De forma inédita, MPF pede intervenção judicial na Vale para garantir segurança de barragens

A situação crítica de dezenas de barragens da Vale após dois rompimentos em pouco mais de 3 anos, Mariana e Brumadinho, levou o Ministério Público Federal (MPF) a entrar com pedido de intervenção judicial na mineradora nesta quinta (03). O caso é inédito no Brasil.

Normalmente, intervenções acontecem em empresas que estão em processo de falência. Um pedido para que um interventor atue em uma empresa como a Vale, que lucrou mais de R$ 6 bilhões somente no primeiro semestre de 2020 e é a maior produtora de minério de ferro do mundo, é inédito.

Segundo o MPF, a motivação é que a Vale garanta a segurança de suas barragens. De acordo com o último levantamento da Agência Nacional de Mineração, a Vale tem 27 barragens sem estabilidade garantida. 26 estão em Minas Gerais.

Desde o rompimento em Brumadinho, que matou 272 pessoas, essa situação gerou casos drásticos como o de Barão de Cocais, onde centenas de pessoas foram expulsas de suas casas em função do rompimento iminente de uma barragem da Vale que não se concretizou até o momento.

Isso “levou a população a conviver com a chamada “lama invisível”, metáfora que se tornou comum na região para fazer referência à sensação de medo e desproteção que paralisou relações socioeconômicas ali existentes”, afirma o MPF na ação.

A situação se repetiu em Macacos, Ouro Preto, Itabirito e outras cidades. Com o nível de emergência elevado e sem a segurança das barragens atestada, centenas de moradores se tornam reféns em suas próprias cidades.

Cultura de “menosprezo aos riscos ambientais e humanos” em função do lucro

A ação civil pública pede que seja nomeado um interventor que será responsável por identificar e afastar os responsáveis pela área de segurança da Vale em até 15 dias. Depois, esse interventor precisa elaborar um plano de reestruturação da governança da mineradora, com metas.

A metodologia de trabalho deverá “seguir padrões internacionalmente reconhecidos em termos de medidas preventivas de desastres, de transparência e responsabilidade”.

De acordo com o MPF, “a Vale desenvolveu ao longo do tempo uma cultura interna de menosprezo aos riscos ambientais e humanos, na qual se apropria dos lucros de suas operações, mas repassa para a sociedade os riscos e efeitos deletérios de sua gestão”.

Diante disso, os rompimentos de Mariana e Brumadinho não seriam exceções, mas resultado de “uma política sistemática de gestão de riscos que privilegia a produção e o lucro em detrimento da segurança”.

A intervenção seria uma forma de frear essa cultura interna da mineradora e tentar garantir que as dezenas de barragens remanescentes sejam geridas de forma a garantir a segurança para as pessoas que vivem próximas a estas estruturas.

MPF mira o alto escalão da Vale

O procurador da República Eduardo Aguiar, que atua na Força-Tarefa do Rio Doce, me disse que o MPF entrou com essa ação porque “ficou bem claro o déficit na gestão de segurança da Vale”.

Mesmo com as mudanças de presidente depois de Mariana e Brumadinho – saíram Murilo Ferreira, com um bônus de R$ 60 milhões e Fabio Schvartsman, afastado – “a cultura da empresa não mudou”, afirma Aguiar. “No papel a Vale tem um sistema de gestão empresarial de riscos, mas na prática esse sistema não existe ou é muito ineficiente”, criticou o procurador. 

Na ação, o MPF cita a “irresponsabilidade organizada” criado pela Vale. Um sistema de gestão que tem o objetivo principal de eximir de responsabilidade a alta cúpula da mineradora.

Um método que funcionou muito bem no caso de Mariana até aqui, incluindo decisões judiciais favoráveis e habeas corpus obtidos pelos principais executivos do Conselho de Administração da Vale, Samarco e BHP, que “não teriam conhecimento” dos riscos, embora toneladas de provas mostrem o contrário.

Segundo Eduardo Aguiar, a estrutura que a Vale tem hoje permite responsabilizar a empresa e no máximo o baixo escalão da diretoria. “O sistema de governança é montado para blindar o alto escalão da mineradora de responsabilidade pessoal, essa é a chave da questão”, afirma Aguiar.

Um sistema efetivo do chamado compliance, explica, faria com que todas as informações circulassem entre as gestões decisórias da empresa. “No caso de um crime ambiental, você consegue responsabilizar as pessoas físicas, os indivíduos que foram responsáveis por aquilo”, diz o procurador.

Na ação, o MPF diz que existe na Vale “uma cultura empresarial de deliberada cegueira, engendrada para relevar riscos e se acostumar com desvios de padrões”.

O sistema corporativo da Vale, “ao olhar mais acurado e investigativo revela um sem número de ilegalidades reiteradamente cometidas no âmbito de uma das maiores mineradoras do mundo”. Para o MPF, quem paga a conta são as pessoas atingidas, o estado e a sociedade brasileira.

Para Aguiar, o pedido de intervenção judicial na Vale não afetará o acordo de reparação firmado no caso de Mariana e as investigações em andamento no caso de Brumadinho, já que são ações diferentes.

O MPF pede ainda que a Vale contrate uma empresa de auditoria independente, “preferencialmente entre as quatro maiores do mundo”, que ficará responsável por auditar a nova governança implementada.

Pedido de suspensão do pagamento aos acionistas

Como forma de forçar a Vale a colaborar de verdade com o interventor e mudar as suas práticas internas, a ação do MPF pede também a suspensão do pagamento de dividendos aos acionistas e de juros sobre capital próprio até que os efeitos da intervenção sejam visíveis e a mineradora prove que está colaborando.

