Por Lúcio Lambranho e Maurício Angelo
Descrito pela Polícia Federal (PF) como uma “distopia ambiental”, o relatório de investigação da Operação Parcours que apura a extração ilegal de minério de ferro na mina Corumi na Serra do Curral em Belo Horizonte também detalha o esquema que envolve a participação de dois servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM).
O documento que o Observatório da Mineração teve acesso revela como as ações dos funcionários da agência reguladora beneficiaram a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra).
Segundo a investigação, a extração na área durante 16 anos causou um prejuízo ambiental de R$ 832 milhões. Além disso, a investigação apura a falta de pagamento de R$ 11 milhões por parte da mineradora da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
Isso ocorreu mesmo com o tombamento da área ainda em 2003 pela prefeitura da capital mineira e das tentativas dos órgãos de controle de impedir o funcionamento das atividades de mineração.
De acordo com a representação, que resultou no deferimento das medidas cautelares e na ordem de afastamento do então gerente regional da ANM em Minas Gerais, Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, e do superintendente substituto de segurança de Barragens de Mineração, Claudinei Oliveira Cruz, as fraudes aconteceram “mediante oferecimento e recebimento de vantagens indevidas entre empresários do setor e funcionários públicos”. O relatório diz que os fatos narrados apontam para possível formação de uma “associação criminosa”.
“As auditorias e informações periciais identificaram que Claudinei e Leandro agiram, reiteradamente, em favorecimento à Empabra, de maneira contrária às atribuições legais da agência reguladora, que deveria fiscalizar as atividades de mineração”, diz a PF.
Com base em dois relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a PF aponta para suspeitas de crimes de peculato, corrupção e advocacia administrativa praticados pelos dois servidores.
Nos dois casos, a base da investigação são comunicações dos bancos ao COAF de movimentações suspeitas das suas esposas. No caso de Leandro Cesar, movimentações atípicas de mais de R$ 2 milhões e no de Claudinei, de R$ 1,1 milhão.
A operação, diz o relatório, incluiu até mesmo o pagamento de boletos em lotérica com dinheiro em espécie durante 2024 de cerca de R$ 170 mil, o que chamou a atenção da Caixa, que comunicou ao COAF.
Foto de destaque: Mina Corumi na Serra do Curral / Luiz Santana / ALMG

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Plano de Recuperação Ambiental foi usado como fachada para extrair minério ilegalmente
De acordo com a investigação, as auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) e as perícias revelaram as ações ilegais executadas por representantes das empresas, geólogos contratados pela mineradora e pelos dois servidores da ANM para manter ativo e indefinidamente um Plano de Recuperação Ambiental de Área Degradada (Prad), que é um tipo de estudo ambiental que visa recuperar áreas que foram alteradas ou degradadas.
O documento foi assinado pela empresa com órgãos públicos mineiros depois de explorar a mina entre 1958 e 1990. Diante do tombamento e do grande interesse social pela área, a extração na Corumi ficou paralisada entre os anos de 1994 e 2006.
Além de recuperar a área da mina, o acordo assinado pela empresa previa medida de revegetação e a implantação de medidas de contenção geotécnica, mas ao mesmo tempo permitia a mineração de um total de 7.729.832 toneladas de minério de ferro.
Perícia e auditoria da CGU indicam um “contrassenso” sem qualquer amparo na legislação “a autorização, permissão, previsão ou menção que um plano de lavra possa ser executado com o objetivo de recuperar uma área degradada. Esta concepção trata-se de um contrassenso ou mesmo uma “falácia da contradição” pois atribui à ação (atividade) que gerou a degradação a responsabilidade de recuperar o dano (que ela mesmo causou)”.
Segundo auditoria da CGU, até junho de 2018 haviam sido extraídas 8.706.211,67 toneladas, além de um excedente de 200 mil toneladas acima do volume autorizado para aquele ano. “Assim, conclui-se que, com base na produção declarada, a Empabra extraiu 1.176.379 toneladas de minério de ferro sem a devida outorga”, diz a PF ao quantificar o dano ambiental neste período.

“Juntos, esses valores representam a dimensão econômica dos danos ambientais, expressando o custo financeiro do impacto causado e oferecendo uma base para a responsabilização e compensação ambiental. O cálculo do valor final Vera (Valoração Econômica dos Recursos Ambientais) é: R$ 832.055.186,37 – aproximadamente oitocentos e trinta e dois milhões de reais”, acrescenta a PF.
O Prad firmado tinha prazo de quatro anos, mas durou “ininterruptos” 16 anos até a operação da PF ser deflagrada. A investigação afirma que durante fiscalizações ou denúncias de que o acordo firmado com a empresa estava sendo descumprido, os servidores davam pareceres a favor da Empabra no processo administrativo da ANM sobre a operação da mineradora.
A investigação aponta que as fraudes no Prad foram causadas pela atuação dos empresários Luiz Fernando Franceschini da Rosa, Lucas Prado Kallas e Bruno Henriques, que a partir de 2014 criaram a Cia Mineradoras Ferro Phoenix S.A, que depois foi alterada para Green Metals Soluções Ambientais S/A.
