Em julho de 2018 um parecer que incorporava propostas mais duras para barragens existentes e futuras foi rejeitado por 3 votos a 1 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Votaram contra o texto do relator João Vitor Xavier (PSDB) para o PL 3676/2016 os deputados Gil Pereira (PP), Thiago Cota (MDB) e Tadeu Martins Leite (MDB). Pereira e Cota, filho de Celso Cota, ex-prefeito de Mariana (MG) cassado por improbidade administrativa, tem um elo em comum: ambos receberam centenas de milhares de reais de mineradoras. Tadeusinho não recebeu financiamento direto, mas o diretório do MDB, seu partido, arrecadou milhões de mineradoras nas últimas eleições. O PL, que se arrasta há 3 anos, foi uma tentativa de resposta para o crime da Vale em Mariana.
Ontem, este mesmo PL, batizado de “Mar de Lama Nunca Mais” foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O texto agora segue para sanção do governador Romeu Zema, do Novo. O maior crime ambiental da história do país não foi suficiente. Foi preciso 177 mortos em Brumadinho para que o projeto fosse aprovado. Com as 133 pessoas que seguem desaparecidas, esse número deve ultrapassar os 300 mortos.
A explicação talvez resida no financiamento direto que parlamentares recebem de mineradoras no estado. O que não é exclusividade de Pereira e Cota. De acordo com levantamento do jornal O Tempo, as mineradoras investiram R$ 4,2 milhões nas campanhas de deputados estaduais e ajudaram a eleger 56 dos 77 deputados para a ALMG. Ou seja, sete a cada 10 deputados estaduais vitoriosos foram financiados pelo setor.
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Agora aprovado por unanimidade, se cumprida, nova lei pode evitar futuras tragédias
A proposta de João Vitor Xavier atinge diretamente as práticas da Vale tanto nas barragens de Brumadinho quanto em Mariana. Ela proíbe, por exemplo, novos licenciamentos de alteamentos de barragens, processo em que o próprio rejeito é utilizado na ampliação dessas estruturas, técnica mais barata do mercado e justamente o que a Vale usa.
O parecer exige que mineradoras busquem tecnologias para fazer barragens a seco, método mais seguro e normalmente usado no mundo. A própria Vale, em comunicado de 2016, prometeu reduzir o uso de barragens até 2025 e produzir menos 700 milhões de toneladas de rejeitos, ampliando de 40% para 70% o beneficiamento a seco nas suas minas. No meio do caminho tinha Brumadinho e todo o passivo ambiental da empresa.
O texto rejeitado e agora aprovado na Assembleia também exige cumprimento rigoroso de prazos nas licenças prévia, de instalação e de operação, impedindo a emissão concomitante. Exatamente o oposto do que a Vale faz, como o “atalho” que pegou para o licenciamento para as novas obras no Complexo do Feijão, aprovado em dezembro. A proposta também proíbe a construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragem onde, a jusante, existem comunidades, caso de Mariana e Brumadinho.
Entre outros prontos, a proposta também prevê a apresentação de um valor usado como seguro em caso de tragédia ambiental e desativação da barragem; estudos completos dos cenários de rupturas com mapas com a mancha de inundação; audiências públicas prévias com participação dos cidadãos afetados direta e indiretamente com direito à espaço e tempo reservado especificamente às mulheres; proíbe alterações no projeto original que modifiquem a geometria da barragem licenciada, exceto em caso de novo pedido de licenciamento; uma análise sistêmica de todas as barragens quando houver várias em uma mesma área de influência, caso do Complexo do Feijão em Brumadinho.
De acordo com Xavier, anteriormente a proposta foi derrubada “com uma ligação”. O deputado lamentou o esforço perdido em função do lobby da mineração. “Foi um trabalho de seis meses junto com Ministério Público, corpo técnico da Assembleia e mais de 50 organizações não governamentais e fomos derrotados em uma manhã com uma ligação”, disse em entrevista.
Agora as coisas podem mudar.
O texto aprovado também exige que “constará no Plano de Ação de Emergência a previsão de instalação de sistema, de alerta sonoro ou outra solução tecnológica de maior eficiência, capaz de alertar e viabilizar o resgate das populações passíveis de serem diretamente atingidas pela mancha de inundação, bem como as medidas específicas para resgatar atingidos, pessoas e animais, mitigar impactos ambientais, assegurar o abastecimento de água potável às comunidades afetadas e resgatar e salvaguardar o patrimônio cultural”. Em Mariana, sequer existia alerta por sirenes, instalado somente depois do rompimento. Em Brumadinho, o sistema existia, mas não funcionou. Só depois do desastre é que a Vale conseguiu fazer os alertas soarem, avisando sobre a nova barragem na área que está em risco. Um plano de ação emergencial até agora não foi apresentado.
Os fatos mostram que não é somente um PL que mudará a realidade da mineração em Minas Gerais, tomada completamente pelo lobby de mineradoras a políticos, que influenciam decisivamente nos processos internos dos órgãos de regulação e fiscalização. Mas, caso cumprido, pode ser um passo além para evitar que tragédias premeditadas se repitam.
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