Suspenso pela própria Vale após o rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019, o pagamento da remuneração aos acionistas, estimado em cerca de US$ 2 bilhões de dólares ou mais de 10 bilhões de reais em 2020, foi retomado pela mineradora há cerca de 1 mês.

Agora, cabe à justiça decidir se acata o pedido do MPF. O juiz pode, inclusive, aceitar a intervenção, mas vedar a suspensão do pagamento aos acionistas, ou acatar os dois pedidos.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) foram colocadas como rés na ação pelo MPF.

A ideia do Ministério Público Federal é que ambas as instituições “sejam obrigadas a supervisionar e fazer as recomendações necessárias à implementação do plano de governança proposto e desenvolvido pelo interventor”, apresentando ao juiz um relatório semestral com os resultados das suas avaliações.

Procurada pela reportagem, a CVM disse apenas que “tomará as medidas cabíveis oportunamente, por intermédio de sua Procuradoria Federal Especializada (PFE/CVM)” e preferiu não fazer comentários adicionais.

A ANM não respondeu ao pedido de comentário enviado por mim e também não esclareceu qual é a situação atual das 27 barragens interditadas da Vale, que é de sua competência acompanhar.

Em nota, Vale se defende

Após o contato feito pela reportagem, a Vale enviou a seguinte nota abaixo, na íntegra, respondendo ao pedido de intervenção judicial do MPF.

“A Vale informa, nos termos da Instrução CVM nº 358/2002, que tomou conhecimento, por meio de nota de imprensa, de ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Federal, com um pedido de intervenção judicial na Companhia para garantir a segurança de barragens. A Companhia não foi citada do feito e apresentará sua manifestação nos autos do processo, no prazo legal.

A Vale esclarece que as atuais práticas de gestão de suas estruturas minerárias refletem as melhores referências globais do setor. Em linha com o contínuo aprimoramento dessas práticas, conforme o seu desenvolvimento no mercado, a Vale implementou mudanças ao longo dos últimos 18 meses para fortalecer ainda mais a segurança de seus processos operacionais e de gestão de suas estruturas geotécnicas. Dentre as medidas adotadas nesse período, a Companhia destaca:

  • Criação de três Comitês Independentes de Assessoramento Extraordinários do Conselho de Administração, para Apoio e Reparação, Apuração e Segurança de Barragens, sendo que este último será mantido até 2021.
  • Antecipação do plano de descaracterização das estruturas a montante, um dos principais marcos para reduzir o nível de risco da Companhia.
  • Criação da função de Engenheiro de Registro (EoR), na figura de empresas externas responsáveis por realizar a inspeção regular de segurança das barragens da Companhia e os relatórios técnicos mensais, em linha com as recomendações da Mining Association of Canada (MAC), pela Canadian Dam Association (CDA) e pelo Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração.
  • Construção de novas estruturas de contenção a jusante das barragens a montante, já concluídas para a barragem Sul Superior e em conclusão para a B3/B4.
  • Nova análise técnica do histórico e das condições atuais de todas as suas barragens.
  • Aumento significativo de seus investimentos em gestão de barragens e implementação de um novo Sistema de Gestão de Rejeitos, que é altamente aderente aos novos padrões internacionais do International Council on Mining and Metals (ICMM).
  • Aprovação de uma nova Política de Gestão de Riscos e a criação de cinco Comitês Executivos focados no tema, sendo um específico para riscos geotécnicos.
  • Reforço das linhas de defesa, com destaque para a segunda linha, através da criação da Diretoria Executiva de Segurança e Excelência Operacional, em junho de 2019, que delineou seu plano de trabalho para os próximos dois anos e está conduzindo uma avaliação de risco global da Companhia.
  • Instalação do Comitê de Auditoria e da Diretoria de Compliance para reforçar a governança de riscos e controle.
  • Celebração de 14 Termos de Compromisso com o MPMG com ações focadas em segurança de barragens e contratação de auditores externos de suas estruturas geotécnicas em favor do MPMG.

A Vale permanece firme em seus propósitos de reparar integralmente os danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho e garantir a segurança de nossas pessoas e ativos. A Companhia continuará a colaborar com o Ministério Público e com todas as investigações em curso”.

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2 Replies to “De forma inédita, MPF pede intervenção judicial na Vale para garantir segurança de barragens”

  1. Visam somente lucros. Não interessa a segurança nem dos funcionários e seus habitantes. Os lucros provém das bolsas no mercado. Os acionistas apensa controlam as bolsas, como podemos ver. Os perigos e riscos são enormes. Não podemos entender que essas duas mineradoras fizeram tantas vítimas e prejudicaram o meio ambiente e seguem lucrando. Chama-se isso capital improdutivo… todos são empresários de si mesmos. Deveriam haver uma lei de intervenção obrigatória contra danos letais à vida e ao meio ambiente. É desumano. O homem é narcisita só ama e valoriza a si mesmo. Sócrates em 400 a C foi condenado a tomar cicuta, poue ensinava virtudes. As virtudes são pecados capitais contra o lucro, contrariam ao um ser invisível e muito respeitado chamado Mamon, e o seguem, o idolatram e o adoram. Jesus foi crucificado porque ensinava a Boa Nova- N. T. Satanás se apresentou pedindo adoração e que Jesus o seguisse.Mateus 4 a 11. A Tentação de Jesus. Ele o expulsou… As trevas. apaixonam os homens que o seguem, e nem s’importam com as consequências. Não acreditam em Deus, em vida eterna. São materialistas, não desviam de seus lucros, nem uma pataca. Cristo chamava-os tal, Raças de viboras.” São penssonhas, e não pessoas.

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