EXCLUSIVO: Registros mostram dezenas de alterações em barragens da MRN no Pará. Quilombolas e ribeirinhos temem desastres.

A Mineração Rio do Norte, controlada por um pool de grandes mineradoras globais, hoje liderada pela trader suíça Glencore, é a maior produtora de bauxita, matéria prima para a fabricação de alumínio, do Brasil. Está encravada em Oriximiná, no Pará, município maior que a área de Portugal, localizado na fronteira com Roraima e o Amazonas e dentro da Floresta Nacional Saracá-Taquera.

A produção anual de 12,5 milhões de toneladas de bauxita da MRN, exportada para três continentes, porém, depende de um enorme complexo de 29 barragens de rejeitos que levanta suspeitas e gera medo nas comunidades quilombolas e ribeirinhas vizinhas às operações da mineradora.

Informações inéditas obtidas via Lei de Acesso À Informação (LAI) pelo Observatório da Mineração comprovam que, desde 2017, várias barragens da MRN tiveram alterações no Dano Potencial Associado (DPA) e na Classificação de Risco (CRI) na ANM. Foram impressionantes 50 alterações nas informações prestadas ao longo dos últimos anos, somadas todas as mudanças, o que levanta dúvidas sobre a confiabilidade dos dados, da fiscalização e da segurança das estruturas. Acesse todas as alterações de DPA e CRI da Mineração Rio do Norte.

A lista dos alteamentos (expansões) de barragens da MRN, também inédita e obtida pelo Observatório da Mineração, mostra que algumas barragens da mineradora passaram por “alteamento a montante”, o método menos seguro e depois por “linha de centro” ou “etapa única”, considerados mais seguros. Veja a lista completa de alteamentos.

As informações são extremamente relevantes por revelarem, pela primeira vez, como as estruturas passaram por alterações nos últimos anos e que a narrativa da mineradora para as comunidades tem vários problemas.

“A mineradora fez de tudo para não colocar a gente dentro do estudo para que ela dissesse que não tem risco nenhum de um membro da comunidade morrer e ser prejudicado se uma barragem romper”, afirma Guilherme Gemaque, 44 anos, morador da comunidade ribeirinha de Saracá desde que nasceu e que conhece bem como funciona o trato da MRN com as lideranças locais.

A análise de documentos da MRN dos últimos anos, como os PAEBM (Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração), atualizados frequentemente, os Dam Break, estudos de ruptura hipotética e estudo de impacto ambiental das diversas barragens e da expansão do projeto em Oriximiná também mostram uma variação enorme no reconhecimento ou não nos riscos que as barragens representam para as comunidades.

É o caso dos impactos para o Quilombo Boa Vista, nos PAEBMS de 2018 e 2020 das barragens Água Fria e A1, e das comunidades ribeirinhas no caso das barragens TP1 e TP2, analisando o PAEBM 2018 e os estudos de ruptura hipotética de 2021.

As comunidades estão, pouco a pouco, sendo invisibilizadas nos estudos da MRN, com diferenças significativas na forma como os potenciais riscos e impactos são reconhecidos ou não e foi constatado a ausência de medidas de emergência necessárias em caso de ruptura nos estudos mais recentes.

Foto de destaque: Carlos Penteado/CPI-SP


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MRN diz que barragens são seguras. Lideranças e pesquisadores questionam.

Procurada para comentar, a MRN afirmou que seus reservatórios estão seguros e que cumpre todos os requisitos da lei no diz respeito ao Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM) da empresa. Além disso, a MRN diz que “respeita e tem canais permanentes de diálogo com as comunidades circunvizinhas ao empreendimento”.

A ANM disse que está finalizando relatórios sobre as barragens da MRN de uma fiscalização feita em agosto de 2023.

“Se uma barragem romper eu falo com toda certeza que tem risco de morte humana”, afirma Gemaque, contando que a MRN tira água para lavar bauxita dos igarapés próximos. “Não tem para onde correr, nas partes alagadas eu vou afundar. Não tenho um alerta de sirene na comunidade, uma comunicação direta com a empresa”, diz, temendo que algo semelhante a Mariana e Brumadinho possa ocorrer em Oriximiná.

Segundo Guilherme Gemaque, um projeto foi feito em 2019 para implantar rotas de fuga e pontos de encontro. Quando estava tudo certo, porém, a mineradora demitiu o responsável pelas reuniões, que foram canceladas devido à pandemia. Quando retornaram em 2022 o discurso já era outro.