Segundo a PF, os empresários passaram nesta época a atuar de forma “agressiva” na mina e buscaram “exclusivamente, interesses econômicos, a despeito da mina estar em processo de fechamento”.
O relatório fala em “evidente prática de falsidade ideológica ambiental”. De acordo com a investigação, “as evidências coletadas ao longo do tempo, tanto através de documentos quanto de imagens de satélite, demonstram que as operações de mineração ultrapassaram os limites legais de maneira contínua e deliberada. A análise multitemporal das imagens revela uma expansão gradual e persistente das atividades, configurando o que pode ser interpretado como uma transgressão continuada e planejada. Mesmo diante das restrições legais, a empresa prosseguiu com suas operações em áreas não autorizadas, sugerindo uma clara intenção de desrespeitar as normas estabelecidas”.
A empresa não se preocupou em estabilizar os taludes, mas em aproveitar ao máximo o direito de lavra do minério. “Houve ação deliberada da empresa em não cumprir sua obrigação legal de estabilizar os taludes, o que gerou graves impactos ambientais. a empresa,a partir de 2014, foi relapsa no que era primordial, qual seja, estudar e projetar a estabilizar as áreas previamente trabalhadas, dando prioridade em obter lucro mediante a lavra, motivo pelo qual levantou dados de forma extrair “todo o minério economicamente lavrável contido dentro do direito minerário da EMPABRA”. A falta de manutenção dos taludes resultou em deterioração ambiental significativa, levando à erosão e degradação do solo”, diz a perícia.
A Globo Minas foi a primeira a obter o relatório e o G1 fez uma linha do tempo sobre o caso. Em setembro de 2024 ambientalistas já denunciavam que a Empabra estava minerando ilegalmente a Serra do Curral.
Servidores, segundo a PF, produziram relatórios “falsos e enganosos”, além de induzir juiz federal ao erro em processo de conciliação
O documento da PF detalha cada um dos atos dos funcionários da ANM a favor da mineradora. Em 11 de outubro de 2023, segundo a investigação, por exemplo, uma nota técnica sobre o pedido de retirada de pilhas pela empresa, tendo os dois servidores na ANM citados como envolvidos, foi produzido “um relatório ambiental de conteúdo falso ou enganoso”.
Entre uma série de omissões citadas está o relato dos técnicos da agência sobre a intervenção na chamada Pilha A e de “houve rebaixamento da cota, o que pode gerar futuras intercorrências na altura da Serra do Curral, em área atualmente tombada”.
Ações deste tipo foram registradas, segundo a investigação, também em três processos na Justiça Federal nas quais as ações dos servidores da ANM “induziu o juízo em erro, mediante alteração da verdade dos fatos”.
Segundo a PF, a ANM informou em um dos processos que a Empabra “estava apenas realizando a retirada das pilhas de minério previamente extraídas, conforme autorizado por ela e que não havia exploração não autorizada de minério no local” e “que a empresa mineradora cumpriu todas as exigências realizadas pela ANM, que não constatou o lançamento de poluentes ou degradação ambiental na área, não havendo indícios de lavra ilegal (mineração) ou atividades não autorizadas”.
O documento também informa que ações também respaldavam falsas informações sobre a segurança da mesma pilha de rejeito da mina. “A Agência também estabeleceu, desamparada de qualquer prova técnica robusta, nos referidos processos, sobre relevância da retirada da Pilha A, determinando que ainda não foi alcançado o fator de segurança estabelecido pela NBR 13029”, diz o documento.
Por conta destas informações, narra a PF, o juiz federal Robson de Magalhães Pereira suspendeu, em 29 julho de 2024, “mediante erro provocado pelas falsas alegações” da ANM o auto de interdição lavrado pelo Município de Belo Horizonte. Com isso, diz a PF, empresa conseguiu continuar a extração de material na mesma Pilha A. Segundo a investigação, essa ação deu retorno econômico para a empresa que teria “flagrantemente abandonada em estado de instabilidade” a montanha de rejeito e que essa ação “gerará novas emergências”.
“Mediante dados a serem apresentados pela ANM, está pendente conciliação judicial no âmbito do processo 6002925-98.2023.4.06.3800. Ocorre que o histórico da presente investigação evidencia a atuação possivelmente viciada dos servidores da ANM, motivo pelo qual há grande urgência no cumprimento das medidas pleiteadas nesta representação, que podem amparar referido processo e trazer a lume eventuais acordos fraudulentos entre ANM e empresários da Empabra”, afirma o relatório da PF justificando a deflagração da operação.
A investigação afirma que houve um padrão de conduta “uma vez que se comprovou a perpetração de diferentes tipos de fraudes, falta de planejamento para cumprimento de condicionantes com a consequente qualidade ruim de serviços, não pagamento de compensações financeiras devidas (CFEM), usurpação mineral, deterioração de bem tombado, dentre outras práticas ilícitas. Há que se expor que se evidencia a existência de pareceres de conteúdo falso, amparando tais fraudes, apresentados em procedimento administrativo ambiental da ANM”.
