Fiscalização em campo de barragens no Brasil caiu mais de 90% desde Brumadinho

O recém-lançado Relatório de Segurança de Barragens 2021 mostra que a fiscalização realizada em campo de barragens no Brasil caiu mais de 90% desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019.

Em 2021, os fiscalizadores reportaram um total de 180 barragens fiscalizadas in loco, número inferior a 2020, que já era muito menor ao observado na série histórica, diz o relatório.

Das 180 barragens vistoriadas em campo, apenas 17 foram pela esfera federal e 163 pela estadual.

O pico foi atingido em 2019, após Brumadinho, quando 1287 barragens foram vistoriadas por órgãos estaduais e 881 por órgãos federais.

Passada a comoção, porém, esse número caiu drasticamente e a população segue basicamente refém dos dados informados pelas empresas, responsáveis pela “autofiscalização”.

Para cumprir a Política Nacional de Segurança de Barragens e em respeito à Lei 12.334/2010, os órgãos responsáveis podem fazer a vistoria in loco ou à distância.

É importante verificar o estado geral das estruturas e checar se as empresas estão cumprindo com inspeções regulares, planos de segurança, planos de ação de emergência e revisões periódicas de segurança de barragens.

Orçamento baixo e ainda dificuldades de locomoção impostas pela pandemia são alegadas como possíveis motivos para a queda brusca.

O fato é que o número de barragens vistoriadas in loco pelo poder público é muito menor do que a quantidade de barragens existentes mesmo com o recorte apenas da mineração.

As leis e normas em todas as esferas criadas especialmente após o desastre de Mariana, em 2015, tiveram pouquíssimo efeito prático.

Empresas são responsáveis por 129 barragens de alto risco

Outro dado importante do RSB é que empresas privadas são responsáveis por 129 barragens consideradas “críticas”, de alto risco, no Brasil.

O levantamento, anual, dá o panorama de todas as barragens cadastradas pelos órgãos fiscalizadores em um sistema nacional. No total, são mais de 22 mil estruturas listadas hoje de norte a sul do país.

Especificamente de contenção de rejeitos de mineração, são 458 barragens, com destaque para a Vale, que é a segunda empresa no geral a possuir mais barragens no Brasil, com 113 estruturas.

Entre as 129 barragens críticas controladas pela iniciativa privada, Minas Gerais ocupa o topo do ranking, com 66 estruturas de alto risco. 35 barragens críticas são de propriedade da Vale, a imensa maioria (32) em Minas Gerais e 3 no Pará.

Estas 129 barragens estão presentes em 21 estados e no Distrito Federal. Somente Paraíba, Paraná, Rondônia, Santa Catarina e Sergipe não possuem barramentos em situação considerada crítica.

Essa classificação acontece principalmente devido ao estado de conservação e à classificação quanto ao Dano Potencial Associado (DPA) e à Categoria de Risco (CRI).

A intensidade do dano é medida com base no potencial de perdas de vidas humanas e impactos econômicos, volume de armazenamento, impactos sociais e ambientais decorrentes de um eventual rompimento da barragem.

Já a Categoria de Risco (CRI) pode ser alta, média ou baixa conforme as características técnicas, estado de conservação do empreendimento e atendimento ao plano de segurança do barramento.

Em termos de DPA, dentre as 9.451 barragens classificadas, 68% têm Dano Potencial Associado alto, aumento de 11% em relação a 2021. Dentre as 8.286 estruturas com classificação de CRI, 28% apresentam Categoria de Risco alto. Além disso, 22% dos barramentos têm simultaneamente o DPA alto e a CRI alto.

Esse levantamento anual da Agência Nacional de Águas consolida dados nacionais, mas as mineradoras precisam fornecer semestralmente para a Agência Nacional de Mineração (ANM) os laudos de estabilidade de cada uma das suas barragens.

Verba insuficiente para fiscalização e recursos mal aplicados

Em 2021, os valores orçamentários previstos em segurança de barragens, alocados por instituições públicas dependentes de orçamento fiscal da União e dos Estados, foram os maiores da série histórica, destaca o RSB, com um montante aproximado de R$ 199 milhões, sendo 34% da esfera federal e 66% da esfera estadual. O maior volume de recursos, portanto, é estadual.

O valor efetivamente pago em 2021, porém, foi de 128 milhões de reais, representando apenas 64% do originalmente previsto, mesmo pós contingenciamento.

“De todo modo, entende-se que os valores continuam aquém da necessidade para uma adequada manutenção preventiva e atendimento aos requisitos legais sobre segurança das barragens”, reconhece o RSB.

Porém, o Ministério de Minas e Energia não está executando o orçamento para a fiscalização minerária. Em 2022, até o momento, a pasta destinou apenas R$ 3,27 milhões dos R$ 29,67 milhões aprovados pelo Congresso para a atividade, cerca de 11% do previsto para o semestre.

