EXCLUSIVO: Estudo indica que mineradoras podem deixar de pagar US$ 1,26 bilhão por ano em impostos na exportação de minério de ferro

Estudo inédito do Instituto Justiça Fiscal (IJF), coordenado pelo Observatório da Mineração e a Justiça Nos Trilhos, revela que as mineradoras que atuam no Brasil podem deixar de pagar, em média, US$ 1,26 bilhão de dólares por ano em função da possível evasão fiscal envolvida na cadeia da exportação do minério de ferro.

Na cotação atual, isso representa cerca de R$ 6 bilhões de reais por ano em impostos que deixam de ser recolhidos. O minério de ferro é o segundo produto mais exportado pelo Brasil, atrás somente da soja.

Os dados do IJF analisam o período de 2017 a 2020 e revelam uma saída de capitais associada ao subfaturamento de exportações de ferro de US$ 19,3 bilhões, o que corresponde a uma média anual de US$ 4,8 bi. Leia o estudo completo em português, inglês e espanhol.

“Caso esse subfaturamento não seja adequadamente ajustado nas declarações tributárias feitas pelas empresas, isso representa uma evasão estimada de tributos da ordem de US$ 5 bi no período 2017-2020, correspondente a US$ 1,26 bi por ano”, dizem os pesquisadores Guilherme Morlin e Isabela Callegari.

Os dados foram atualizados em relação a um estudo publicado pelo IJF em 2017. O padrão se manteve e as práticas suspeitas de mineradoras são protegidas por sigilo fiscal e pela falta de transparência generalizada.

Em 2021, o Brasil exportou 358 milhões de toneladas de minério de ferro, 5% a mais que o mesmo período de 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa as maiores mineradoras do país. Já o faturamento foi de R$ 250 bilhões, 80% a mais do que em 2020. O minério de ferro responde sozinho por 74% do faturamento do setor mineral.

A Vale é a principal produtora de minério de ferro do Brasil, com produção final em 2021 de 315 milhões de toneladas. Os estados do Pará e de Minas Gerais são os maiores produtores nacionais. Em 2021, o setor mineral brasileiro faturou R$ 339 bilhões no total, 62% de aumento em relação a 2020.

Publicado também no UOL: Estudo indica que mineradoras teriam deixado de pagar US$ 5 bi em impostos

Os pesquisadores do IJF destacam que mesmo leis aprovadas em 2012 (Lei 12.715) e em 2014 (12.973) não foram capazes de combater a prática de preços de transferência na exportação de commodities.

Em tese, alegam, a nova legislação impediria que o eventual lucro auferido por subsidiárias estrangeiras, via preços de transferência, passasse sem ser tributado no Brasil.

Leia: Na garganta do futuro: no Maranhão, trens da Vale prometem desenvolvimento e entregam um rastro de violações de direitos

“Contudo, a sociedade não tem como verificar se tais ajustes tributários estão sendo de fato realizados, devido ao sigilo fiscal, e até onde pudemos apurar, os órgãos da Receita seguem enfrentando dificuldades com a prática de preços de transferência e a evasão fiscal das mineradoras, apesar da aprovação das novas leis”, afirmam.

Foto de destaque: Trem da Vale carregado de minério na Estrada de Ferro Carajás / Ingrid Barros

Suíça é o principal intermediário. Relatórios de mineradoras são incompatíveis com a realidade.

As brechas utilizadas pelas mineradoras geram distorções significativas e facilitam a evasão de impostos.

Os padrões de intermediação comercial encontrados anteriormente pelo IJF se repetem no período mais recente, o que contraria declarações oficiais das empresas.

De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), no período de 2017 a 2020, a Suíça respondeu por 89% das aquisições de minério de ferro exportado pelo Brasil, entretanto 65,8% dessas aquisições foram, na prática, destinadas à China.

“Tais informações são incompatíveis com os relatórios das principais empresas exportadoras, que afirmam que a Suíça intermedeia operações com propósitos meramente logísticos e apenas para outros países europeus”, afirma o estudo.

Subfaturar exportações ou superfaturar importações reduz o lucro tributável, o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e, no caso da mineração, a CFEM, valor pago a estados, municípios e União como compensação pela exploração mineral.

As empresas realizam isso por meio de subsidiárias em paraísos fiscais, que intermedeiam as transações, sem nunca importarem o minério de fato. Por meio de preços de transferência, uma empresa exporta a uma subsidiária de forma subfaturada, e essa subsidiária exporta ao destino real com o preço correto.

As empresas também podem optar por endividar subsidiárias e conseguir deduzir tributos por pagamento de juros a empresas do mesmo grupo em outros lugares, explicam os pesquisadores.

De acordo com a legislação brasileira, a prática de preços de transferência requer, obrigatoriamente, o respectivo ajuste no lucro tributável.

Como metodologia para o estudo, o IJF fez a estimativa das perdas tributárias associadas utilizando os preços de importação, no destino, do minério exportado, e a cotação internacional. Ambos os preços foram tomados como preços de referência e comparados com o preço de exportação praticado no Brasil.

Comunidades atingidas pelos impactos da estrada de ferro da Vale S.A no Maranhão / Ingrid Barros

Benefícios e isenções se acumulam. Amazônia é “paraíso fiscal”.

As mineradoras ainda contam com uma série de isenções e benefícios cruzados. É o caso da Lei Kandir, de 1996, que isenta produtos primários do pagamento de ICMS quando exportados.

Além da Lei Kandir, as exportações também são isentas de PIS/PASEP e as importações de bens de capital empregados na mineração costumam ser beneficiadas por reduções de alíquotas do Imposto de Importação.

