Por Pedro Sibahi*, para o Observatório da Mineração
O acordo final assinado entre os países participantes da COP 28, a Conferência do Clima da ONU, deixa claro que o abandono de combustíveis fósseis é uma realidade distante e que a lavagem verde triunfou em uma COP realizada em um país petrolífero, os Emirados Árabes, com recorde de lobistas do setor, quase 2500, ou sete lobistas da indústria fóssil para cada indígena no evento.
A exploração dos chamados minerais críticos – cobalto, níquel, cobre, lítio, grafite, terras raras, entre outros – essenciais para a transição energética, bem como os impactos socioambientais decorrentes, foram pouco debatidos ao longo do encontro, restando apenas promessas para o futuro que se somam a outras eternas promessas não cumpridas, como os US$ 100 bilhões anuais que os países ricos prometeram pagar para a mitigação e adaptação dos países pobres às mudanças climáticas. E nunca pagaram.
O máximo de consenso atingido na COP 28 presidida por um petroleiro negacionista foi que os países irão começar a fazer uma transição para longe dos combustíveis fósseis. Enquanto isso, vivemos o ano mais quente dos últimos 125 mil anos e as concentrações atmosféricas de gases do efeito estufa atingiram níveis sem precedentes em 2022.
Na COP 28, a centralidade da mineração ficou restrita a painéis de eventos paralelos. Vale e Braskem estiveram em peso no evento, vendendo as suas soluções verdes, a sustentabilidade das suas operações e os compromissos para enfrentar as mudanças climáticas.
A repercussão do afundamento contínuo em Maceió causado pela Braskem e a incoerência da presença da petroquímica na COP, apontada pelo Observatório da Mineração antes que qualquer outro veículo e que causou grande repercussão, fez com que a Braskem recuasse e abandonasse os eventos previstos na Conferência.
A importância dos minerais críticos, com exceção de eventos realizados pelas próprias mineradoras e sua narrativa enviesada, recebeu alguma atenção do Secretário Geral da ONU, António Guterres, em um discurso durante a cúpula dos líderes do G77 mais a China, no qual se comprometeu com a criação do “Painel sobre Minerais Críticos de Transição Energética”.
“A extração de minerais críticos para a revolução da energia limpa — desde parques eólicos a painéis solares e fabricação de baterias — deve ser feita de forma sustentável, justa e equitativa”, afirmou Guterres. Ele citou a preocupação dos líderes de países menos desenvolvidos em se beneficiar dessa transição com valor local agregado para defender que “não podemos repetir os erros do passado com uma exploração sistemática dos países em desenvolvimento reduzida à produção de matérias-primas básicas”.
O Painel deve reunir governos, organizações internacionais, indústria e sociedade civil para “desenvolver princípios comuns e voluntários para orientar as indústrias extrativas nos próximos anos, em nome da justiça e da sustentabilidade”.
Para Alexandre Strapasson, professor da Universidade de Brasília (UnB) e PhD em Ciências Ambientais pelo Imperial College de Londres, será necessário avançar na regulação e controle estatal do setor de mineração, mas o objetivo mais urgente desta COP era a aprovação de um acordo no sentido de abandonar os combustíveis fósseis.
“O jogo é pesado e é preciso estar atento, pois tudo o que o setor de fósseis mais conservador quer nas negociações são justificativas para manterem suas atividades business-as-usual, ou seja, sem interferências externas. Isso inclui, por exemplo, dizer que as [energias] renováveis também são poluentes, que há impactos e limites no setor de mineração”, avalia Strapasson. Ainda assim, ele considera que “ambas as questões precisarão ser geridas de forma célere e integrada: a transição energética e a gestão sustentável de minerais críticos”.
Posição similar vem do físico Shigueo Watanabe, especialista em mudanças climáticas e energia. “O mais importante nessa COP era colocar explicitamente que o mundo tem que abandonar os combustíveis fósseis”, afirma ele. Para Watanabe, o debate sobre os minerais necessários para a transição energética é igualmente essencial, porém deve ganhar maior peso só após esse primeiro passo avançar de fato. “No mundo todo, temos problemas com minerais críticos, mas no momento a pressão necessária é sobre a indústria do petróleo”, defende.
Segundo relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), de 2017 a 2022, a demanda do setor energético foi o principal fator responsável por um aumento de três vezes na procura global por lítio, além de um salto de 70% na procura por cobalto e 40% de aumento na procura de níquel. De acordo com o documento, “impulsionado pelo aumento da demanda e pelos preços elevados, a dimensão do mercado dos principais minerais de transição energética duplicou nos últimos cinco anos, atingindo 320 mil milhões de dólares em 2022”.
