Com informações da Folha de SP, Buzzfeed e El País
Comprovando sua absoluta generosidade com a Samarco e demais incriminados desde o maior crime ambiental da história do Brasil, em novembro de 2015, e após adiar o prazo de pagamento da multa de R$ 155 bilhões para o fim de outubro deste ano, agora foi a vez do juiz federal Jacques de Queiroz Ferreira, da 1ª Vara de Ponte Nova (MG), suspender a ação penal de homicídio movida contra as empresas Samarco, Vale, VogBR e BHP Billiton Brasil, incluindo todas as 22 pessoas responsabilizadas pelo Ministério Público Federal (MPF).
Os advogados do presidente da Samarco à época do desastre, Ricardo Vescovi, e o ex-número dois da empresa, Kleber Terra, afirmam que foram usadas provas ilícitas no processo. Ambos são réus sob acusação de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).
A defesa de Aragão e Terra pediu a nulidade do processo, alegando que o caso se amparou em provas ilegais, afirmando que a quebra de sigilo telefônico extrapolou o período judicialmente autorizado. Os advogados apontaram ainda que teria ocorrido outra nulidade nas provas colhidas em mensagens eletrônicas da empresa. O MPF negou que tenha havido irregularidades na investigação.
A tramitação do processo, que foi aceito em novembro de 2016 – um ano depois do crime – está paralisada há um mês. A decisão não interrompe processos civis, que tratam de reparação ambiental e indenizações.
Entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016, durante as apurações sobre as causas da tragédia, a Polícia Federal grampeou a cúpula da empresa e engenheiros que trabalharam na barragem. Nas gravações obtidas com autorização judicial na época, funcionários da Samarco conversam, entre outros assuntos, sobre quais informações deveriam ou não repassar à polícia durante as visitas dos agentes ao local da tragédia. As gravações também revelaram que ex-diretores da mineradora combinaram uma estratégia de reforçar a tese de que tremores de terra na região teriam causado a ruptura da barragem, tirando assim o foco da imprensa das alterações estruturais feitas pela empresa na barragem que rompeu —investigações apontaram posteriormente que foram essas mudanças no reservatório a causa da tragédia.
Em documento que integra o inquérito, a Polícia Federal chegou a afirmar que havia uma “tentativa de manipulação e ocultação de informações relevantes, com o provável objetivo de tentar-se esquivar da responsabilidade pelo rompimento da barragem”. À época em que o conteúdo dos grampos veio à tona, a mineradora negou irregularidades.
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O juiz determinou que companhias telefônicas se manifestem sobre o período em que os telefones foram interceptados, para que a questão seja esclarecida. “Entendo que o andamento do feito deva ser suspenso até que a matéria seja decidida, haja vista que eventual acatamento das pretensões poderá levar à anulação de todo o processo, tornando inúteis os atos eventualmente praticados”, afirmou, em decisão assinada no dia 4 de julho.
O Ministério Público Federal diz que “não procede” informação sobre a possibilidade de escutas terem sido usadas ilegalmente, “pois as interceptações usadas na denúncia estão dentro do prazo legal”. “As interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam o condão de causar nulidade no processo penal”, diz a Procuradoria, em nota.
“Mesmo assim, respeitando o direito de defesa, o MPF concordou em esclarecer a questão e pediu, como mostra a decisão, que fossem oficiadas as companhias telefônicas para que ‘esclareçam os períodos de efetivo monitoramento de cada terminal'”. O Ministério Público também pedia que o processo não fosse interrompido, mas o juiz não acatou.
A defesa de Vescovi e Terra foram procuradas, mas ainda não se manifestaram. A Samarco informa que não irá se manifestar.
A Polícia Federal de Minas Gerais diz que não foi comunicada, oficialmente, sobre o fato pela Justiça.
Outros pedidos do Ministério Público Federal contra os réus também foram negados pelo juiz Jaques de Queiroz Ferreira.
No dia 14 de julho, o magistrado indeferiu solicitações de medidas cautelares, como fiança, entregas de passaporte e proibição de viajar para fora do país.
Segundo ele, não há nos autos elementos que atestem que os réus tenham “tomado atitudes visando obstruir o andamento da ação penal” que justifiquem as medidas.
Ainda diz que a própria Procuradoria “reconheceu que o processo, por sua complexidade, deverá levar alguns anos até se alcançar sua solução definitiva”, o que tornaria “insustentável a manutenção da medida de proibir os acusados de se ausentarem do país ou de terem que se dirigir ao Judiciário diuturnamente para requestar autorizações para viagens”.