ANÁLISE
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciaram a criação de um fundo de investimento em projetos de minerais críticos de R$ 1 bilhão, dos quais R$ 250 milhões virão do BNDES e o restante de outros investidores.
A iniciativa mira a transição energética e alega que focará nas chamadas empresas júnior e de médio porte, perfil que tem aumentado substancialmente no Brasil na última década. Cerca de 20 empresas deverão receber recursos.
A ideia é financiar novas minas dos minerais críticos – estratégicos ou de transição – fundamentais para energias renováveis, carros elétricos, alta tecnologia e outras aplicações. Fazem parte dessa lista o lítio, cobre, níquel, manganês, terras raras, vanádio, zinco e uma série de minerais. O mundo depende da extração dessas substâncias para colocar em prática a transição energética.
O problema é que essa expansão muitas vezes repete o padrão histórico do setor mineral de pouco retorno à sociedade, enormes conflitos gerados e um passivo socioambiental gigantesco. Mudar esse modelo mineral é urgente para que o Brasil e o mundo quebrem o ciclo neoextrativista e garantam uma transição efetivamente justa.
A se confirmar o foco em pequenas e médias empresas isso representará uma mudança significativa da política do BNDES em financiamento para a mineração até aqui.
Em levantamento inédito e extenso feito pelo Observatório da Mineração, publicado em julho do ano passado, mostramos que o BNDES emprestou R$ 25,5 bilhões para mineradoras entre 2002 e 2022.
A política do banco do desenvolvimento privilegiou justamente gigantes como Vale, Anglo American, Alcoa, Nexa/Votorantim e Samarco, que figuram entre as maiores tomadoras de empréstimos diretos ou indiretos feitos pelo BNDES no período.
Estas empresas dominam o mercado de minério de ferro – considerado mineral crítico pelo Brasil – níquel e cobre, caso da Vale, Samarco e Anglo American, o zinco pela Nexa e o alumínio da Alcoa, ao lado de MRN e Hydro.
O perfil dos investimentos do BNDES nas últimas duas décadas foi criticado exatamente pela pouca diversificação e por favorecer monopólios de empresas já consolidadas.
A mudança de perfil a partir de agora dependerá certamente de agradar a parceiros históricos do BNDES, que influenciaram diretamente na criação do novo fundo e que devem entrar como investidores e beneficiários, caso da Vale e do IBRAM, que discutiu os investimentos em minerais críticos com o banco de desenvolvimento e tem apostado fortemente nessa narrativa em todos os seus eventos, anúncios e reuniões. O pleito de mais investimentos para pequenas e médias mineradoras também está na pauta do IBRAM.
No geral, a liberação de instrumentos de mercado para facilitar a captação de recursos pelas mineradoras, inclusive com um pacote formal deixado na mesa do MME, é um dos legados da gestão de Jair Bolsonaro para o setor mineral.
O lançamento oficial do “Fundo de Minerais Estratégicos” (FIP), cuja governança ainda carece ser definida por não estar clara até o momento e prevê um gestor selecionado por chamada pública, será durante o Prospectors & Developers Association of Canada (PDAC), maior evento de mineração do mundo que acontece no início de março no Canadá e tradicionalmente concentra rodadas de negócios globais do setor mineral.
Nos últimos anos, o Brasil e as comitivas de políticos e executivos enviados ao PDAC estiveram no centro da discussão, concentrando iniciativas e atuando para atrair novos investimentos, inclusive em minerais estratégicos, como reportei no Observatório.
Entre os objetivos do FIP consta a meta de pressionar para que as empresas beneficiadas apostem no ESG para além do greenwashing, para que “possam gerar impacto positivo para comunidades locais e minimizar os impactos ambientais dos projetos”.
“A transição energética é uma prioridade do governo do presidente Lula. A iniciativa contribui para o aproveitamento do vasto potencial geológico brasileiro, permitindo que o país se posicione como fornecedor de minerais estratégicos para atender à demanda mundial por tecnologias de energia limpa”, destacou o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
O valor anunciado de R$ 1 bilhão no total é bastante reduzido diante das cifras que cercam o setor mineral e das necessidades de cada projeto. A ver como esses recursos serão de fato geridos na prática.
Foto de Destaque: abertura do Seminário sobre Mineração e Transformação Mineral e Minerais Estratégicos para a Transição Energética (21/02/2024) – Ricardo Botelho/MME