Complexo da pilha de rejeitos da Jaguar Mining que desmoronou em MG funciona com licenciamento renovado automaticamente desde 2012

Prorrogação automática da validade. Esse é o nome da previsão legal que permitiu, por mais de 12 anos, a exploração de ouro realizada pela empresa canadense Jaguar Mining em Conceição do Pará (MG), segundo apuração exclusiva do Observatório da Mineração.

É com essa brecha na legislação ambiental federal que a extração acontecia mesmo sem a apresentação de estudos complementares para avaliar possíveis contaminações no solo.

Faltou a condução de uma investigação detalhada sobre a estrutura da Pilha Sá Tinoco, montanha de rejeitos que desmoronou no começo de dezembro de 2024 e exigiu a evacuação de mais de 250 pessoas de suas casas no povoado de Casquilho de Cima

A operação da Mina Turmalina, interditada desde o deslizamento em 7 de dezembro, não teve até hoje a licença de operação revalidada desde que o processo foi aberto em 2012.

Esse procedimento de revalidação se refere às três Licenças de Operação que a mina recebeu entre 2008 e 2009 (LO nº 012/2008, LO nº 012/2009 e LO nº 076/2009) e que também permitem o funcionamento de uma barragem. O status no sistema no processo de revalidação destas licenças é de “aguardando informação complementar”, cujo prazo venceu em 2012 e 2013.

A legislação (§ 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011) estabelece que se o requerimento de revalidação da licença for formalizado antes do término do prazo, as operações podem continuar enquanto o pedido não for analisado pelo órgão ambiental e fica automaticamente prorrogado.

Os dados e informações estão disponíveis no Sistema Integrado de Informação Ambiental (SIAM) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG). A Jaguar Mining foi multada pelo órgão ambiental estadual no começo deste ano, depois do deslizamento da pilha, pelos danos sociais e ambientais, em R$ 320 milhões.

No processo de revalidação consta que foi formalizado apenas o relatório de cumprimento de condicionantes e o relatório de automonitorização em cinco datas: 26/10/2017, 05/04/2018, 24/07/2018, 30/01/2019 e 31/07/2019. Em consulta ao Siam, verifica-se que dos três processos de Licença de Operação, o último envio foi em 27 de janeiro de 2021.

Imagem de destaque: Sisema / Divulgação

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Semad confirma uso de renovação automática no licenciamento por mais de 12 anos

Em nota enviada ao Observatório da Mineração, a Semad-MG confirma o uso da renovação automática no licenciamento ambiental. E que neste período foi determinado a manutenção do monitoramento da água subterrânea com a coleta de amostras de solo e outras medidas. Também foi exigido que a empresa atualizasse o relatório de monitoramento após a execução dessas ações.

Mas que somente em dezembro de 2024, quando o deslocamento da pilha aconteceu, o referido estudo, nunca entregue, foi cobrado novamente e foi solicitado à empresa. Diante dos novos fatos, foi, finalmente, exigido a apresentação de um laudo de solubilização e lixiviação, com coleta de amostras em diversos pontos do material movimentado, considerando também os produtos químicos que possam ter sido transportados pelos rejeitos deslocados. A Feam aguarda o resultado do laudo para avaliar riscos ambientais e adotar medidas de mitigação e reparo. Veja a íntegra da nota da Semad.

Ainda em 2019, no documento “Technical Report on the Turmalina Mine Complex, Minas Gerais State, Brazil”, a Jaguar Mining admitia que um estudo técnico ambiental realizado indicou o arsênio entre os rejeitos com potencial de lixiviação e que isso deveria ser monitorado.

Ao todo, segundo o auto de fiscalização emitido em 11 de dezembro, foram desalojadas 255 pessoas de 75 famílias, que ocupavam 120 casas, sendo sete delas soterradas ou mais afetadas diretamente.

A área atingida pela massa de rejeitos da mineração, estimado pela empresa em 750 mil m3, atingiu 10 hectares, sendo que em 1 hectare foi retirada a vegetação da Mata Atlântica em área de preservação permanente, além de ser preciso o resgate de 678 animais de criação, estimação e silvestres. O Córrego Casquilho, próximo da oficina da Jaguar, foi atingido em “pelos menos” 180 metros, de acordo com o mesmo auto de infração. 

Risco de novos acidentes, sem um licenciamento definitivo, também pode atingir barragem da mesma mina, alerta ambientalista

Maria Teresa Corujo, a Teca, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM), alerta que entre 2012, quando o processo da Turmalina foi iniciado, e até agora, aconteceram os rompimentos de Mariana e Brumadinho e que a mina Turmalina tem também uma barragem cuja licença de operação aguarda a revalidação.

“A mina é um conjunto de estruturas, entre elas a barragem e a pilha. Essa mina está com suas licenças de operação ‘sem validade’ real desde 2013, já que não foram revalidadas. A prorrogação automática já está valendo há 12 anos, sem qualquer acompanhamento por parte da Feam/Semad. Afinal, é no momento de revalidação da licença de operação que se prevê avaliar os controles ambientais e a situação da mina para só então revalidar por mais um prazo. Essas demandas que a Feam só fez agora estão 12 anos defasadas”, avalia Corujo.

