Condições essenciais para o crime da Vale não cair no esquecimento

Pra você, que acredita na preocupação sincera e na disposição da Vale em reparar os danos causados ao meio ambiente e à população, sugiro que guarde este post-premonição e coteje com o que vai ocorrer daqui em diante pra ver se eu erro muito:

1 – advogados e comunicadores estão agora juntos, naqueles comitês de gerenciamento de crises (que eu chamo de “tapa-merda”). Os primeiros, preocupados com o patrimônio material da empresa; os segundos, com a imagem pública dela.

2 – os comunicadores da Vale/Samarco plantarão releases por todo o canto mostrando ações beneméritas da empresa (mesmo que inócuas). O importante é mostrar que estão trabalhando. Fomentarão iniciativas de solidariedade da população para com as vítimas, procurando desviar o foco para aquilo que Nelson Rodrigues chamou de “solidariedade só no câncer” do brasileiro. Foquem na dor das vítimas, esqueçam os algozes. Histórias de superação e resgates emocionantes serão bem vindas.

3 – Os advogados, junto com técnicos e especialistas especialmente contratados para este fim, procurarão qualquer tipo de “força maior” capaz de elidir ou minimizar a responsabilidade da empresa. Se não acharem nada, montarão as defesas com base nas licenças concedidas pelo poder público, alegando terem feito tudo o que lhes foi exigido e a tragédia só pode ter sido enviada pelo demônio.

4 – As vítimas serão convocadas pelos advogados para negociar o ressarcimento dos danos. Serão chamadas individualmente, e toda iniciativa de organização coletiva das vítimas para a luta pelos seus direitos será dificultada. Advogados espertalhões surgirão, do nada, para “defender” as vítimas.

5 – A Vale estipulará internamente um teto para os gastos totais com indenizações (com bônus aos advogados por economia, claro). Para não ultrapassá-lo, os negociadores vão barganhar, pechinchar, humilhar, pressionar, ameaçar. Serão frios e sujos como a lama da barragem.

6 – Enquanto rola essa “negociação”, a galera da comunicação trabalha pra fazer o caso sumir do noticiário. Vítimas contarão histórias, mas nenhum veículo se interessará em publicá-las, por mais escabrosas que sejam.

7- O MP vai tentando fazer o que pode pra condenar a empresa a uma multa astronômica e obrigações de fazer, mas esbarra no Executivo chorando que “assim vc vai quebrar a Vale, milhões ficarão desempregados, o dano social será maior ainda etc etc.”

8 – A lerdeza do Judiciário vai ajudando a esfriar a coisa. Quando o caso chegar ao final, a Vale, com sua atividade frenética de exploração sem ser obstaculizada, já terá acumulado dinheiro suficiente para pagar 300 vezes o valor a que for condenada. Executivos serão condenados (talvez alguns barnabés da Secretaria do Meio Ambiente). Mas não cumprirão pena, pois a pretensão punitiva estará prescrita.

9 – E não me espantarei se a área onde ficava a ex-comunidade de Bento Rodrigues virar mais uma mina, ou mais uma barragem da Vale.

Coloco abaixo uma lista de “mantimentos” que eu acredito serem as necessidades imediatas das vítimas de Mariana-MG (roupas, cobertores, comida, remédios etc., deixem que a Vale forneça):

– técnicos (geólogos, geofísicos, engenheiros, sismólogos) realmente isentos, para acompanhar a apuração dos fatos e desvendar as reais causas da tragédia (ALÔ, CREA-MG!);

– advogados competentes que se disponham a atuar pro bono (ALÔ, OAB-MG), pra não deixar o povo ser pisoteado pela banca adversária;

– jornalistas livres (não “livres”) no local dos fatos, para não deixar esse descalabro cair no esquecimento e ir jogando luz em todos os passos dos envolvidos no episódio.

– que todos nós usemos as redes sociais como instrumento de pressão contra as autoridades do Executivo para que cheguemos a uma SOLUÇÃO para essas pessoas e para o meio ambiente.

Se esses “mantimentos” não chegarem à região com urgência, a possibilidade de eu acertar 9 dos 9 pontos citados aumenta muito. E eu nunca quis tanto estar errado na minha vida.

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