O Natal será diferente para as famílias expulsas de casa por deslizamento de pilha da canadense Jaguar Mining em Minas Gerais

EDITORIAL

Enquanto boa parte dos brasileiros está se preparando para passar o Natal e as festas de fim de ano com as suas famílias e amigos, a realidade será bem diferente para 255 pessoas que foram expulsas de casa por um deslizamento de uma pilha de rejeitos de mineração de propriedade da empresa canadense Jaguar Mining em Conceição do Pará, Minas Gerais.

O desmoronamento de parte da montanha de rejeitos gerados pela exploração de ouro aconteceu em 07 de dezembro e atingiu casas e estruturas próximas. A previsão é de que as 97 famílias fiquem por no mínimo 90 dias fora de suas casas, alojadas provisoriamente em outros lugares.

“Perdi tudo. Perdi minha casa, meus móveis, 20 anos da minha vida. Tiramos só a geladeira, o fogão e umas roupas, mais nada. Não vou mais ver coisas que levei uma vida inteira para construir”, contou Marciana da Costa Dias ao G1. Outro morador, o mecânico Ian Silva, recém-casado, não conseguiu recuperar quase nada da sua casa. “É bem difícil. É ver o sonho da gente indo embora. Foram quatro anos juntando dinheiro para construir e de um dia para o outro, já era”, disse.

O comerciante Marcos Pereira da Silva também viu a sua casa soterrada. “Aqui tinha de cinco a seis casas. Na parte mais próximo à pilha tinha mais três. Mais duas para baixo. Nos fundos da minha casa tem uma família com uma pessoa com deficiência. Todos conseguiram sair a tempo, mas a casa acabou soterrada”, disse ao G1.

Sem dúvida será um Natal terrível para estas pessoas, bem longe do ideal, gerado por uma situação que virou rotina em Minas Gerais. Também é mais um exemplo gravíssimo de que as pilhas de rejeitos “a seco”, tidas como praticamente inofensivas pela indústria e licenciadas com regras flexíveis, aprovadas a portas fechadas com pouca transparência, estão longe de não representar risco algum.

Pelo contrário. Em janeiro de 2022 outra pilha de rejeitos deslizou, invadiu uma rodovia e causou sérios prejuízos em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. De propriedade da francesa Vallourec, mostrei aqui na época como a expansão da pilha foi aprovada em reunião extraordinária pouco tempo antes, em regime de urgência pedido pela própria mineradora e com alertas de ambientalistas ignorados.

É um roteiro conhecido que, na última década, colocou as aprovações da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), com participação da Secretaria de Meio Ambiente (Semad) sempre em xeque diante da influência de pessoas notadamente ligadas ao setor mineral e industrial em MG.

Divulgação Corpo de Bombeiros

Somente de 2017 ao início de 2020, o governo de Minas Gerais avaliou a portas fechadas 108 projetos privados no estado. O objetivo foi facilitar o licenciamento ambiental e reduzir a fiscalização. Brumadinho consta entre eles. A Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), vinculada à Semad, segue sendo um ator central nisso.

Nos últimos 10 anos Minas Gerais viu a explosão de desastres com barragens, pilhas de rejeitos, vazamentos tóxicos e a expulsão de milhares de pessoas de suas casas: rompimento de barragem da Herculano em 2014 matou três trabalhadores (executivos da Herculano doaram para a campanha de Jair Bolsonaro em 2022, diga-se), rompimento de barragem da Vale/BHP/Samarco em Mariana em 2015, Brumadinho em 2019, problemas em pilhas de rejeitos da Vallourec e da AngloGold Ashanti em 2022 e agora a Jaguar Mining em 2024, isso para ficar nos mais representativos.

Moradores de diversas cidades passaram a conviver com o temor constante, foram obrigados a deixar suas residências e em alguns casos mineradoras usaram o contexto, denominado “terrorismo de barragem” por pesquisadores, para expandir suas atividades ou avançar em interesses minerários, como demonstramos nessa matéria especial do ano passado.

No caso da Jaguar Mining em Conceição do Pará, centro-oeste do estado, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu o bloqueio de R$ 200 milhões das contas bancárias da mineradora, além de exigir uma série de medidas para tentar garantir a segurança e que o cenário não se agrave.

Cabe destacar que entre os “valores” da empresa listados pela própria Jaguar Mining constam: “Dano Zero: Compromisso com a saúde e a segurança dos nossos empregados, com as comunidades onde atuamos e com a proteção do meio ambiente” e “Sustentabilidade: Crescimento sustentável procedente de um negócio seguro, rentável e socialmente responsável durante o desenvolvimento de recursos e ativos de longo prazo”.

Divulgação MPMG

A justiça acatou o pedido do Ministério Público para que a Jaguar Mining “adote todas as medidas necessárias de apoio à população evacuada, incluindo o pagamento imediato, a título de auxílio emergencial, no valor de R$ 10 mil reais para cada núcleo familiar que foi removido de seu imóvel, bem como pagamentos mensais enquanto durar a evacuação”.

Além de uma Ação Civil Pública, o MPMG abriu procedimento de investigação criminal para apurar “eventuais repercussões penais advindas do rompimento da pilha de rejeitos e a possível prática, em tese, dos crimes previstos nos artigos 38-A e 54 da Lei Federal nº 9.605/98 e 256 do Código Penal”. 

A recente absolvição criminal dos investigados no caso do desastre de Mariana, porém, indica que é pequena a possibilidade de que um pedido desse vá adiante e, no futuro, alguma responsabilização efetiva aconteça.

2024 termina com um dos mais graves acontecimentos envolvendo o setor mineral em Minas Gerais desde Brumadinho. Lembrete mais do que direto para que as autoridades cumpram a sua função, a fiscalização melhore substancialmente e de que o licenciamento não pode ficar totalmente à mercê de pessoas ligadas às mineradoras que só sabem dizer “sim” para todos os pedidos feitos.

Imagem de destaque: Divulgação Corpo de Bombeiros MG

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