Caso o compromisso assinado na COP 28 de atingir Zero Emissões Líquidas (Net Zero) de carbono até 2050 seja levado a cabo, projeta-se que a demanda por minerais críticos crescerá três vezes e meia até 2030, ultrapassando os 30 milhões de toneladas. Apesar desse cenário, não há uma linha a respeito da mineração no documento final da conferência.
Créditos das fotos: COP 28 Divulgação / Christopher Pike / Andrea Dicenzo
Regulação estatal sobre a mineração é problema crônico
O maior desafio no avanço da transição energética talvez se concentre na regulação e controle por parte dos Estados. Hoje, os mecanismos são de caráter nacional e local (com aprovações tanto a nível municipal como estadual), com fortes disparidades regionais dentro de um mesmo país, mas também entre as diferentes áreas do globo terrestre.
Consultada pelo Observatório da Mineração, a Iniciativa de Transparência para Indústrias Extrativas (EITI, na sigla em inglês), por meio da sua porta-voz, destacou a importância de que o crescimento do setor de mineração seja sustentada por transparência e boa governança.
“Para abordar os riscos de governança, estamos trabalhando em estreita colaboração com os países que implementam o Padrão EITI, um mecanismo de elaboração de relatórios que reforça a transparência e o diálogo entre as diversas partes interessadas ao longo da cadeia de valor dos minerais. A implementação da EITI proporciona um quadro para identificar e mitigar os riscos de corrupção, reforçando as salvaguardas ambientais e sociais e promovendo a transparência nos contratos, pagamentos de impostos, comércio de mercadorias e propriedade de empresas”, diz a nota.
“Para este fim, a EITI, juntamente com um grupo de empresas, grupos de reflexão e organizações da sociedade civil, também lançou um apelo à ação na COP28, instando as partes interessadas a promoverem a transparência e a responsabilização no setor das energias renováveis em oito áreas, incluindo a transparência da cadeia de abastecimento”, diz a nota.
Segundo a organização, cerca de 80% dos projetos de minerais críticos em países que implementam o Padrão EITI estão localizados em territórios de povos indígenas ou outros povos tradicionais, enquanto aproximadamente 50% se sobrepõem a áreas de conservação. “Com os preços elevados, a mineração fica mais suscetível a ser empurrada para áreas mais sensíveis do ponto de vista ambiental e social, a necessidade de salvaguardas fortes nos processos de aprovação é mais premente do que nunca”, acrescenta.
No Brasil, o físico Watanabe destaca que a mineração deve ser objeto de escrutínio público e prevê que, ao menos no país, os maiores riscos se localizam na Amazônia, em especial nas áreas das comunidades e povos tradicionais, bem como nas áreas de proteção ambiental. “Tem pressões fortes para afrouxar a legislação no Brasil. O que segurou essa discussão foram os desastres da Vale e da Samarco, gerou um alerta”, acrescenta.
Para Strapasson, “o Brasil historicamente tem sido conivente com uma série de práticas insustentáveis observadas em grandes empreendimentos no setor mineral, desde o período quando o setor era predominante estatal até o presente, com participação de grupos privados tanto do Brasil quanto do exterior. Essas contradições são reflexo da forma como se faz política em nosso país e de nossa própria sociedade. Há problemas que remontam ao período colonial e aos processos de escravidão”.
“As grandes empresas de mineração possuem forte influência sobre decisões legislativas e estão amparadas por forte assessoria jurídica em suas operações. Isso dificulta a defesa pelo interesse de comunidades atingidas e de organização de seus trabalhadores, incluindo a mitigação de danos, aplicação de multas, medidas de adaptação local, compensação e contenção de impactos. A atuação das mineradoras ainda está muito distante do que se espera em termos de uma gestão eficaz de impactos ambientais e trabalhistas”.
Segundo o professor, a transição energética precisa ser acelerada, mas há outros limites planetários que devem ser respeitados neste processo, o que inclui o uso sustentável de minerais críticos. “É importante, por exemplo, haver uma diversificação das cadeias de suprimento do setor de mineração”, pondera.
“Situações de monopólio e oligopólio de empresas e países não têm se mostrado adequados, com riscos à segurança da própria transição energética, haja vista as possíveis manipulações de mercados, com negligência de interesses socioambientais pela concentração de poder, assim como o agravamento de relações geopolíticas sensíveis”, acrescenta o professor da UnB.
Ele defende que é possível desacelerar a demanda de produtos do setor mineral, por exemplo aumentando a eficiência energética, desenvolvendo tecnologias menos dependentes de minerais críticos, aumentando a reciclagem de componentes e promovendo mudanças comportamentais, sobretudo de estilos de vida consumistas.