Outro lado: ANM, Empabra e envolvidos se defendem
O Observatório da Mineração enviou pedidos de posicionamento a todos os citados na reportagem.
A ANM disse que “reafirma seu compromisso com a transparência e a integridade na gestão dos recursos minerais do país. Diante da operação deflagrada pela Polícia Federal, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público Federal (MPF), a ANM informa que colabora integralmente com as autoridades e cumpriu todas as determinações judiciais. Por se tratar de um processo que corre em segredo de justiça, a ANM não pode fornecer detalhes específicos sobre a investigação. No entanto, a Agência tem o maior interesse em esclarecer os fatos e reforçar sua atuação para garantir que o setor mineral opere dentro dos mais altos padrões de legalidade e responsabilidade socioambiental”.
A Agência não respondeu sobre a situação específica dos servidores envolvidos. O Observatório não conseguiu localizar o contato dos advogados de Leandro Cesar Ferreira de Carvalho e Claudinei Oliveira Cruz. O espaço está aberto para manifestação.
O advogado de Luiz Fernando Franceschini da Rosa informou que ainda não teve acesso integral ao inquérito e que, por esse motivo, ainda vai prestar declarações sobre o caso.
A assessoria do empresário Lucas Prado Kallas informou que “o inquérito que levou à Operação Parcours, deflagrada pela Polícia Federal no final de março, tem como principais fundamentos fatos relacionados aos anos de 2023-2025, mais de 5 anos após Lucas Kallas ter encerrado sua relação com o Grupo empresarial Green Metals/Empabra. O empresário foi sócio-investidor da Green Metals entre 2012 e maio de 2018, sendo que a Green Metals somente adquiriu a Empabra em 2016. Kallas nunca ocupou qualquer cargo na gestão da Empabra. Até a saída de Kallas, em maio de 2018, as atividades eram regulares e com as autorizações vigentes para exploração. Dessa forma, a inclusão de Kallas no inquérito é completamente descabida. Kallas não pode ser responsabilizado por fatos ocorridos mais de 5 anos após sua saída da empresa”.
O advogado de Bruno Luciano Henriques informou que seu cliente “como sócio indireto da Empabra no período de 2012 a 2017, não tomou parte da sua gestão, desconhecendo qualquer irregularidade no curso das atividades da companhia”.
A Empabra enviou a nota que divulgamos na íntegra abaixo.
“A Empresa de Mineração Pau Branco (EMPABRA) atua com total transparência e responsabilidade para promover o fechamento definitivo da Mina Corumi, localizada na Serra do Curral, com o firme propósito de transformar a área em um corredor ecológico, com um parque verde, limpo e acessível à população mineira, especialmente aos moradores de Belo Horizonte.
Entre 2012 e 2018, cerca de 60% da área impactada pela atividade minerária já havia sido recuperada, o equivalente a quarenta campos do Estádio Mineirão. No entanto, a paralisação das atividades desde 2018 provocou a degradação progressiva das obras ambientais realizadas naquele período, comprometendo os avanços obtidos.
A EMPABRA sempre pautou sua atuação pelo rigoroso cumprimento das leis e normas ambientais, operando com total conformidade e respaldo legal. Todas as ações realizadas na Mina Corumi entre 2012 e 2018 foram devidamente autorizadas pelos órgãos competentes. Após a suspensão abrupta das operações em 2018, somente em 2023 foi concedida autorização formal para o escoamento do estoque remanescente acumulado.
A retirada e comercialização do material depositado em pilhas no interior da mina – fontes de erosão intensa e assoreamento dos sumps – foi uma medida emergencial e indispensável à segurança ambiental e à integridade das comunidades situadas a jusante.
Contudo, a EMPABRA ainda não possui autorização para a continuidade e conclusão da recuperação ambiental total da área, uma vez que tal processo exige licenciamento prévio e aprovação por parte de diversos órgãos reguladores, estaduais e federais. Impasses institucionais, semelhantes aos enfrentados em 2015 e 2018, voltam a dificultar esse processo, comprometendo não apenas a recuperação ambiental como também colocando em risco real a segurança das comunidades do entorno.
Com seriedade e responsabilidade, a EMPABRA mantém uma equipe técnica altamente qualificada, respaldada por pareceres geotécnicos validados por especialistas internos e consultores externos de reconhecida expertise. A empresa também contratou auditoria externa independente, conforme recomendação expressa do Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Prefeitura de Belo Horizonte e Agência Nacional de Mineração (ANM).
A EMPABRA reafirma, assim, seu firme compromisso com o encerramento definitivo das atividades minerárias na Mina Corumi e com a completa restauração da área, viabilizando sua incorporação ao Parque das Mangabeiras e a criação de um verdadeiro corredor ecológico para a cidade de Belo Horizonte”.