“Eu chorei de ouvir a mineradora falar que não tem obrigação nenhuma de trazer informações para as comunidades porque segundo o estudo não tem risco de a barragem romper. Senti um pesar muito grande porque moro aqui há 44 anos e conheço como Saracá era e como Saracá é hoje. Nós tínhamos uma água cristalina, hoje a água não tá como era. Nós entendemos que tem risco sim, ainda que segundo o estudo nós estamos fora da onda de inundação. Não tem como uma barragem romper e não atingir Saracá”, avalia Gemaque.

Segundo a MRN, em 2021, foram feitos novos estudos de dam break por consultores independentes, onde ficou evidenciado, que no cenário de simulação de ruptura das barragens Água Fria e A1, não haveria nenhuma casa de comunitário inserida dentro da Zona de Autossalvamento (ZAS). Com isso, o PAEBM (Plano de Ação de Emergência de Barragem de Mineração) foi adequado, não havendo a necessidade de nenhum comunitário sair de sua residência durante a simulação prática de uma emergência de barragem de mineração.

A MRN alega ainda que “desconhece episódios de contaminação de cursos de água que podem ser impactados por suas operações”. Leia a íntegra da resposta da mineradora.

O pesquisador Klemens Laschefski, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor em Geografia, acompanha de perto as estratégias usadas por mineradoras na gestão de barragens. Para o professor, há um problema crônico de excesso de poder nas mãos das empresas e pouca fiscalização dos órgãos públicos.

“As empresas de modo geral estão usando o que chamamos de terrorismo de barragem, a questão da segurança, como meio para sustentar seus próprios interesses. Ninguém cobra um estudo independente sobre risco de barragens, quem faz os estudos são as próprias mineradoras. E os órgãos ambientais liberam licenças para qualquer coisa”, afirma o especialista em Ecologia Política.

Foto: Carlos Penteado / CPI-SP

Brechas em estudos e no discurso da mineradora geram dúvidas

Segundo Guilherme Gemaque, as constantes mudanças de funcionários dificultam que as pessoas confiem na avaliação da MRN. Além disso, diz o morador, em reuniões passadas houve o reconhecimento de que a comunidade de Saracá corria riscos e que as barragens eram construídas a montante.

“Por que eles colocam que não estamos dentro do risco? Porque não querem dar uma garantia de nada. Não querem se comprometer com as famílias. Eu pergunto por que o estudo muda de uma hora para outra sendo que a comunidade é a mesma, o lugar é o mesmo, as barragens são as mesmas e a mineração é a mesma. Como é que esse estudo vai mudar de um ano para o outro? Além disso nós ouvíamos muito falar que as barragens eram a montante, hoje não usam mais essa expressão. Então por que que muda de uma hora para outra?”, questiona Gemaque.

Em análise preliminar sobre os estudos da MRN feita a pedido da reportagem, o engenheiro Euler de Carvalho Cruz, mestre em metalurgia, alerta que o cenário de chuvas intensas consideradas no documento da MRN é “extremamente questionável” devido às mudanças climáticas.

“É mais que necessário que todos os critérios do que chamamos “eventos extremos de chuva” sejam revistos. O mundo atual já é outro, com secas e chuvas extremas nunca conhecidas. O estudo de dam break foi baseado em dados de um passado que já passou. Estamos em um mundo desconhecido”, avalia Euler.

Ainda segundo o engenheiro, ao constatar que o estudo da MRN afirma que a hipótese de falha por liquefação das barragens está “descartada” e “não é crível em nenhum cenário”, é preciso investigar por que isso não seria possível. A liquefação foi o mecanismo de ruptura responsável pelos rompimentos de Mariana em 2015 e Brumadinho em 2019.

“A palavra “crível” não é tecnicamente adequada, pois não se trata de acreditar ou não. Um documento técnico não pode referir-se a crenças, mas a probabilidades. Se é impossível haver liquefação a probabilidade é zero”, afirma Euler.

Lenta adaptação às mudanças climáticas preocupa

Domingos Gomes, morador da comunidade Boa Nova, chegou a trabalhar na MRN por alguns anos. De acordo com a sua avaliação, a relação da mineradora com a comunidade nunca foi boa, os resíduos de bauxita afetam a água usada pelas comunidades e existe uma falta de fiscalização sobre os impactos das operações dentro da Floresta Nacional de Saracá-Taquera. A realidade, afirma, é ignorada pela MRN.