Segundo a ambientalista, as ações recentes dos órgãos ambientais e de controle com multas e interdição da mina são uma contradição ao não se exigir, por tanto tempo, dados precisos sobre as questões ambientais e de segurança.

“É tudo muito mais que contraditório. É irresponsável. Porque a mina é um complexo e os riscos que demandam o devido controle ambiental e monitoramento (que não deveria ser somente ‘automonitoramento’ por parte da empresa) precisam ser considerados de forma sistêmica. Deveria haver uma análise ambiental integrada. Fragmentam o máximo que podem”, alerta.

Questionada pela reportagem, a Agência Nacional de Mineração (ANM) também citou a legislação que permite a renovação automática do licenciamento “até a manifestação definitiva do órgão competente”. E que não foi “dada ciência à ANM sobre decisão do Órgão ambiental relacionada a ausência dessa documentação” sobre a falta de monitoramento ambiental.

“A licença Ambiental em prorrogação automática está amparada por Lei complementar e é válida até decisão do órgão Ambiental competente, logo, a ANM não tem como desconsiderar a Licença Ambiental em prorrogação automática até a decisão do Órgão Ambiental competente”, diz.

A agência reguladora informa ainda que entre 2012 e a data do rompimento da pilha, a mina foi fiscalizada em oito oportunidades, sem precisar as datas ou outras ocorrências como autos de infração ou multas. E que após a comunicação do rompimento da pilha, o empreendimento foi fiscalizado no dia do ocorrido (7) e nos dias 10, 13, 17, 18 e 26 de dezembro de 2024.

Também por meio de uma nota (veja a íntegra), a Jaguar Mining informa que a mina “possui licença ambiental válida e presta continuamente todas as informações e esclarecimentos aos órgãos ambientais, por meio dos sistemas oficiais”.

Além do atendimento às famílias afetadas, a multinacional também afirma que “instalou georradares para monitorar o local”. “Também foram concluídas obras emergenciais de contenção da pilha de rejeitos/estéril, que incluíram a construção de um dique de contenção e de estruturas para a retenção de sedimentos de águas pluviais”, alega a Jaguar.

Foto: Pedro Vilela / Tanto Expresso / CBH do Rio Pará

Falta avaliação de risco nas estruturas com limites fixados na legislação, além de transparência dos dados e autorizações apenas com base em autodeclaração

Para Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em MG, a segurança das pilhas de rejeito como essa que desmoronou no final do ano passado e da francesa Vallourec em janeiro de 2022, precisam levar em conta aspectos técnicos sobre a altura e peso, inclinação dos taludes e de um sistema de esgotamento de água de chuva “muito bem feito”.

O problema, segundo Grillo, é que o controle das pilhas até hoje não tem uma regulamentação em lei. Existe, diz o especialista, uma “sugestão” que foi elaborada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), “Diretrizes Técnicas e Socioambientais para Projetos de Pilhas de Rejeitos de Mineração”.

Mas, segundo ele, este estudo, apesar de ser bem realizado, não coloca “com clareza” estes três aspectos técnicos ou não define limites para as dimensões das pilhas e nem de controle de águas pluviais, especialmente com o impacto das mudanças climáticas e de chuvas acima do normal como já aconteceram em outras tragédias no país.

“A gente tem que trabalhar com muita atenção na questão de fundações. Se não forem muitíssimos cuidadosos com o preparo do solo, pode ocorrer o que aconteceu no caso da Jaguar, analisando à distância. Nessa pilha, que teve esse escorregamento, não houve o preparo adequado da base. Então, ela rompeu por um fenômeno que na mecânica do solo se chama de ruptura por cisalhamento”, avalia.

Para Grillo, outro problema é que a autodeclaração e a falta de transparência das informações técnicas das empresas sobre as pilhas, assim como nas barragens, é o mesmo modelo que propiciou as duas tragédias de Mariana e Brumadinho. 

“Eles não avaliam o risco. Eles não se responsabilizam pela informação que estão repassando para a sociedade. Muito menos para esse Conselho que delibera e tem 75% dos votos para o poder econômico e está completamente desequilibrado. Tem uma ação civil pública de 3 de dezembro de 2020, do Ministério Público de Minas Gerais, que explica, com detalhes, como é desequilibrado”, diz ao mencionar o aval dado para os empreendimentos pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).

Segundo Grillo, uma análise mais detalhada deveria ser realizada e ficar à disposição das comunidades, justamente para saberem quais são os riscos de se viver perto destas minas, pilhas de rejeitos e barragens. No caso das barragens a questão das chuvas pode ser ainda pior ou mais delicada.

“Não temos nem uma única barragem no estado de Minas Gerais que resista a uma chuva como, por exemplo, as que tivemos no Rio Grande do Sul, Bertioga ou em Cabrália e em Petrópolis. Acima de 400 milímetros, mas indo até, por exemplo, 683 milímetros em um dia. As nossas barragens estão preparadas até 350 milímetros”, alerta.

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