Em 2025, o Brasil irá sediar a COP 30. Shigueo lembra que, sendo o país um polo estratégico na exploração de diversos minerais usados nas cadeias globais de produção, haverá uma grande oportunidade para se pressionar por regulações mais robustas no setor. “A questão mineral é super importante para uma COP na Amazônia. Se não foi dessa vez nos Emirados Árabes, em Belém, que tem escritório da Vale e de outras mineradoras, será o momento dos minerais entrarem em foco nessa discussão”, concluiu.
Para o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa as maiores mineradoras do país, essa será justamente a oportunidade para vender o que chamam de “mineração sustentável”, de acordo com o tom do evento promovido na mesma Belém este ano e já com nova edição programada para 2024.
Em resposta ao Observatório, o IBRAM disse que as mineradoras presentes na COP 28 mostraram que “têm acelerado a transição de suas fontes de energia; investem em reciclagem; desenvolvem novos produtos de baixa emissão; atuam em parceria, de modo a reduzir a pegada de carbono setorial” e que as empresas “caminham para assegurar que os ajustes para enfrentar os efeitos climáticos sejam economicamente viáveis”, com foco especial na COP 30 no Brasil.
Mudanças são precisas para que mineração deixe de aprofundar desigualdades
De acordo com um estudo da Agência Internacional para Energia Renovável (IRENA), “já é evidente um descompasso entre a oferta e a procura de vários minerais críticos, com níveis particularmente elevados observados para o lítio – um material essencial necessário para os setores de armazenamento de energia de curta duração e transporte elétrico”. O documento aponta um elevado risco de concentração na cadeia de abastecimento global de energias renováveis e aponta o possível surgimento de gargalos para componentes-chave da indústria eólica ainda na segunda metade desta década na Ásia e nas Américas.
Países ricos em alguns dos minerais críticos, como a Indonésia, a Namíbia e o Zimbabué, introduziram medidas para proibir a exportação de minério não processado. Globalmente, as restrições à exportação de matérias-primas essenciais quintuplicaram desde 2009.
O mesmo relatório da IRENA afirma que a extração e processamento de minerais críticos está restrita a territórios específicos, expondo estas cadeias de abastecimento a tensões geopolíticas e riscos de concentração. “Os decisores políticos devem trabalhar com o setor privado para identificar lacunas de produção e fraquezas da cadeia de abastecimento numa base nacional e regional, e gerar estratégias para reforçar a segurança da cadeia de abastecimento”, diz o documento.
Os impactos da mineração são diversificados, e para além dos interesses geopolíticos, envolvem aspectos ambientais e sociais. As operações podem afetar fontes de água, liberar substâncias tóxicas na atmosfera, destruir áreas ambientais protegidas e inviabilizar a vida em territórios de populações tradicionais. Há ainda a questão de regulação do trabalho utilizado nesses empreendimentos.
Um exemplo vem da República Democrática do Congo, responsável por 70% da extração de cobalto no mundo, onde a pressão da alta demanda incentiva a propagação de pequenas operações irregulares, com mão de obra análoga à escravidão e até mesmo trabalho infantil. Um relato sobre o tema está em artigo assinado pelos médicos Marx Itabelo Lwabanya e James Huang, publicado na Scientific American.
Em outros momentos da história, nos países menos desenvolvidos, booms de mineração trouxerem riqueza de forma concentrada, além de aprofundar desigualdades, e de uma piora nos indicadores de saúde e de preservação do meio ambiente. A mineração ilegal, é mais um fator que entra nessa conta, com consequências ainda mais perversas.
O próprio escritório da ONU para Drogas e Crimes (UNODC), destaca em seu site que à medida que a procura por materiais críticos aumenta, os riscos de corrupção e de crime organizado também aumentam. A agência organizou um fórum ministerial no qual lançou o “Apelo à Ação de Abu Dhabi para Apoiar e Reforçar o Papel das Agências de Aplicação da Lei na Luta contra os Crimes que Afetam o Ambiente”.
A ONU defende que “uma aplicação rigorosa da lei é crucial para proteger as florestas e os sequestradores naturais de carbono da degradação e da exploração ilegal. Devido à escala, complexidade e natureza transnacional do desafio, é necessária uma resposta eficaz que incorpore múltiplas agências, cooperação regional e partilha de informações entre as autoridades dos países de origem e dos mercados de destino destes materiais”.
Pedro Sibahi é jornalista com mais de 10 anos de experiência e passagens por Folha, Estadão e Repórter Brasil.