Para piorar, a Agência Nacional de Mineração emitiu quase 70% menos multas durante o governo Bolsonaro na comparação com a gestão anterior, de Dilma e Temer . De 2015 a 2018, a agência teve 52.216 infrações. Já entre 2019 a 2022, foram 15.918 multas — uma queda de 69%, destaca matéria do UOL.

Em abril, uma análise da Deutsche Welle mostrou que 1 milhão de pessoas vivem perto de barragens de alto risco no Brasil.

Um caso gravíssimo é o da barragem da CSN Mineração em Congonhas. Situada a apenas 85 metros acima de bairros residenciais que abrigam 10 mil pessoas em Congonhas, a barragem da mina de Casa de Pedra é uma das mais perigosas do Brasil. A capacidade de armazenamento de rejeitos é 5 vezes maior que a barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho: cerca de 50 milhões de metros cúbicos. É uma das maiores barragens do mundo situada em área urbana.

A CSN alega que “a estrutura da Barragem Casa de Pedra cumpre com todas as normas de segurança existentes, encontra-se devidamente autorizada a operar por todos os órgãos competentes e, dessa forma, não apresenta qualquer tipo de risco. A segurança da barragem, construída pelo método de alteamento a jusante, foi atestada por auditorias independentes de renome”.

Dos 18 grandes acidentes com barragens registrados no Brasil entre 1986 e 2019, nove foram em operações de mineração. Oito deles ocorreram em Minas Gerais.

13 acidentes e 37 incidentes com barragens em 2021

De acordo com o RSB 2021, no último ano foram reportados 13 acidentes e 37 incidentes com barragens em 16 estados, especialmente na região central do Brasil. “Isso ocorreu devido às chuvas intensas de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, que causaram o transbordamento das estruturas”, destaca o relatório.

O problema central é que chuvas intensas se repetem todo ano e tem acontecido de forma ainda mais intensa e imprevisível, graças à crise climática que recebe a contribuição generosa da mineração e da siderurgia.

Em janeiro de 2022, por exemplo, uma estrutura da francesa Vallourec deslizou em Nova Lima, gerando uma onda de rejeitos que invadiu uma rodovia, arrastou carros e colocou em risco áreas próximas, como uma sede do Ibama. Os funcionários nunca foram avisados do risco que corriam, contei no Observatório da Mineração.

A liberação da estrutura que acabou cedendo teve reunião extraordinária, licenciamento expresso e alertas de ambientalistas, que foram ignorados, revelei com exclusividade.

Na mesma época, diversas barragens em Minas Gerais apresentaram problemas graves em função das chuvas.

Os muros de contenção construídos por mineradoras como a Vale para justamente evitar que os rejeitos de um possível rompimento de uma barragem crítica causem um desastre também acabaram acumulando água da chuva e isolando comunidades. Foi o caso em Macacos (Nova Lima).

A tendência, portanto, é casos como esses se repitam ano a ano se nada for feito.

De acordo com a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), acidentes se caracterizam pelo comprometimento da integridade estrutural da barragem, resultando em colapso total ou parcial da estrutura. Já os incidentes afetam o comportamento da barragem ou estruturas anexas, que podem vir a causar acidentes.

Vale e mineradoras ganharam mais prazo para desativar barragens críticas

Depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019, que matou 270 pessoas, mineradoras receberam prazo até fevereiro de 2022 para desativar barragens a montante, mais perigosas e menos seguras, o mesmo modelo que rompeu em Mariana em 2015 e a grande maioria das barragens consideradas críticas.

Porém, muito pouco foi feito e o prazo foi ampliado.

Uma resolução da ANM abriu a brecha. No caso de Minas Gerais, a Federação das Indústrias (Fiemg) e iniciativas de deputados quiseram alterar o prazo da lei estadual – “Mar de Lama Nunca Mais” – para permitir o aumento do prazo. As maiores barragens agora poderão ser desativadas até setembro de 2027.

A Vale é responsável por 30 barragens a montante em Minas Gerais e no Pará e promete desativá-las totalmente até 2035, nove anos depois do último prazo estipulado pela ANM (setembro de 2027) e 13 anos depois do prazo inicial de 25 de fevereiro de 2022.

Minas Gerais tem 54 barragens a montante. Para ilustrar: apenas Ouro Preto, cidade histórica, está cercada por 9 barragens a montante. Rejeito empilhado em cima de rejeito.

Três barragens em MG hoje são consideradas com risco de rompimento iminente, em Barão de Cocais (desde 2019), Ouro Preto e Nova Lima.

Procurada, a Vale informou que concluiu, neste mês, as obras de eliminação de mais duas barragens a montante, a barragem Baixo João Pereira, na Mina Fábrica, em Congonhas (MG), e o Dique 4 da barragem Pontal, em Itabira (MG).

“Essas estruturas são as duas primeiras concluídas de cinco previstas para 2022. Ao todo, das 30 estruturas construídas pelo mesmo método da barragem de Brumadinho, já são nove eliminadas desde 2019. Ao final de 2022, serão 12, que representam 40% das estruturas previstas no Programa de Descaracterização da empresa”, diz a Vale.

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