“Todo decreto criando empecilho terá que ser revogado imediatamente. A gente não pode permitir que aquilo que foi conquista da luta de vocês seja tirado por decreto, para dar direito a aqueles que acham que tem que acabar com a nossa floresta e nossa fauna. Se voltarmos ao governo, não será permitido fazer qualquer coisa em terra indígena sem que haja a concordância e a concessão de vocês”, prometeu Luís Inácio Lula da Silva a uma plateia atenta de milhares de indígenas no Acampamento Terra Livre 2022 na manhã desta terça, 12.
O ex-presidente por dois mandatos e atual pré-candidato do PT ao Planalto recebeu do movimento indígena reunido em Brasília uma série de reivindicações. Lula se comprometeu a acatar todas e disse, inclusive, que a agenda entregue pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pode ser o seu próprio programa de governo para as questões indígenas.
O garimpo ilegal, a contaminação por mercúrio no Tapajós e a violência contra o povo Yanomami também foram alvo de críticas de Lula.
Entre os pedidos da Apib, em carta, estão: a desintrusão das terras tomadas por garimpeiros e madeireiros; consultar povos indígenas quando medidas legislativas impactem seus territórios; respeitar a Convenção 169 da OIT, que garante a Consulta Livre, Prévia e Informada; reativar os dispositivos de participação social extintos ou reduzidos no governo Bolsonaro; dotação orçamentária de acordo com a necessidade; mecanismos de proteção a indígenas defensores dos direitos humanos; assegurar a vida e os direitos dos povos isolados e a interrupção da agenda anti-indígena no Congresso Federal como o PL 490, o PL 191, de mineração e agronegócio em terras indígenas; o PL do Veneno, PL da Grilagem, o PL do Licenciamento, e o PDL que denuncia justamente a Convenção 169 da OIT.
“O programa indígena do nosso governo já tá entregue aqui”, afirmou Lula após ouvir a leitura do documento.
Ninguém tem o direito de invadir o espaço indígena para garimpar, diz Lula
“Outro dia vi uma notícia de que as águas azuis do Tapajós estavam poluídas pelo mercúrio do garimpo. Que direito alguém tem de poluir a água de um rio que é de todos? Quem deu licença, quem autorizou? Muitas vezes os invasores são mais bem tratados que as pessoas que são donas do espaço”, disse Lula.
O Tapajós, no sudoeste do Pará, é um dos rios mais afetados pelo garimpo ilegal. Mais de 600 quilômetros de rios foram totalmente destruídos pelo garimpo apenas nos últimos 5 anos, como mostrei em dezembro.
O povo Munduruku, em especial, está totalmente contaminado pelo mercúrio usado para extrair ouro ilegal, segundo estudos da Fiocruz. Este ano, as águas do Tapajós na praia de Alter do Chão, destino turístico conhecido internacionalmente, ficaram turvas.
Laudo da PF concluiu que os garimpeiros despejaram mais de 7 milhões de toneladas de rejeitos no Tapajós, causando a turbidez indesejada. Mesmo a 300 quilômetros de Santarém, Alter foi duramente afetada, o que chamou a atenção do Brasil e do mundo.
“Nenhum fazendeiro tem direito de invadir o espaço indígena nesse país, de plantar soja de forma ilegal, fazer queimada, para criar gado. E muito menos para garimpar. As denúncias que a gente tem ouvido todo dia, de que homens, mulheres e crianças ianomâmis estão sendo violentados (por garimpeiros) não podem continuar”, afirmou Lula.
O “revogaço” de todos os decretos, portarias e normais infralegais publicadas pelo governo de Jair Bolsonaro que prejudicam os povos indígenas e os direitos humanos foi proposto pela deputada Joênia Wapichana (Rede-RR).
“Todo dia vemos o garimpo matando crianças, indígenas bebendo água com mercúrio, mulheres vítimas de abuso sexual. O PL 191, que todo esse povo (aqui) tá contra, é preciso derrubar todos os PLs anti-indígenas, anti-ambientais, todos esses projetos desse desgoverno que estão atingindo a nossa vida. Que (no seu governo) tenhamos um “Dia do revogaço”, contra todos os decretos presidenciais que são danosos aos povos indígenas”, pediu Joênia.
Ex-presidente promete “ministério” e protagonismo indígena
Lula reconheceu que durante os 8 anos de seu governo e os 6 anos de Dilma Rousseff no poder, o PT “não fez tudo que poderia ser feito” para os povos indígenas, mas que “ninguém fez mais do que nós fizemos”, disse, em campanha.
Segundo Lula, depois de 12 anos fora do poder, ele “ouviu e aprendeu muito”. E uma maneira de atender às reivindicações seria criar um “Ministério” para “discutir as questões indígenas” e que ele seria liderado por uma mulher ou homem indígena.
Recolocar a Fundação Nacional do Índio (Funai), hoje loteada por militares e dedicada a promover a mineração e o agronegócio em terras indígenas, para cumprir o seu propósito original, já seria um bom começo.
Lula foi cobrado por Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib. “Queremos participar da construção do projeto de um novo Brasil. Por isso decidimos lançar uma bancada indígena que vai destituir de vez a bancada ruralista. Para que não haja mais Belo Monte no seu governo, para que não haja Belo Sun, hidrelétricas. São nossos territórios. Não podemos mais ficar à margem da construção e da condução desse país”, disse Sônia.
Lula reconheceu a necessidade do protagonismo indígena em um possível novo governo.
“Quero dizer pra vocês como prova da minha experiência, não é possível a gente governar esse país dentro de uma sala no Planalto, se quiser fazer uma política correta para os povos indígenas, temos que ter coragem de visitar os estados brasileiros, onde vocês moram, conhecer a vida que vocês levam. Disse (para a Sônia Guajajara, pré-candidata a deputada federal pelo PSOL de SP): se prepare, porque certamente você vai ser eleita deputada, e eu também posso sonhar que vou ser eleito presidente da República. Se isso acontecer, eu quero dizer para vocês que (os indígenas) vão ter que participar da elaboração do programa de governo”, reforçou.
“Esse governo (Bolsonaro) está dizendo que nós queremos o garimpo, o avanço dos agrotóxicos, como (isso pode ser possível) se estamos dizendo não ao garimpo com mais de 8 mil indígenas aqui?. Não é chamar um grupinho e dizer o que nós queremos. Queremos estar juntamente com o senhor (Lula) e aqueles que estarão no novo governo”, pediu Alberto Terena, do Conselho Terena.
Lula prometeu transformar janeiro de 2023 em um mês de “reuniões” para as propostas de “reconstrução do Brasil”. Para governar, é necessário “ouvir as pessoas” e garantir que “a sociedade participe ativamente”, disse o ex-presidente.
“Venceremos outra vez e os povos indígenas serão tratados com respeito e decência que vocês merecem”, finalizou.
Será um longo trabalho caso Lula queira cumprir as promessas de fechar as portas de Brasília para o lobby do garimpo e da mineração, além de colocar órgãos como a Agência Nacional de Mineração e o Ministério de Minas e Energia a serviço da sociedade e não de um pequeno grupo de empresários.
Fotos por Matheus Alves, Mídia Ninja e Kamikia Kisedje / Apib
A cobertura especial do Acampamento Terra Livre 2022 pelo Observatório da Mineração conta com o apoio da Amazon Watch.