Cercados pela mineração e pela soja, agricultores buscam alternativas econômicas no Maranhão

Cortada pela Estrada de Ferro Carajás e pela Ferrovia Norte-Sul, duas das principais vias de escoamento de minério de ferro, grãos e celulose do Brasil, Açailândia, no Maranhão, concentra as consequências que a explosão da venda de commodities no mercado internacional causa a comunidades tradicionais.

Cercados pelo minério da Vale que sai de Carajás, no Pará – foram 85 milhões de toneladas somente de janeiro a junho de 2021 – e pela expansão predatória da soja, agricultores lutam para sobreviver e encontrar alternativas econômicas duráveis.

É para fortalecer a soberania alimentar, a economia popular, as atividades no campo, evitar a migração forçada, prestar assessoria técnica e apoio financeiro para a agricultura familiar que o projeto Centro de Inovação Rural e Desenvolvimento Agroecológico (CIRANDA) da Justiça nos Trilhos atua na zona rural de Açailândia.

Um dos eixos é voltado para a oferta de crédito rotativo para famílias selecionadas, que recebem orientação e oficinas. Com apenas R$ 3 mil é possível incentivar o acesso a um recurso que as famílias dificilmente conseguem com bancos sem comprometer muitas vezes o único bem que possuem: a terra.

O valor de R$ 3 a 5 mil que cada família recebe é usado para investir na criação de porcos e galinhas, no processamento de polpa de frutas, no plantio e beneficiamento de grãos e hortaliças e outros. As famílias também recebem apoio para comercializar a produção ao final do ciclo. O dinheiro é restituído para o projeto e será disponibilizado para novas famílias selecionadas.

“Nós temos um coletivo de mulheres que escolheu investir em polpa de frutas. É importante porque ajuda a termos um conhecimento maior, a partir das oficinas, sobre o manejo agrícola. E melhora muito os impactos da mineração”, conta Alzeneide Prates, conhecida como Gabi, por telefone.

As mulheres plantam maracujá e acerola, planta que, se irrigada, pode frutificar o ano todo. A comunidade de Francisco Romão, onde Gabi mora, é uma das mais afetadas pelo avanço da soja em Açailândia e pela estrada de ferro da Vale.

“Para conseguir algo da Vale é preciso mobilizar, ir ao Ministério Público, cobrar. Não há qualquer ajuda espontânea da empresa”, diz Gabi, que é uma das líderes da comunidade. Em 2018, as reivindicações só foram atendidas após quase 20 dias de interrupção da estrada de ferro. Mesmo assim os acordos não são cumpridos, conta.

“Os projetos da Vale para as comunidades são muito burocráticos, não contemplam todas as famílias e não tem um acompanhamento adequado. Não são feitos para que as pessoas tenham uma renda melhor”, critica Gabi.

Foto de destaque: Ingrid Barros

Sojeiros, impulsionados pela mineração, se aproveitam da vulnerabilidade social

Muitos moradores de Açailândia também têm sido assediados a vender ou arrendar terrenos para os sojeiros. Sem alternativas econômicas, sem o apoio público e pressionados, muitos acabam cedendo, inclusive a contragosto. A pulverização aérea de agrotóxicos é outro problema grave, que causa doenças e danos às plantações familiares orgânicas.

É o caso de Maria Rosa Alves, que mora há 15 anos na zona rural da cidade. Casada e mãe de 3 filhas, Maria Rosa conta que investiu o dinheiro recebido do projeto da JnT na criação de porcos junto com 4 outras mulheres.

Além disso, a família planta arroz, feijão, milho, batata, mandioca, criam galinhas e sobrevivem da terra em roças próximas das casas em que vivem, cenário comum na região. Com pesar, Rosa conta que foi “praticamente obrigada” a arrendar parte da sua terra para o agronegócio. A outra parte foi mantida para a agricultura de subsistência.

Quase todos os vizinhos fizeram o mesmo. O pagamento é feito anualmente por hectare. Rosa lamenta a situação. “Estou aqui no assentamento desde o início e não queria ver isso que está acontecendo. Não recomendo a ninguém porque é uma destruição. Quando olho fico muito triste”, me disse.

Ao lado do marido, Rosa não conseguiu manter a roça com recursos escassos, pandemia e inflação em crescimento. Os sojeiros aproveitam a fragilidade socioeconômica dos moradores e acabam comprando barato os terrenos. No caso deles, pelo menos, conseguiram evitar a aplicação de agrotóxicos por via aérea.

O terreno de Rosa também dá diretamente para a ferrovia da Vale. Os trens passam 24 horas por dia levando minério, grãos e celulose para os portos de São Luís.

“Eu sinto o impacto, o incômodo. Às vezes estou dormindo à noite e acordo assustada com a turbulência causada pelos trens. Fico atordoada”, contou Rosa.

Deisy Najara mora com o marido e o filho de 4 anos em outra comunidade. Também investiu na criação de suínos com o dinheiro que recebeu da ONG e resiste a vender ou arrendar o seu lote. Seu marido, porém, trabalha operando trator para um sojeiro.

