Destruição de cavernas autorizada por Bolsonaro é parte de programa encomendado pelo setor mineral

Decreto publicado na última quarta (12) por Jair Bolsonaro, o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente autoriza a destruição de cavernas, incluindo as de máxima relevância ecológica, histórica e cultural, para favorecer a instalação de novos empreendimentos.

A mudança de regras não acontece por acaso. O Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), lançado em dezembro de 2020 por Bolsonaro e pelo MME e que teve boa parte das suas 110 metas ditadas pelo setor mineral, como revelou com exclusividade o Observatório da Mineração na época, prevê “aprimorar a regulação que trata de cavidades naturais”.

O Decreto 10.935, portanto, é mais uma encomenda entregue pela cúpula do governo federal às mineradoras. A proteção de cavernas é um dos “empecilhos” a projetos minerários de alto investimento e com potencial para causar grandes danos. E o decreto de Bolsonaro/MME/MMA autoriza expressamente “impactos irreversíveis”.

Além disso, o texto diz que “diante de fatos novos” a classificação de relevância das cavernas poderá ser alterada pelos órgãos ambientais, que a destruição de áreas de máxima relevância depende de licenciamento – fartamente contaminado pelo lobby mineral – e que um empreendedor poderá solicitar ao órgão competente que as novas regras do Decreto valham mesmo para projetos em andamento, iniciados antes da publicação de 12 de janeiro.

Uma maneira de garantir que a destruição de cavernas seja autorizada para novos projetos e para projetos antigos, retroativamente, revisando licenciamentos anteriores.

Ao prever que a “utilidade pública” e econômica de projetos se sobressaiam a questões ambientais, históricas e culturais, o decreto garante ainda que projetos “sem alternativa locacional viável” sejam aprovados. É justamente o caso da mineração, que depende do local exato em que a jazida está localizada.

Um “liberou geral” encomendado por quem manda no setor.

Imagem de destaque: caverna de Lapa Vermelha em MG, foto de Douglas Magno

Governo quer acabar com “barreiras” ao setor mineral em 40% do território brasileiro

Em janeiro de 2020, o agora ex-Secretário de Geologia e Mineração do MME, Alexandre Vidigal, afirmou diretamente a diplomatas europeus que o governo Jair Bolsonaro queria ampliar a exploração mineral no Brasil e que as cavernas eram parte das “barreiras” que impedem o avanço da mineração, assim como terras indígenas e Unidades de Conservação.

Para o governo federal, 40% do território brasileiro tem essas “barreiras”. O objetivo claro é acabar com qualquer restrição.

No pacote em que entra o Decreto 10.935  está: o PL 191/2020, que libera terras indígenas para mineração; a revisão de um parecer da Advocacia-Geral da União pedida pelo MME que autoriza mineração em Unidades de Conservação – incluindo Florestas Nacionais; a atualização do Novo Código de Mineração em discussão no Congresso para fazer com que o setor mineral atinja 10% do PIB;  a abertura de novas áreas para mineração, flexibilização de regras, incentivos financeiros e aceleração de processos dentro da “guilhotina regulatória” em curso pela Agência Nacional de Mineração e a mudança geral do licenciamento ambiental brasileiro.

Boa parte dessas metas também são parte do Programa Mineração e Desenvolvimento, conforme imagem abaixo.

As cavernas são consideradas “barreiras” a projetos de mineradoras e empresas em todo o mundo. No Brasil, o projeto da fábrica da cervejaria Heineken em Pedro Leopoldo (MG), revelado pela Repórter Brasil, que ameaçava o sítio arqueológico em que foi encontrado o crânio de Luzia, o mais antigo das Américas, foi cancelado após a repercussão da matéria.

Na Austrália, cavernas sagradas para povos indígenas que foram destruídas pela Rio Tinto, uma das maiores mineradoras do mundo, levou a forte reação de lideranças indígenas, da sociedade civil, de investidores e ocasionou a troca de executivos da empresa.

SBE considera o decreto inconstitucional

A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) manifestou, em nota pública, “total desaprovação” ao Decreto 10.935 de 12 de janeiro de 2022.

Para os especialistas, o decreto foi “produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e, claramente, mostra a interferência direta dos Ministérios de Estado de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental. Esta interferência visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social”.

A SBE considera o decreto inconstitucional e afirmou que repudia o conteúdo do texto.

“Esperamos que o Governo Federal ouça a comunidade espeleológica, pesquisadores, pesquisadoras e as diversas instituições científicas que desenvolvem estudos nas cavernas brasileiras e que realmente podem contribuir para uma legislação espeleológica que, verdadeiramente, concilie o uso dos recursos que são essenciais para a nossa sociedade com a proteção deste patrimônio natural”, diz a nota. Entidades ambientalistas também criticaram duramente o decreto.

