Parlamentares alinhados a mineradoras reforçam presença no Congresso e setor mineral deve manter privilégios

Uma previsão segura para toda eleição é que, não importa o que aconteça, as mineradoras sairão ganhando.

Não é um jogo de adivinhação, é história: parlamentares bancados direta e indiretamente pelo dinheiro da mineração tem cadeira cativa no Congresso.

Mineradoras inundam candidatos com centenas de milhões de reais a cada pleito. Em 2014, última eleição em que a doação direta de empresas foi permitida, foram cerca de R$ 104 milhões, mais de R$ 80 milhões da Vale.

Com as regras alteradas, empresários da mineração continuaram bancando candidatos em todas as instâncias da política, da federal até a local. O lobby minerador ganhou uma Frente Parlamentar para chamar de sua em 2019.

O dinheiro do garimpo chegou forte em 2018 e a atuação pró-garimpo é a marca mais visível dos 4 anos do governo de Jair Bolsonaro e deste Congresso.

Além disso, seja com governos de direita ou “esquerda”, as mineradoras sempre mantêm uma relação muito próxima com o poder. O objetivo é simples: atender aos seus interesses e garantir os inúmeros privilégios intactos.

Privilégios, por exemplo, de incentivos fiscais e subsídios que se acumulam. Estudo deste ano coordenado por mim no Observatório da Mineração mostrou que mineradoras deixam de pagar, no mínimo, US$ 1,26 bilhão por ano em impostos apenas na exportação de minério de ferro.

Mineradoras tem centenas de bilhões à disposição – o lucro em 2021 no Brasil foi de R$ 339 bilhões de reais – e enorme poder de pressão e barganha, apesar de representarem apenas 1,2% do PIB e 3% se incluirmos as siderúrgicas.

O cenário dos deputados e senadores eleitos ontem mantém esse poder fortalecido. As mineradoras terão força garantida no Congresso Nacional e em estados mineradores, como Minas Gerais, Pará e Goiás. Ou ainda em estados de grande atividade garimpeira, que inclui também o Pará, Roraima, Amazonas e Mato Grosso. E mesmo em praças relevantes para a mineração e/ou para a economia e a política no geral, caso de Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Bancadas majoritariamente de direita e aliados de Jair Bolsonaro e o seu partido atual, o PL, fizeram uma lavada nos estados.

O Observatório da Mineração não aceita anúncios de mineradoras, lobistas e políticos. Por isso, precisa dos leitores para continuar a investigar o que o setor mineral não quer que a sociedade saiba. Faça uma doação recorrente no PayPal ou colabore via PIX com o valor que desejar no email apoie@observatoriodamineracao.com.br

O cenário mais grave é o do Senado. O PL elegeu 13 senadores e o União Brasil (junção do antigo DEM com o PSL de Bolsonaro em 2018) conta agora com 12. O PT tem 9 senadores e o MDB, 10. Partidos de direita ou “centro-direita” dominam o Senado, que contará com nomes como Damares Alves, Magno Malta, Hamilton Mourão, Sérgio Moro, Cleitinho e Marcos Pontes. Ex-vice de Bolsonaro, ex-ministros de Bolsonaro e um aliado novato de Bolsonaro em MG, Cleitinho. Em Roraima, Romero Jucá, envolvido no genocídio do povo Yanomami na década de 80 e artífice da lei que libera mineração em terras indígenas, perdeu a eleição para o Senado. No seu lugar, porém, entrou outra figura conservadora, Dr. Hiran.

Wilder Morais em Goiás e Wellington Fagundes no Mato Grosso, Jaime Bagatolli em Rondônia e Dorinho no Tocantins completam o quadro tenebroso.

Mesmo se Jair Bolsonaro perder o segundo turno, o Brasil precisará conviver com o bolsonarismo raiz, fascista, oportunista e inimigo da Constituição, dos direitos humanos e do meio ambiente por muito tempo.

Foto de destaque e foto acima, manifestação durante o ATL 2022: Isis Medeiros / Observatório da Mineração

Grandes vitórias para lobistas da mineração e do garimpo e alguns nomes progressistas

Alguns dos principais nomes de liderança na Frente Parlamentar da Mineração e do Grupo de Trabalho criado por Arthur Lira para mudar o Código da Mineração, processo em andamento no Congresso, se reelegeram.