Segundo Deisy, o dinheiro do projeto é muito útil para enfrentar a realidade. “A gente não conseguiu empréstimo em banco ou lugar nenhum. O pequeno agricultor não tem valor comercial para pegar dinheiro”, me disse. Para conseguir um financiamento, muitas famílias acabam comprometendo a terra, que os bancos pedem como garantia e podem levar pela metade do preço em caso de inadimplência.

Na terra do sogro, onde plantam arroz, feijão e milho, veio parte do milho usado para a alimentação dos porcos. Enquanto muitos vendem a terra e deixam a comunidade, Deisy resiste. “Esse projeto para mim foi de grande valia. Tenho filho e não tenho com quem deixá-lo à tarde. Esse projeto é uma forma de gerar renda porque eu não tinha outra função a não ser dona de casa e mãe”, contou.

No início de setembro, o governo do Maranhão anunciou uma parceria com o Banco do Nordeste para oferecer crédito a agricultores familiares. A experiência dos moradores de Açailândia mostra que, na prática, a situação está longe do aceitável e os entraves são muitos.

Mercado internacional ignora direitos humanos

Para o agrônomo e sociólogo João Carlos, coordenador do projeto da Justiça nos Trilhos que mora em Açailândia há mais de 20 anos, a demanda é grande. 15 famílias já foram beneficiadas até agora e a previsão é de atender mais de 40.

“O Maranhão é o estado com a maior porcentagem da população em zona rural. A ideia é mostrar que há alternativas para essas pessoas enfrentarem a pressão da mineração e do agronegócio”, disse João Carlos.

A expansão da soja, a partir de 2016, veio junto com as estradas auxiliares abertas a partir da instalação e duplicação da ferrovia da Vale. Mineração, agronegócio, celulose e siderurgia se fundem na economia local, em uma cadeia mercadológica que se retroalimenta ignorando os direitos humanos.

O mesmo corredor logístico é usado por grandes empresas, que contam com o apoio de todos os governos do Maranhão nas últimas décadas. Isso explica parte da dificuldade em aprovar uma lei que proíba a pulverização aérea de agrotóxicos, por exemplo, algo que já existe em estados como o Ceará.

“As pessoas sentem na pele. Queda de cabelo, coceiras, queimaduras. O impacto é direto nas pessoas e nas plantações”, conta Gabi.

O problema tem se intensificado. A comunidade Baianos, do Projeto de Assentamento Francisco Romão, que até 2018 tinha 25 famílias assentadas, hoje tem 5. As demais arrendaram ou venderam os lotes. O assentamento Planalto I, que até 2019 tinha 65 famílias, tem atualmente 11. Os compradores ou arrendatários, poucos dias após fechar o negócio, costumam derrubar a mata, as casas de moradia, as cisternas para armazenamento de água e qualquer benfeitoria que permita a vida da família naquelas condições, para evitar que desistam da transação.

João Carlos, de verde, ao centro. Fotos de divulgação da JnT

Para piorar, o governo do Maranhão lançou em 2020 o Zoneamento Econômico Ecológico da Amazônia maranhense que, na prática, reduz a porcentagem de preservação da floresta (Reserva Legal) das propriedades no bioma de 80% para 50%. “Isto supõe mais um incentivo ao desmatamento e a corrida para a aquisição de novas áreas, em previsão a uma forte alta do preço da terra”, diz João Carlos.

O Maranhão vem batendo recordes seguidos de produção anual de grãos, com destaque para a soja, superando 3 milhões de toneladas por ano. Para 2021, a expectativa é de novo crescimento.

Isso confirma “as ações desenvolvidas pelo Governo do Estado para movimentar o setor”, diz notícia do governo maranhense. “Continuaremos a dialogar e prospectar medidas que estimulem o agronegócio e possam impulsionar o potencial das cadeias relacionadas”, afirma o secretário de Indústria, Comércio e Energia (Seinc), Simplício Araújo.

O diagnóstico de João Carlos é de que os assentamentos e comunidades camponesas estão em acelerado processo de esvaziamento e as famílias que permanecem sentem-se desamparadas, sem incentivos do governo para continuarem na atividade agrícola e sem perspectiva de uma vida digna no campo.

“A Amazônia tem sido palco de inúmeros conflitos agrários e a desproporção de meios e o ambiente político favorável ao agronegócio aumenta, cada vez mais, a tensão social”, afirma o agrônomo e sociólogo.

O caso de Açailândia, emblemático, mostra o que acontece quando mineração, agronegócio e poder público se unem para favorecer o comércio em detrimento dos direitos humanos previstos na Constituição brasileira.

A esperança é que a mobilização para o mapeamento das comunidades e a gestão comunitária do fundo rotativo possam desencadear uma dinâmica de engajamento e solidariedade intra-comunitária que promova a permanência na terra.

“Nestas condições, promover a agroecologia, empoderar as comunidades e, sobretudo, reforçar a autoestima dos jovens desvelando o processo de exclusão que está em curso na região são as estratégias de justiça ambiental que propomos”, diz João Carlos.

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