A distribuição de lucros e dividendos aos acionistas é isenta de imposto de renda desde 1995. Somente a Vale distribuiu mais de R$ 73 bilhões aos acionistas em 2021.

Para empresas que atuam na Amazônia Legal, caso da Vale, existem ainda outras isenções, como renúncia fiscal de 75% do IRPJ para grandes empresas na região, redução de 25% do frete para importação de máquinas e insumos, e ainda, outros 7,5% podem deixar de ser pagos se forem utilizados para a compra de máquinas e equipamentos.

O Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, atrás da Austrália.

Vale e IBRAM negam possível evasão fiscal

A Vale, a Anglo American e a CSN Mineração, as três maiores produtoras de minério de ferro do Brasil e o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), organização que reúne as maiores mineradoras do Brasil e entidades de classe do setor, foram solicitados a se manifestar.

Em nota, a Vale disse que:

A Vale vai analisar o novo estudo do IJF, mas já é possível afirmar que as principais premissas deste estudo se mantêm em relação à versão anterior e, portanto, nosso posicionamento permanece válido:

“A LCA Consultores, com a colaboração do Dr. Bernard Appy, analisou o estudo do IJF – Latinidad e concluiu, em seu Sumário Executivo, que a legislação brasileira de preço de transferência não possibilita a manipulação de preços nas vendas para controladas no exterior. O estudo salienta ainda que a legislação brasileira adota o regime de tributação em bases universais, de modo que o lucro auferido no exterior por controladas de empresas brasileiras é incorporado, no ano em que foi auferido (ou seja, pelo regime de competência), à base de cálculo do IRPJ e da CSLL da controladora brasileira.

Os preços de transferência são estritamente regulados pela Instrução Normativa 1312/2012 da Receita Federal (com suas posteriores alterações), sem margem para transferência artificial de lucros para o exterior. Além disso, a controladora brasileira não teria nenhum ganho com qualquer eventual transferência de lucros para o exterior, pois caso o lucro auferido no exterior fosse menos tributado que no Brasil, a diferença entre a alíquota brasileira e a alíquota efetiva incidente no exterior seria tributada no Brasil.

Ou seja, a empresa brasileira não teria qualquer vantagem econômica, uma vez que a legislação brasileira captura tais lucros via tributação das controladas no exterior. Em resumo, o Estudo da Latindadd se mostra inadequado tanto por desconsiderar as atuais regras de preços de transferência, quanto por não observar a existência de regras de tributação em bases universais.”

O IBRAM seguiu na mesma linha.

“Especialistas consultados pelo IBRAM consideram que a legislação do Brasil relacionada ao tema preço de transferência veda eventual manipulação de preços na comercialização para organizações controladas em outras nações. E completam que uma empresa brasileira controladora de outras organizações no exterior não tem vantagem econômica, conforme exposto no parágrafo a seguir.

Justificam que a Instrução Normativa (IN) nº 1312, do ano de 2012, da Receita Federal do Brasil, regula os chamados preços de transferência e, segundo ela, não há espaço para haver uma transferência de caráter artificial de lucros para esses outros países. Ainda que houvesse algum lucro advindo de uma transferência para o exterior, a companhia controladora situada no Brasil seria tributada aqui, caso a tributação no exterior sobre o lucro tenha sido inferior às alíquotas vigentes aqui no país”, informou o IBRAM, em nota.

A assessoria da Anglo American afirmou que não iria responder diretamente e que endossaria a resposta do IBRAM. A CSN Mineração não respondeu.

Atualização em 18 de maio

Em nota, o IJF acrescentou as seguintes informações:

Em relação às declarações das empresas sobre o estudo do IJF a respeito dos tributos que deixaram de ser recolhidos para o Brasil nas operações de exportação de minério de ferro para o exterior, o IJF vem chamar a atenção para o seguinte:

A resposta da LCA Consultores com a colaboração do Dr. Benard Appy no sentido de que “ainda que houvesse algum lucro advindo de uma transferência para o exterior, a companhia controladora situada no Brasil seria tributada aqui, caso a tributação no exterior sobre o lucro tenha sido inferior às alíquotas vigentes aqui no país” omite que as mineradoras apontadas no estudo quase sempre deixam de tributar os lucros de controladas no exterior com base na interpretação de que os tratados celebrados pelo Brasil com os países estrangeiros possuem norma de bloqueio que impedem o Brasil de tributá-los.

Cabe chamar a atenção que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF até 2021 tinha o posicionamento de que os lucros das controladas no exterior deveriam ser tributados no Brasil mesmo no caso da existência de tratados. Tal posicionamento estava em sintonia com a interpretação da OCDE sobre tratados. Entretanto, o forte lobby empresarial que mudou os critérios de desempate no CARF e por meio do artigo 28 da Lei 13.988/20 extinguiu o voto de qualidade a favor da Fazenda Pública, fazendo com que representantes de confederações empresariais pudessem resolver processos de forma favorável às grandes empresas, alterou o posicionamento do tribunal.

Como resultado, a própria CSN teve em 2022 processo julgado a seu favor pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF impedindo o Fisco brasileiro de tributar os lucros das suas empresas na Espanha e Luxemburgo, em decisão totalmente contrária às normas de tributação internacional (processo nº 1651.720063/201474, 1ª Câmara da CSRF). Assim, o problema apontado pelo IJF tende a se perpetuar e pode inclusive aumentar caso sejam aprovadas novas regras de preços de transferência propostas pelo atual governo.

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