O próprio Arthur Lira – financiado com dinheiro do garimpo – foi reeleito com imensa votação em Alagoas. Joaquim Passarinho e Eder Mauro se reelegeram no Pará. Airton Faleiro (PT) permanece com um dos raros progressistas paraenses eleitos. Greyce Elias, relatora do Novo Código de Mineração, Paulo Abi-Ackel, Euclydes Pettersen, Zé Silva, Aécio Neves e Newton Cardoso Jr levaram em Minas Gerais. Kim Kataguiri, ex-relator da mudança na lei do licenciamento ambiental, em São Paulo. Jhonatan de Jesus foi reeleito em Roraima. Evair de Melo e Da Vitória no Espírito Santo. Os últimos 3 são membros da FPM e do GT.

O lobista de mineradora Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, foi eleito deputado federal com votação massiva – 640 mil votos – em São Paulo. O triplo da ex-ministra Marina Silva. SP, porém, não reelegeu Ricardo Izar, presidente da Frente Parlamentar da Mineração e Alexis Fonteyne (Novo), deputado de destaque na articulação do setor mineral e também empresário do ramo.

A tropa de choque anti-ambiental e anti-direitos humanos eleita também inclui Bia Kicis no DF e Carla Zambelli por SP.

MG deu votação recorde a um bolsonarista como Nikolas Ferreira. Ao mesmo tempo em que elegeu Duda Salabert (PDT) e Reginaldo Lopes, Rogerio Correia, Patrus Ananias, Dandara, Padre João, Miguel Angelo, Leonardo Monteiro e Ana Pimentel, esses últimos todos do PT.

Na bancada estadual de Minas Gerais, estado chave para a mineração, continua a cooptação forte – dados de 2014 indicavam que 80% dos parlamentares do estado foram eleitos com dinheiro de mineradoras.

A bancada é majoritariamente de direita, enquanto a oposição ficará com nomes como Bella Gonçalves, Andreia de Jesus, Macaé Evaristo, Cristiano Silveira, Beatriz Cerqueira e poucos outros.

Romeu Zema (Novo), aliado convicto de mineradoras, foi reeleito governador já no primeiro turno. Outros governadores que atuam pró-setor mineral também foram eleitos no primeiro turno, caso de Antonio Denarium em Roraima, Mauro Mendes no Mato Grosso, Ronaldo Caiado em Goiás, Helder Barbalho no Pará e Wanderley Barbosa no Tocantins.

Foto: Isis Medeiros/Observatório da Mineração

Bancada indígena cresce

Célia Xakriabá (PSOL) foi a primeira mulher indígena eleita deputada em MG, fortalecida pela rede de Áurea Carolina, que fez um mandato forte de cobrança a mineradoras, desistiu de disputar a reeleição e apoiou Xakriabá.

Célia se juntará a Sonia Guajajara, eleita por São Paulo e figura de destaque por coordenar durante anos a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e ser vice de Guilherme Boulos (eleito com mais de 1 milhão de votos) na eleição de 2018.

Infelizmente, Joenia Wapichana não conseguiu se reeleger como deputada por Roraima após um primeiro mandato pioneiro e aguerrido, uma perda imensa para o movimento indígena.

Assim, o Brasil tem agora duas parlamentares indígenas no Congresso. É melhor que uma, mas poderia ser três e muito mais. Vanda Witoto tinha boas chances no Amazonas, por exemplo e não levou mesmo com mais de 24 mil votos. Outro caso de votação expressiva que não rendeu uma cadeira é a de Kerexu Guarani com 35 mil votos em Santa Catarina, forte reduto bolsonarista

A nível estadual, candidaturas indígenas progressistas não tiveram sucesso, mas conseguiram boa votação, caso de Val Eloy no Mato Grosso do Sul e Chirley Pankará em São Paulo, que obteve 27,8 mil votos. No total, candidaturas indígenas progressistas conseguiram quase 500 mil votos em todo o Brasil.

A “curiosidade” é a eleição de Silvia Waiãpi deputada federal pelo Amapá. Silvia, de direita, militar e bolsonarista, foi eleita pelo PL de Jair Bolsonaro e ocupou o cargo de secretária de saúde indígena em 2019. O MPF chegou a pedir multa e afirmar que Silvia, no cargo, não levava saúde a indígenas de propósito. Agora, Waiãpi estará no Congresso.

Mesmo assim, a “Bancada do Cocar” sai fortalecida pela votação expressiva de Xakriabá e Guajajara, que sem dúvida comporão um dos poucos redutos aliado aos povos originários, a Amazônia e o meio ambiente em geral.

Sonia Guajajara e Lula no ATL 2022

Nomes ligados ao garimpo entre o fracasso e a vitória

Alguns nomes ligados diretamente ao garimpo e investigados por extração de ouro em terras indígenas fracassaram. Três venceram.

Um dos principais candidatos, Rodrigo Cataratas, líder do movimento Garimpo É Legal e que segundo a Polícia Federal integra um grupo suspeito de movimentar R$ 16 bilhões com ouro extraído ilegalmente da terra indígena Yanomami, não foi eleito deputado federal em Roraima com 9 mil votos.