A Presidência da República, o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente, procurados pela reportagem, não se manifestaram até a publicação desta matéria.

Atualização às 20h de 19 de janeiro

Somente hoje, um dia depois da publicação da matéria, o Ministério de Minas e Energia respondeu aos questionamentos da reportagem. Segue, porém, a íntegra das respostas.

1 – Quais estudos técnicos serviram de base para a publicação do Decreto 10.935 de 12 de janeiro de 2022?

Estudos técnicos e científicos publicados, dissertações de mestrado, consultorias técnicas independentes, levantamentos e comparativos internacionais desenvolvidos pelo MRE, relatório de auditoria, além dos dados oficiais do Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (Canie), divulgados pelo ICMBio, bem como notas técnicas geradas no âmbito dos departamentos técnicos do MME.

2 – O Programa Mineração e Desenvolvimento, anunciado em dezembro de 2020, previa “aprimorar a regulação que trata de cavidades naturais”. Conforme documentos, boa parte das metas do PMD foram sugeridas diretamente por associações representativas do setor mineral. O MME comenta?

Assim como os demais programas desenvolvidos pelo MME, sempre de forma transparente e participativa, para a elaboração do PMD, participaram diversos atores que compõem o setor mineral: academia, sociedade civil e associações representativas do setor.

O PMD conta com plano inteiramente dedicado ao compromisso sócio-econômico-ambiental na mineração. Esse plano contém um maior número de metas, visando, entre outros, o desenvolvimento socioeconômico local e regional, com responsabilidade ambiental, o aprimoramento de parâmetros de segurança e sustentabilidade, e a contribuição para o atendimento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A agenda é crescer com sustentabilidade. O Brasil é uma potência mineral e precisa transformar seu patrimônio mineral em riqueza para o seu desenvolvimento sustentável e bem-estar da sociedade.

3 – Além da liberação da destruição de cavidades consideradas de máxima importância ecológica e histórica, o Decreto também prevê que um empreendedor poderá solicitar ao órgão competente que aplique as regras previstas no Decreto para um projeto em andamento mesmo considerando prazo anterior a 12 de janeiro de 2022, revisando autorizações anteriores. Qual a justificativa para isso?

Inicialmente, ressalta-se que não houve liberação da destruição de cavidades, mas sim a devolução ao órgão ambiental da competência quanto à avaliação de atividades em áreas passíveis de licenciamento com presença de cavidades de grau de relevância máximo, no âmbito do escopo da análise quanto à viabilidade ambiental.

O sistema de proteção de cavidades no Brasil compreende diversos mecanismos, que incluem áreas de preservação permanente, monumentos naturais, parques nacionais e parques estaduais, cuja preservação e conservação seguem regras específicas. Somente em Unidades de Conservação, são mais de 7 mil cavidades. Esse sistema está inteiramente mantido.

Cabe ressaltar que o licenciamento ambiental é um importante instrumento de gestão que objetiva conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação dos recursos naturais. Está calcado em rico arcabouço de normas ambientais, por meio do qual a administração pública controla empreendimentos e atividades efetivas ou potencialmente poluidoras que possam causar degradação ambiental. Além disso, busca promover as melhores práticas de modo a eliminar, mitigar e compensar os impactos ambientais negativos. Seus procedimentos e critérios podem ser revistos devido a fatos novos.

Quanto ao tratamento conferido às cavidades classificadas com grau de relevância máximo em áreas passíveis de licenciamento, o decreto define uma série de condições protetivas para que o órgão ambiental licenciador – exclusivamente no caso de empreendimentos de utilidade pública para os quais inexiste alternativa técnica e locacional viável e desde que não gere a extinção de espécie – exerça a sua competência de avaliar os resultados e impactos previstos pelo empreendimento e defina os parâmetros do licenciamento ambiental, bem como as devidas compensações.

Além disso, cabe destacar que o patrimônio espeleológico nacional foi ampliado significativamente após 2008, quando haviam 6 mil cavernas conhecidas no Brasil. Dados de 2020 indicam mais 21 mil cavernas conhecidas e a expectativa é que esse número continuará crescendo, a partir de todas as medidas protetivas e compensatórias definidas no atual decreto.

Dessa forma, o Decreto nº 10.935/2022 posiciona o Brasil com uma das legislações mais protetivas do mundo e se alinha à Política Nacional do Meio Ambiente, que visa à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

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