“Os estudos deles não batem com a nossa realidade. A gente tem experiência, nós moramos na mata, dentro do igarapé, qualquer impacto nós percebemos. Só de não poder pegar o peixe para comer, não poder tomar um banho no rio, já somos atingidos. A empresa não fez nada até agora pelas comunidades. Só está deixando impacto”, afirma.

Para o ex-funcionário da MRN, a mudança climática é uma realidade que não pode ser ignorada. “As barragens estão em cima do platô Saracá e isso é uma preocupação, especialmente na época de chuvas, porque o clima está mudando e temos um volume de água muito grande”, diz.

Questionada sobre como está exigindo que as empresas se adaptem às mudanças climáticas e aumentem a segurança de suas barragens, a ANM afirmou que os aspectos técnicos referentes à segurança hidrológica e hidráulica de barragens de mineração são abordados na regulamentação vigente – Resolução ANM n. 95/2022 – seguindo as melhores práticas internacionais.

“Os efeitos decorrentes das mudanças climáticas nos padrões de chuvas intensas e no desempenho das barragens e estruturas anexas deverão ser gradualmente incorporados e tratados com as revisões periódicas obrigatórias para todas as estruturas. A ANM seguirá acompanhando o cumprimento ou não das obrigações previstas na Resolução ANM n. 95/2022 e atuará, dentro de sua competência e capacidade institucional, para garantir a adequada gestão de segurança das barragens de mineração em todo o território nacional. O artigo 24 da Resolução ANM n°95/2022 prevê a necessidade até 31/12/2023 de adequação dos sistemas extravasores aos tempos de retorno”, afirmou a agência.

Esse “tempo de retorno” pode ser de até 10 mil anos ou pela PMP (Precipitação Máxima Provável) no caso de Dano Potencial Associado alto, o que for mais restritivo. “A capacidade de escoamento do vertedouro dos reservatórios, de acordo com o tempo de retorno previsto, deve ser reavaliada com base nos dados disponíveis de precipitação e vazão da bacia hidrográfica do reservatório, considerando as incertezas dos estudos de vazão máxima de projeto”, diz a resolução.

A MRN afirmou que “em 2023, em conjunto com a empresa consultiva Pimenta de Ávila, a MRN desenvolveu um estudo de influência das alterações climáticas nas chuvas intensas na região da MRN e seu entorno, e os resultados serão considerados em sua operação e projetos correlacionados”.

Enquanto as mineradoras ganham tempo para se adaptar e controlam as informações prestadas sobre a segurança das próprias estruturas, a temporada de chuvas na Amazônia, que começou em novembro, leva mais preocupação aos moradores de comunidades afetadas, como é o caso em Oriximiná.

Compensação insuficiente e consultas protocolares

Maria Expedita, 60 anos, educadora, mora há mais de 20 anos na comunidade Boa Nova, onde atua também como coordenadora. Para ela, o medo que as barragens causam é uma constante. “Tenho medo de que possa acontecer algo com as barragens e todas as comunidades têm. Ficamos preocupados”, afirma. 

Mas os problemas com a MRN vão além da possibilidade de rompimento ou não das barragens. A realidade é a contaminação dos cursos d’água da região e ações de compensação como famílias que precisam passar o dia todo coletando sementes pré-determinadas em quantidade mínima de 1 quilo cada para receber R$ 350 no fim do mês. Na prática, a mineradora faz o que quer e não é penalizada.

“A reserva era nossa, eles tomaram conta, prometeram e não cumpriram. Deixam plásticos gigantes na mata, tiram madeira, deixam apodrecer e não são multados”, relata Expedita. A educadora critica também a maneira como a expansão da MRN, o chamado “Projeto Novas Minas”, que pretende estender a exploração de bauxita até 2042, está acontecendo.

Para ela, as consultas públicas obrigatórias são mera formalidade. “Eu acredito que não vai beneficiar nenhuma comunidade. Já está tudo decidido e autorizado. As audiências são apenas protocolares”, afirma.

Questionado, o Ibama disse apenas que “realizou vistoria técnica em maio deste ano no Projeto Novas Minas (PNM), por ocasião de audiências públicas realizadas no âmbito do empreendimento” e que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do PNM “está em análise que resultará em parecer técnico”.

A atuação de empresas gigantes como a MRN acaba desestruturando todo o modo de vida das comunidades, avalia Jader Gama, doutor em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA). “Quando você tira uma comunidade quilombola do seu modo econômico de vida, você vulnerabiliza elas para ficarem necessitando das ditas compensações. Esse jogo é bastante deletério para a organização da comunidade”, afirma o pesquisador.

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