Roberto Silva Ourominas teve apenas 81 votos para deputado federal no Amapá. Beto Ourominas, seu nome de urna, declarou patrimônio de R$ 100,1 milhões e carrega no nome a DTVM Ourominas, investigada diversas vezes por suposta compra e venda de ouro proveniente de terras indígenas. O presidente da Ourominas, Juarez de Oliveira Silva Filho, é irmão de Roberto.

Já Wescley Tomaz, vereador de Itaituba, centro de garimpo ilegal, ferrenho defensor do garimpo e lobista recebido com frequência em Brasília pela cúpula do governo Bolsonaro e até pelo ex-AGU André Mendonça, hoje no STF, conseguiu se eleger deputado estadual pelo Pará com 40 mil votos.

Wescley Tomaz (primeiro à direita) ao lado do agora ministro do STF, André Luiz Mendonça, e o deputado federal Joaquim Passarinho, reeleito no Pará e Bruno Rolim (primeiro à esquerda), secretário de Meio Ambiente de Itaituba

José Medeiros concorreu pelo PL no Mato Grosso e se reelegeu deputado federal com 80 mil votos. Medeiros é apontado como um dos principais defensores da regulamentação do garimpo ilegal, além de ser vice-líder do governo na Câmara e próximo ao presidente Bolsonaro. Ele é autor do projeto de lei (571/2022), que transfere ao presidente da República o poder de autorizar a mineração em terras indígenas e outras áreas protegidas, e aparece como sexto deputado que mais atuou contra o meio ambiente e os povos do campo no Ruralômetro 2022, mostrou a Repórter Brasil.

Neno Razuk (PL), que tem projetos de mineração no Pará, venceu a reeleição para deputado estadual no Mato Grosso do Sul.

Outros nomes com requerimentos em terras indígenas não se elegeram, caso de Dr. Pinheiro (Patriota-ES), Beto Cacciari (PL-SP) e Ronaldo Trajano (MDB-RR).

Segundo turno definirá o futuro do Brasil e do mundo

O segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro definirá o que o Brasil quer ser daqui em diante.

Ou vencerá um projeto de extermínio fascista e ecocídio ou uma candidatura de centro que, com todos os seus problemas e contradições, se comprometeu com a Constituição, com os povos indígenas, em acabar com o garimpo ilegal em terras indígenas, fortalecer a fiscalização e tem respeito histórico com os direitos humanos e os mais pobres.

No atual estado das coisas, uma reeleição de Bolsonaro sem dúvida contribuirá para a extinção definitiva da vida no planeta via crise climática, já que grandes partes da Amazônia, assolada pelo desmatamento recorde dos últimos 4 anos, passaram do “ponto de não retorno” e o bioma já está emitindo mais carbono do que consegue absorver.

Entre a morte e a sobrevida, é uma escolha simples. Aconteça o que acontecer, a fiscalização da influência do poder das mineradoras e do garimpo continuará a ser um compromisso deste Observatório.


Descubra mais sobre Observatório da Mineração

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Compartilhe

Apoie o Observatório

Precisamos do apoio dos nossos leitores para continuar atuando de forma independente na denúncia e fiscalização do neoextrativismo, que ameaça comprometer uma transição energética justa e sustentável no Brasil.

Você pode contribuir de duas maneiras. A primeira, e mais eficaz, é por meio de uma assinatura recorrente no PayPal.

Com ela, você apoia mensalmente o trabalho do Observatório da Mineração, com um valor fixo debitado automaticamente no seu cartão de crédito ou débito.

Também aceitamos contribuições pontuais, no valor que preferir, via PIX. Basta enviar para o e-mail: apoie@observatoriodamineracao.com.br
(conta da Associação Reverbera).

Siga o Observatório nas redes sociais e compartilhe o conteúdo com seus amigos!

E buscamos novos parceiros e financiadores.
Desde que alinhados com o nosso propósito, histórico e perfil.
Leia mais sobre o impacto alcançado até hoje pelo Observatório, as aulas que ministramos e entre em contato.

Matérias relacionadas

Story: Lucio Lambranho Editing: Maurício Angelo Photos: Isis Medeiros Translated by Gabriela Sarmet A bill by the Araçuaí City Council...

Além de uma série de medidas para tentar reduzir os direitos dos povos indígenas dentro do debate pautado pelo agronegócio...

ANÁLISE As 30 cidades com a maior arrecadação de royalties da mineração (CFEM) do Brasil elegeram prefeitos de matizes ideológicas...

Apoie o Observatório da Mineração