para garimpos pela ANM são dadas mesmo com documentos incompletos, sem verificação, transparência, padronização e que as superintendências regionais da ANM apresentam erros sistêmicos. A consequência é a facilidade para que garimpeiros obtenham permissões de lavra garimpeira (PLG’s) sem a devida checagem de licenças ambientais. Outra auditoria, do TCU, publicada mês passado, confirmou que há evidências de lavra ilegal por guias de utilização concedidas sem licenciamento ambiental pela ANM.

Não por acaso, a área minerada pelo garimpo saltou 632% dentro de terras indígenas de 2010 a 2021, de acordo com o Mapbiomas. Em 2021, auge dos efeitos da desregulamentação, falta de fiscalização e incentivo à atividade ilegal feita pelo alto escalação do governo Bolsonaro, além da cotação elevada do ouro no mercado internacional, o garimpo registrou a maior expansão em 36 anos, devorando 15 mil hectares de num único ano. Em cinco anos, de 2017 a 2021, novas áreas de garimpo atingiram 59 mil hectares, superando todo o espaço tomado pela atividade garimpeira até o fim da década de 80. Outro estudo, do Instituto Escolhas, mostrou que apenas de 2015 a 2020 o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. Isso representa quase metade do total de 487 toneladas exportadas. O destino são os grandes mercados do mundo. Quase todo o ouro brasileiro é exportado. Em 2019, o Canadá, o Reino Unido e a Suíça registraram 71% de todas as importações de ouro do Brasil.

Foto: Isis Medeiros/Observatório da Mineração

Plataforma pode ajudar a melhorar cenário

Inicialmente, o Portal da Transparência do Ouro (PTO) será direcionado justamente a agências de governo como a ANM, com acesso concedido sob análise e demanda para jornalistas e pesquisadores. O WWF-Brasil afirma que tem buscado espaços de construção com diferentes instituições, como o IBAMA. Além disso, um processo de disseminação da ferramenta em espaços e eventos está em curso.

“Acreditamos que levar o PTO ao poder público como uma ferramenta de apoio ao monitoramento da atividade garimpeira de ouro na Amazônia é uma contribuição importante da sociedade civil organizada. Esperamos incluir outras instituições no processo e aumentar o número de usuários até o final do ano. A ferramenta será constantemente avaliada”, afirma Marcelo Oliveira, do WWF. 

 Em resposta à reportagem, a ANM  afirmou que “não teve acesso à metodologia utilizada pela WWF para chegar aos resultados divulgados”, mas que “entende a importância dessa ferramenta e se coloca à disposição para discussões e possibilidades de parceria”.

Iniciativas como essa podem e devem melhorar o complexo cenário de transparência e controle da cadeia do ouro na Amazônia e em todo o território nacional, que tem ensejado a lavagem de bilhões de reais e acumulam impactos significativos em áreas protegidas.

AJUDE A MANTER O OBSERVATÓRIO

O Observatório da Mineração precisa do apoio dos nossos leitores com o objetivo de seguir atuando para que o neoextrativismo em curso não comprometa uma transição energética justa.

É possível apoiar de duas formas. No PayPal, faça uma assinatura recorrente: você contribui todo mês com um valor definido no seu cartão de crédito ou débito. É a melhor forma de apoiar o Observatório da Mineração. Aceitamos ainda uma contribuição no valor que desejar via PIX, para o email: apoie@observatoriodamineracao.com.br (conta da Associação Reverbera).

Siga o site nas redes sociais (Twitter, Youtube, Instagram, Facebook e LinkedIn) e compartilhe o conteúdo com os seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores, desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil. Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Sobre o autor