Maiores cidades mineradoras registram pulverização ideológica de prefeitos eleitos, que terão desafios cruciais pela frente

ANÁLISE

As 30 cidades com a maior arrecadação de royalties da mineração (CFEM) do Brasil elegeram prefeitos de matizes ideológicas diversificadas, embora haja certa tendência para a direita. Juntas, essas cidades arrecadaram R$ 5,6 bilhões de reais em CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral) em 2023.

Os municípios analisados, porém, concentrados principalmente em Minas Gerais (18) e no Pará (8) não registram a dominância absoluta do Centrão verificada na média brasileira.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB), por exemplo, aparece na liderança do número de prefeitos eleitos, com cinco, ao lado do MDB, também com cinco, dois partidos grandes que costumam manejar muito bem suas alianças ao sabor do momento e tem história na política do país.

O PRD, criado a partir da fusão do Patriota com o PTB em 2022, elegeu três prefeitos, assim como o Cidadania. Republicanos e Solidariedade aparecem com dois prefeitos, e PL, Avante, PMB, PSDB, PV, União, PP e PDT com um prefeito, a exemplo do PSD, líder nacional no número de eleitos que, entre as 30 maiores arrecadações de CFEM, elegeu apenas um representante.

A esquerda do bloco representado por PT e PSOL não elegeu nenhum prefeito, mas o PC do B ficou com a prefeitura de Itagibá, na Bahia.

O alinhamento ideológico partidário, porém, que já diz muito pouco no Brasil em geral, diz menos ainda nas eleições municipais e para um setor como a mineração, que não se importa com o aparente viés dos representantes eleitos, uma vez que o lobby do setor conversa igualmente com todas as matizes ideológicas e busca estar sempre próximo do poder para garantir os seus interesses e avançar com as suas pautas, não importando a sigla do partido.

E, mesmo com as doações diretas de empresas para campanhas eleitorais proibidas desde 2014, executivos de mineradoras e pessoas ligadas à mineração costumam doar como pessoas físicas para os seus candidatos favoritos. É o caso, por exemplo, dos R$ 400 mil doados por figuras ligadas ao garimpo para prefeitos e vereados na bacia do Rio Tapajós, no Pará, em 2020.

O atual deputado estadual Wescley Tomaz (Avante), proeminente figura apoiadora do garimpo que teve trânsito livre em Brasília durante os anos de Bolsonaro para fazer o lobby dos garimpeiros, como o Observatório da Mineração mostrou ainda em fevereiro de 2020, perdeu a eleição de Itaituba (PA), centro nacional do garimpo ilegal, para Nicodemos Aguiar, do MDB.  Todos os candidatos da “cidade pepita”, que nos dois últimos ciclos era comandada por Valmir Climaco, empresário com vasta ficha questionável, são apoiadores do garimpo.

Foto de destaque: Aurélio Goiano eleito em Parauapebas / Divulgação

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Entre novas e velhas caras, prefeitos terão que lidar com questões cruciais

Nas principais cidades mineradoras, algumas reeleições, novas caras e troca de cadeiras com o apoio de velhos nomes. Em Parauapebas, no Pará, que arrecadou R$ 1,1 bilhão de CFEM em 2023, Aurélio Goiano do Avante se tornou o prefeito mais votado da história da cidade, com 58% dos votos válidos, mais de 91 mil votos, derrotando Rafael Ribeiro (União Brasil), apoiado pelo atual prefeito Darci Lermen (MDB), que não pôde se candidatar por já estar cumprindo o segundo mandato seguido e o quarto na história. A gestão de Lermen é avaliada como ruim ou péssimo por 67% da população de Parauapebas, centro do maior complexo minerário do Brasil e um dos maiores do mundo, o de Carajás, controlado pela Vale. Goiano apoiou Jair Bolsonaro na eleição de 2022, quando era vereador, mantém-se um bolsonarista fiel, apresenta-se como “fiscal do povo” e tem discurso anticorrupção. O perfil se repete em Marabá, uma das maiores e mais importantes cidades do Pará, reduto bolsonarista que elegeu Toni Cunha, o único prefeito do PL da lista.

A cidade vizinha de Canaã dos Carajás, que também arrecadou R$ 1,1 bilhão, viu a reeleição de Josemira do MDB com impressionantes 80,5% dos votos, fechando a trinca de municípios na zona de influência do complexo minerário da Vale. Conceição do Mato Dentro, em MG, terceira no ranking, polo de exploração de minério de ferro da Anglo American, teve a vitória de Otacilinho do PSB.

O top 10 de cidades com a maior arrecadação de CFEM, aliás, dá ampla vantagem ao PSB, que levou também em Itabira (MG), Congonhas (MG) e Mariana (MG). Dos cinco eleitos, portanto, quatro prefeitos figuram entre as cidades líderes de arrecadação.

Duarte Júnior (Republicanos), ex-prefeito de Mariana durante o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, tentou se eleger na vizinha Ouro Preto e foi derrotado por Angelo Oswaldo do PV, que emendará o segundo mandato. Em Brumadinho (MG), o vereador Gabriel Parreiras (PRB) venceu eleição disputada com uma chapa de direita contestada pelo grupo do ex-prefeito “Nenem da Asa” (PV), em querelas típicas da política do interior.

Terra Santa, no Pará, que recebe a maior parte dos royalties da exploração de bauxita da Mineração Rio do Norte (MRN), agora controlada pela trader suíça Glencore em um projeto que acumula problemas em barragens e violações de direitos de comunidades tradicionais, teve eleição decidida por apenas 17 votos a favor de Siqueira Fonseca, do Republicanos.

Os prefeitos eleitos terão que lidar principalmente com questões cruciais como o esgotamento de algumas jazidas e o fim da vida útil de minas históricas, sobretudo em cidades de Minas Gerais, caso de Paracatu, lar da maior mina de ouro do Brasil, explorada pela canadense Kinross, que tem as maiores barragens do país e cuja exploração deve acabar em 2030, deixando um gigantesco passivo ambiental na cidade. Paracatu será governada por Igor Santos, do União Brasil, que recebeu mais de 82% dos votos.

O quase sempre desrespeitado direito de consulta prévia de comunidades tradicionais, que recentemente recebeu mais um ataque em MG do governo de Romeu Zema (Novo), os impactos socioambientais na água, no ar, no solo, as emissões de CO2 de toda a cadeia do setor mineral, o licenciamento, as compensações e as alternativas econômicas à mineração que as cidades precisam buscar, inclusive investindo parte do dinheiro da CFEM, como é recomendado formalmente, compõe o quadro que os gestores eleitos terão que enfrentar, independente dos partidos que representam e das alianças que fizeram.

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